Inova&Ação

Por que o Ministério Público precisa de laboratórios de inovação? – Parte II

Laboratórios são um complemento prático e experimental ao novo método que o MP precisa para o salto esperado de resultados

Crédito: Inova_MPRJ
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O primeiro desta série de três artigos partiu da ideia de que toda mudança precisa da combinação de ao menos três elementos: direção, motivação e um caminho.

Em 2016, o Ministério Público brasileiro (MP) se reuniu em torno de um chamado por mudanças. Na Carta de Brasília, representantes do MP desenharam um ponto de chegada para uma Instituição renovada. O que a Carta não fez, contudo, foi definir aqueles três elementos.

O artigo anterior argumenta que a direção necessária para o MP alcançar a transformação esperada corresponde a um novo método de atuação – sobretudo para sua atuação de combate preventivo contra a corrupção e o crime organizado; e estruturante na defesa dos direitos fundamentais.

Embora seja possível enunciar as bases teóricas para o novo método, é preciso reconhecer que ele ainda não foi construído e testado na prática. Seus detalhes precisam ser elaborados, suas premissas postas à prova. Em seguida, o método precisa ser difundido aos atores do MP.

Entram em cena os laboratórios de inovação.

O que são laboratórios de inovação

O laboratório é um espaço que em regra faz parte da estrutura das instituições públicas, mas desfruta da liberdade de experimentar e falhar. O retorno de seu investimento é o aprendizado sobre formas de agir que se distanciam da tradição e que podem dar origem a cultura e táticas novas para melhores resultados. Seu objetivo é, assim, gerar e gerir conhecimento.

Com os laboratórios de inovação, o setor público se abre para novas ferramentas, metodologias e áreas do conhecimento, incluindo novas tecnologias na sua rotina de trabalho. Ao mesmo tempo, busca manter ou aprimorar a qualidade dos seus serviços – não raro em contextos de recessão econômica.

O novo paradigma é o de governo como plataforma. As entidades governamentais passam a entender que não são as retentoras do conhecimento e que um único ator não consegue ter uma visão completa da situação. Assim, adota-se uma abordagem que explora a inteligência coletiva, envolvendo diversos atores – do setor público, academia e setor privado – para colaborar na solução de desafios de governo. A efetividade é incomparavelmente maior, assim como a economia de recursos.

Segundo a Nesta, principal entidade de inovação em governo do Reino Unido, as principais características e elementos para as diferentes configurações possíveis dos laboratórios são os seguintes:

  • Métodos que usam – design de serviços, ciência de dados, economia comportamental etc;
  • Área de atuação – em uma ou várias áreas de política pública ou apenas voltados para processos internos.
  • Foco – exploração de desafios, prototipação de soluções, ou implementação e escala;
  • Posição – se são órgãos das entidades de governo ou externos, embora trabalhando com o tema da gestão pública;
  • Envolvimento – se atuam diretamente na solução dos desafios, ou como curadores do processo de inovação (por exemplo, mediante processos de inovação aberta como o concurso, encomenda tecnológica, hackathons etc);
  • Liderança – como e por quem a equipe é liderada, incluindo a relação com a Chefia da instituição que abriga o laboratório;
  • Time – qual é a composição da equipe, a extensão da dedicação e do vínculo;
  • Mensuração de impacto – como o laboratório mede e comunica os resultados de seus experimentos.

Laboratórios de inovação no mundo e no Brasil

O movimento de laboratórios de inovação em governo surgiu por volta dos anos 2000, em um contexto de reformas na administração pública. Como fatores de especial influência destacam-se a Nova Gestão Pública (New Public Management – NPM), os tempos de austeridade fiscal e a evolução e difusão dos elementos e ideais de governança digital.

Embora não seja possível precisar uma data, concorda-se que o MindLab foi um marco do começo do movimento. O laboratório dinamarquês surgiu em 2002 com a missão de inventar, desenvolver e experimentar novas formas de identificar e definir problemas, assim como novas abordagens para resolvê-los.

Após o surgimento do Mindlab, laboratórios de inovação em governo passaram a aparecer em diversas partes do mundo. Acredita-se, contudo, que o número registrado seja muito menor do que o de laboratórios realmente ativos.

No Brasil, a história dos laboratórios de inovação se inicia em 2013 com a criação do LabHacker, da Câmara dos Deputados. Seu foco recai sobre três temas: transparência, participação e cidadania.

Em 2015, surge o primeiro laboratório de inovação em um órgão de controle que se tem notícia no mundo – o Colab-i, do Tribunal de Contas da União. Até 2019, o Colab-i teve por objeto exclusivo de seu trabalho a promoção de melhorias internas ao TCU. A partir de então, volta-se a promover novas formas de aprimorar a atividade-fim do Tribunal.

Em 2018 o movimento chega no Ministério Público com a organização do MPLabs, do MPPE. O laboratório não tem natureza de órgão, mas de comissão. Autodenominado como movimento e com dois integrantes com dedicação exclusiva, o MPLabs aposta a maior parte de suas ações no fomento e curadoria de ciclos de inovação de aberta.

Recentemente, o MPSC criou o movimento iMPulso com o objetivo de disseminar inovação na instituição. Há outras iniciativas em andamento, merecendo destaque as do MPMA, MPF, MPRS e MPGO. Na maior parte dos casos, o momento inicial dos laboratórios tem sido marcado pela inexistência de um órgão e de equipes dedicadas na estrutura organizacional formal do MP.

Em 2019, surge no MPRJ o Inova_MPRJ, com uma aposta ambiciosa e desenho organizacional único. Em especial, ele surge a partir de uma visão teórica e refletida sobre como o MP precisa e pode mudar seu método de atuação no controle de políticas públicas.

O modelo do Inova_MPRJ

O Inova_MPRJ é um dos primeiros laboratórios em entidades de governo a contar em seu ato de criação com previsão normativa de um sandbox regulatório (autorização para conduzir experimentos, com a inobservância temporária e controlada de regras do MP).

O laboratório é fruto de um processo detido de benchmarking e planejamento estratégico. A característica central que o diferencia é a combinação do foco em seu método único de trabalho, sua equipe e sua posição formal como órgão previsto na estrutura da Administração do MPRJ.

Coordenado por um membro do MPRJ, o Inova_MPRJ possui uma equipe de dedicação exclusiva. Atualmente, o time interdisciplinar é composto de sete servidores (um efetivo e seis comissionados), além de três estagiários. Todos os comissionados foram rigorosamente selecionados, alguns por meio de parceria com o Vetor Brasil.

A cultura da equipe é de descontração e de total integração, com constante avaliação e intensa dedicação. A hierarquia é horizontal – não há terno e gravata, nem doutor. Todos da equipe compartilham um mesmo espaço e sentam-se em uma única mesa. As regras valem para todos, com respeito e liderança pela melhor ideia.

O Inova_MPRJ tem como um dos objetivos conduzir experimentos sobre desafios tanto da atividade-fim quanto da atividade-meio do MPRJ. Para isso, usa sua caixa de ferramentas, formada pelas habilidades de avaliação de impactos, design de serviços, ciência de dados, comunicação e assessoria jurídica.

As habilidades vêm sendo aplicadas em um método em constante evolução – chamado de Fluxo de Transformação – e que possui duas trilhas. A primeira é voltada ao diagnóstico e o monitoramento (em tempo real) de desafios de governo afetos aos direitos fundamentais e à prevenção do crime organizado e corrupção. A trilha explora o potencial de Big Data, inteligência artificial e visualização de dados.

A segunda trilha é voltada a orientar intervenções de controle, uma vez que o diagnóstico revele possíveis ganhos de custo-efetividade em um serviço público ou programa de governo.

O mesmo método de atuação pode ser usado em três modos distintos de envolvimento. O primeiro modo é “mão na massa”, com a equipe do laboratório conduzindo diretamente o processo de inovação (que mesmo assim tem interações com a Academia e o setor privado). A segunda forma possível é uma assessoria pontual (um “mini-hack”). Por fim, o terceiro modo de envolvimento se dá pela curadoria de processos de inovação aberta.

O Laboratório também dedica especial atenção para a comunicação. Difunde suas ideias e projetos em uma revista eletrônica (Inovação em Gestão e Controle) e por meio de relatórios técnicos em formato HTML (como nesse exemplo).

Em seu quase um ano de funcionamento, o Inova_MPRJ já aplicou seu método em projetos de diferentes naturezas. Por exemplo, o IntegraX, sistema de gerenciamento de investigação; o Vértice, para auxiliar na reestruturação organizacional; e os projetos Bússolas, que buscam promover transparência e inteligência no acompanhamento de políticas públicas. Tudo indica que seu modelo vem trazendo bons frutos.

Conclusão

Os laboratórios de inovação são uma aposta promissora (até mesmo imprescindível) para a transformação que a Carta de Brasília espera do MP. Eles representam a complementação prática e experimental da teoria que forma o elemento de direcionamento para a mudança esperada para a Instituição.

Há modelos para emular e lições para aprender. No entanto, criar um laboratório de inovação não é tudo, mas apenas o começo. Se laboratórios podem gerar o aprendizado que complementa a direção à mudança, é preciso ainda motivar os agentes e moldar caminho para que os resultados esperados apareçam e que o laboratório dê certo.

É o que explica o próximo e último post desta série.