CNJ

O desafio da mediação por videoconferência

Sessões de conciliação/mediação por videoconferência tendem a se tornar cada vez mais frequentes

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Crédito: Pexels
brava

Se antes, os desafios para a implantação correta da mediação já eram muitos, com a Covid-19, se ampliaram ainda mais!

Desde a Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça, que este ano completa 10 anos, muitos profissionais da área jurídica, merecendo destaque o professor Kazuo Watanabe e a saudosa professora Ada Pellegrini Grinover, tem se debruçado sobre a qualidade e correta utilização da mediação no Brasil.

Estávamos na fase de compreensão das principais diferenças entre conciliação e mediação e da necessidade de formação adequada dos mediadores, quando fomos surpreendidos pela pandemia.

A conciliação se destina a conflitos objetivos, onde não há relacionamento entre as partes, ou onde esse relacionamento é superficial, podendo o conciliador sugerir opções para a solução de conflitos; ao passo que a mediação se mostra mais adequada para relações continuativas, onde se quer preservar o relacionamento dos envolvidos, devendo o mediador utilizar técnica específicas para reatar o diálogo, não podendo sugerir opções de solução para o conflito, que deve partir das partes. E, por isso, a mediação, sendo mais complexa, exige formação específica.

Importante lembrar também que, desde 2015, tanto o Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015 – arts. 236, § 3º e 334, § 7º), quanto a Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015 – art. 46), permitem a prática de atos processuais e a realização de sessões de mediação e conciliação por videoconferência ou outro recurso tecnológico. Entretanto, essas possibilidades não vinham sendo utilizadas, em grande escala, devido à resistência de partes, dos advogados e dos próprios magistrados, o que se modificou completamente com a Covid-19, passando a ser vistas como uma saída, diante do aumento exponencial do número de conflitos.

E, muito tem se questionado sobre a necessidade, ou não, de concordância expressa de partes e advogados, para a realização da sessão de mediação/conciliação por videoconferência no período do Sistema de Trabalho Remoto, instituído pelos tribunais.

Porém, considerada a previsão legal contida no art. 46 da Lei de Mediação, verificamos a necessidade de concordância das partes para a realização da sessão de mediação “pela internet ou outro meio de comunicação que permita a transação à distância”.

Assim, levando em consideração a regra de hermenêutica jurídica que estabelece a prevalência da lei especial sobre a lei geral (art. 2º, §§ 1º e 2º, do Decreto-Lei nº 4.657/42 – Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro), a norma que deve ser aplicada é o art. 46 da Lei de Mediação, que prevalece sobre a lei geral, que no caso é o Código de Processo Civil, sendo necessária, portanto, a concordância das partes e dos advogados, em qualquer circunstância, para a realização de sessão de mediação virtual.

Entretanto, não havendo previsão semelhante para a realização de sessão de conciliação por videoconferência, podemos considerar que, em princípio, sua realização é obrigatória, admitindo-se a dispensa pelo magistrado, através de decisão fundamentada, apenas havendo impossibilidade técnica ou prática de qualquer das partes ou seus advogados.

E, seguindo esse entendimento, recentemente, foi editada a Lei 11. 994/20, que alterou os artigos 22 e 23 da Lei nº 9.099/95.

Assim, podemos concluir que existem previsões distintas para a conciliação e para a mediação virtuais.

Na mediação por videoconferência, merece destaque, ainda, a observância do princípio da confidencialidade, que se reveste no dever de manter sigilo sobre todas as informações obtidas na sessão, salvo permissão expressa das partes, violação à ordem pública ou às leis vigentes (ocorrência de crime de ação pública); incluindo-se em tal dever a vedação de servir como testemunha do caso e prestar serviços de advocacia aos envolvidos.

De acordo com o disposto no § 1º, do art. 30 da Lei nº 13.140/2015, nota-se que a obrigação de preservação do sigilo destina-se não só o mediador e ao servidor do Judiciário que conduzirão a sessão virtual e que deverão, para isso, além de organizar a sessão pela plataforma virtual, enviando o “link” a todos os envolvidos, cuidar para que estejam, durante seu desenrolar, em ambiente silencioso e isolado, sem que sofram interrupções; mas também aos mediandos/partes e seus advogados, que deverão tomar o mesmo cuidado, evitando que outras pessoas, sejam parentes ou amigos, ouçam a conversa ou permaneçam no mesmo recinto.

Claro que não é abarcada pela confidencialidade a possibilidade do mediando/parte e seu advogado estarem juntos fisicamente, caso entendam prudente e necessário ou, em caso de impossibilidade, solicitarem ao mediador que abra, pela própria plataforma, uma reunião em sala separada, seja antes, seja durante o procedimento.

Mas é vedada a gravação da sessão por qualquer dos participantes, podendo quando muito, ser admitida a gravação de sua parte final, a fim de comprovar que houve concordância dos envolvidos (mediandos/partes e advogados), tanto com a realização da sessão por videoconferência (expressamente exigida pelo art. 46 da Lei nº 13.140/2015, para a mediação), quanto com os termos do acordo eventualmente lavrado.

Assim, é de suma importância que o conciliador/mediador realize a “fala de abertura” o mais completa possível, informando os envolvidos sobre o procedimento do método consensual de solução de conflitos, os princípios éticos e regras de conduta que o regem, com ênfase à confidencialidade; explicitando, ainda, a necessidade de remuneração do conciliador/mediador pelas partes (Resolução CNJ nº 271/2018) e sua dispensa apenas nos casos de beneficiários da Assistência Judiciária Gratuita.

Outro princípio que deve ser observado é o da isonomia das partes, de onde se extrai que se uma delas estiver com advogado e a outra não, a sessão não se realizará.

Importante ter em mente que, se houver dificuldade de acesso ou conexão, por qualquer dos envolvidos e/ou advogados, a sessão deverá ser interrompida, tendo sido admitida, na maioria dos tribunais, a tentativa de retorno por no máximo três vezes, com possibilidade de redesignação, caso haja a concordância de todos.

Interessante constatar que, no período excepcional da pandemia da Covid-19, diante da necessidade de solução célere de alguns conflitos, a fim de evitar perecimento de direitos, e do ingresso de grande número de novos processos no Judiciário, tornou-se o encaminhamento da parte pelo próprio advogado ao CEJUSC Pré Processual uma opção, além de viável, salutar, podendo advir daí, a solução mais rápida do conflito, com o atendimento não só dos interesses dos jurisdicionados, mas também o recebimento prematuro de honorários, atendendo à subsistência dos próprios advogados.

Assim, resguardados, os princípios processuais e/ou princípios éticos da mediação e, acima de tudo, os princípios constitucionais, além das prerrogativas da Advocacia (Lei Federal nº 8.906/94), a realização das sessões de conciliação/mediação por videoconferência tendem a se tornar uma realidade cada vez mais presente na vida de todos, propiciando a manutenção dos serviços judiciais e o acesso à justiça amplo, essenciais para o enfrentamento da crise sanitária, econômica e social causada pela Covid-19.