Inova&Ação

Por que o Ministério Público precisa de laboratórios de inovação? – Parte III

Condições e incentivos para moldar o caminho e motivar os agentes de transformação, aumentando as chances de sucesso

Crédito: Ivan Bandura/Unsplash
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O Ministério Público (MP) tem um grande potencial de contribuição para o desenvolvimento nacional, com base na missão e instrumentos de atuação conferidos pela Constituição de 1988. No entanto, precisa evoluir no paradigma adotado, sobretudo, para o controle de políticas públicas.

No primeiro artigo desta série, afirmamos que a Carta de Brasília de 2016 – marco fundamental na evolução do MP – desenhou um cartão postal de chegada para uma transformação profunda da instituição. Contudo, não trouxe consigo um mapa para mostrar o caminho. Para chegar lá, é preciso conhecer o que precisa mudar no MP e qual direção seguir. Essa direção representa um novo método.

No segundo artigo, demonstramos que não basta enunciar bases teóricas de como deve ser o novo método de atuação do MP. O novo método ainda sequer foi implementado ou amplamente testado – ainda mais levando em conta o potencial da ciência de dados e da avaliação de impactos de políticas públicas.

Para isso, uma agenda de inovação vem se fortalecendo, materializada na criação de laboratórios de inovação no MP.

O sucesso da agenda de inovação no MP pode e precisa ser acelerado com o bom funcionamento de laboratórios de inovação. Mas, algumas condições precisam ser consideradas. Como em toda grande transformação, além de conhecer os pontos de partida e de chegada, e saber a direção a seguir, é preciso moldar o caminho e motivar os agentes para trilhá-lo.

É este o tema do terceiro e último artigo da série.

Moldar o caminho

Alguns fatores – todos dentro do controle das lideranças de cada MP – produzem efeitos para facilitar ou dificultar o retorno esperado do investimento que é a criação de um laboratório de inovação.

Por exemplo, a formalização do laboratório como unidade organizacional, por meio de ato normativo de criação (veja o exemplo do Inova_MPRJ), tende a sinalizar uma maior estabilidade e importância – tanto do novo órgão quanto da agenda e valores que o inspiram. Em contrapartida, outras configurações possíveis – como comissão, movimento, grupo de trabalho etc. – podem transmitir sinal de algo mais frágil e passageiro.

Outro fator relevante é a atenção à formação da equipe do laboratório. Como sua missão é desenvolver um novo método de atuação, no mínimo explorando o potencial de novas habilidades, é natural que não existam especialistas nos quadros do MP. Costuma ser o caso do design de serviços, da avalição de impactos e da ciência de dados.

Daí a importância de buscar profissionais de alta performance, que também trazem consigo bagagens de outras organizações e visões originais à cultura do MP. (No caso do Inova_MPRJ, a parceria com a Vetor Brasil foi essencial para esse propósito).

Parcerias, formas de exploração da inteligência coletiva e atuação em rede são essenciais para aumentar os braços de um laboratório de inovação. Contudo, enxergamos que é mais produtivo que o laboratório tenha equipe própria e que nela existam integrantes do MP (ao menos um membro) que conheçam as limitações das atividade-fim e meio a serem solucionadas.

Com a equipe formada, o laboratório precisa ter autorização expressa – preferencialmente em seu ato normativo de criação – para experimentar novas práticas, ainda que para isso seja necessário fugir aos padrões atuais. “Nunca fizemos assim”, “não é assim que fazemos” ou, “mas e se todo mundo quiser fazer assim?”, não podem ser barreiras para o laboratório prototipar e testar o que pode vir a ser o novo padrão.

(No caso da resolução que criou o Inova_MPRJ, há um artigo específico prevendo a criação e uso da técnica de sandbox regulatório – ambiente para experimentação que possibilita, de forma controlada, monitorada e cautelosa, a suspensão temporária de uma regra da instituição que conflite com a inovação pretendida).

Com liberdade para inovar, o laboratório precisa ser consciente e comunicar bem até onde vai: somente até a prototipação das soluções que criar (incluindo, algumas vezes, o teste do protótipo) e a comunicação dos resultados (lições aprendidas). O laboratório abandona seu papel quando assume compromissos de desenvolvimento integral ou responsabilidade pela implementação e manutenção das soluções.

Para otimizar a produção do laboratório sem desviá-lo de sua missão de prototipação e gestão do conhecimento da inovação, é importante fazer uso de todas as formas de contratação, pesquisa e parcerias previstas na Lei nº 10.973 de 2004 (Marco Legal da Inovação).

Além disso, contar com o apoio da Administração do MP para processos inovadores e mais ágeis de contratação de serviços digitais – quem sabe instituindo um Mercado Digital (como no exemplo existente no Reino Unido e previsto na Estratégia de Governo Digital, do Governo Federal).

Nesse sentido, o laboratório pode, ainda, se tornar a unidade ideal para atuar no desenho, curadoria e propulsão de processos de inovação aberta (concursos e premiações, hackathons, incubação/aceleração de startups e soluções e encomendas tecnológicas). Tendo em mente, contudo, que suas ações não devem se confundir apenas com esses processos.

Motivar o agente

A direção foi definida e o caminho preparado para permitir aos laboratórios a exploração de todo seu potencial. Falta, ainda, considerar o elemento emocional envolvido: a motivação dos integrantes da Instituição – tanto para apoiarem quanto para que deixem de resistir às mudanças decorrentes da inovação.

Por mais preparado que seja o caminho e com as melhores ferramentas tecnológicas possíveis, o elemento humano pode ser o fator de maior desafio para a inovação. É nesse ponto que o papel da liderança da Instituição é decisivo. O Chefe da Instituição precisa comunicar, em todas as direções, que inovação e a melhoria contínua (pressupondo prestação de contas e de resultados), são valores essenciais do MP – para todos, inclusive ele mesmo.

Contracultura

Não é estranho esperar que a cultura organizacional busque se proteger contra o corpo estranho que é a inovação e seu principal ator, o laboratório.

É natural ao ser humano recear o desconhecido. Por outro lado, eis uma verdade inconveniente em toda e qualquer organização (pública ou privada): há quem encontre conforto na continuidade de processos ineficientes, porém familiares, ao invés da busca pela melhoria contínua, da realização do grande desafio vencido e do senso de missão cumprida.

Por isso, é comum na literatura de inovação menções ao risco de o laboratório ser percebido como uma ameaça ao estado de equilíbrio que traz conforto, mas não resultados. Afinal, se o laboratório mostrar que é possível fazer diferente, melhor e mais barato, pode evidenciar que até agora não foi e não é assim.

Incentivos para fazer junto e aprender

Há um outro lado, positivo, da motivação. Com ele, é possível vencer boa parte das resistências e criar um círculo virtuoso, acelerando o avanço da agenda de inovação e os resultados do trabalho do laboratório.

Unidades de inovação, além de espaços destinados à prospecção e experimentação, se fortalecem quando promovem o trabalho em rede e difundem suas técnicas, práticas e ferramentas. Ninguém inova sozinho e os laboratórios têm o dever de liderar pelo exemplo.

Por exemplo, para ser aberto e multiplicar braços, o Inova_MPRJ criou o programa Fagulha, convidando a todos para fazer parte das soluções e somar forças no dia a dia. Após período de imersão e contato direto com a equipe do Laboratório, participantes levam aprendizados e possibilidades de atuação inovadora para seus órgãos de origem – como fagulhas da inovação.

Além disso, é essencial ter preocupação permanente com a documentação detalhada de iniciativas, resultados e modelos inovadores de trabalho. Gestão e comunicação de conhecimento são funções primordiais para quem também tem o objetivo de envolver toda a instituição e inovar junto com ela.

Nesse sentido, vale considerar a estratégia de publicação em HTML, idealizada pelo Government Digital Service do Reino Unido e seguida pelo Inova_MPRJ (alguns exemplos na publicação de método de trabalho e em relatório de projeto); ou ainda compartilhar ideias que deram certo em um blog técnico (exemplos do Inova_MPRJ aqui e aqui).

Os laboratórios contribuem para a motivação positiva dos agentes quando se dedicam a criar incentivos e premiações para quem, na estrutura interna ou em outros órgãos da instituição, explora ideias ousadas e aprende com elas. Esse espírito, oposto ao que pune quem faz diferente, é fator multiplicador da equação.

Por fim, o Conselho Nacional do Ministério Público pode desempenhar um papel fundamental, de reforçar o sinal de apoio para a agenda de inovação no MP, em todo o Brasil. Em especial, se investir menos em atos normativos de estilo comando e controle e liderar pelo exemplo. (Tal como criando o seu próprio laboratório de inovação e experimentando prototipar iniciativas, sempre construindo de forma conjunta – confira a proposta de Resolução criando o Inova_CNMP).

Conclusão

O horizonte é promissor para o aperfeiçoamento institucional do MP, sobretudo em sua importante missão de contribuir para o desenvolvimento socioeconômico e prevenir – tornando menos necessário reprimir – a corrupção e o crime organizado. Para isso, é fundamental pensar diferente, construir e aprender com a implementação de um novo método.

Embora recentes, os laboratórios de inovação em instituições de controle vêm mostrando bons resultados. Suas contribuições são fundamentais para a descoberta do caminho que levará o MP ao destino imaginado pela Carta de Brasília.

Mas, laboratórios de inovação não funcionam apenas com salas coloridas. É preciso moldar o caminho para o seu sucesso, assim como entender e saber trabalhar com a motivação dos agentes para incorporar a inovação ao espírito da instituição, vencendo resistências de forma positiva.