Coronavírus

Mundo pós-pandemia vai ser mais digital e, ao mesmo tempo, mais humano

Mudanças tecnológicas são inevitáveis, mas estamos num futuro em que seres humanos são cada vez mais fundamentais

Foto: Governo do Estado de SP
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O pano de fundo para a grande maioria dos enredos de ficção científica é justamente o contraponto entre os seres humanos e as tecnologias digitais. Neles, robôs e máquinas constantemente desafiam a sociedade.

Entretanto, é preciso reconhecer que são os robôs e as máquinas (não tão elaborados quanto na imaginação de escritores e cineastas) que devem impulsionar a nossa vida daqui para frente.

Ainda é cedo para imaginar os efeitos que a pandemia de Covid-19 terá em nosso dia-a-dia. No momento, o Brasil luta para controlar o contágio e a propagação do vírus, com desafios reais na área de saúde, ao mesmo tempo em que formula estratégias para amenizar as devastações social e econômica que têm se mostrado presentes na maioria dos estados e municípios. Mas não é exagero dizer que não seremos os mesmos quando a situação finalmente se normalizar.

O momento não tem precedentes. A Organização da Nações Unidas (ONU), por exemplo, avalia que a pandemia de coronavírus é o maior desafio vivido pela humanidade desde a segunda guerra mundial. Tudo tem se transformado, à medida em que velhos hábitos deixam de fazer sentido, enquanto novos modelos, recursos e comportamentos emergem para conduzir a sociedade.

Um elemento, no entanto, deve ser considerado no rol de transformações que temos vivido. Pela primeira vez, a humanidade enfrenta um desafio coletivo em meio à uma revolução tecnológica. E graças às novas soluções digitais foi possível manter relativa normalidade em muitos aspectos do cotidiano: diversas organizações continuaram ativas graças ao trabalho remoto, pessoas puderam manter interações sociais por meio de seus smartphones e aplicativos de mensagens e de vídeos, e também o poder público pode explorar novas formas de atuação e oferta de serviços à população em um contexto de isolamento social.

Quem não estava pronto ou preparado para lidar com a grande quantidade de ferramentas tecnológicas teve que se adaptar em tempo recorde. Mesmo nos Estados Unidos, país que figura na vanguarda da inovação, apenas um terço das pessoas trabalhava de casa antes do novo coronavírus, segundo pesquisa da Workhuman.

Se antes era encarada como uma ideia ainda distante, a transformação digital chegou com a pandemia de covid-19 e não há mais volta. Caberá à sociedade civil, às empresas e também ao governo  aproveitar todos os benefícios que esse movimento pode trazer – assim como também garantir que todos os seus riscos possam ser mitigados.

E a transformação digital tem impacto duas principais dimensões em nossa sociedade: o setor público e o mundo do trabalho.

Transformação digital começa no poder público

A transformação digital impulsionada pela pandemia tem encontrado no setor público um de seus principais lócus de experimentação – e são vários os exemplos da incorporação de tecnologias.

O Congresso Nacional, por exemplo, instituiu o Sistema de Deliberação Remota (SDR), permitindo que deputados e senadores votem matérias por meio de tablets ou celulares. As comissões mistas e temporárias foram suspensas, mas as fixas tiveram que migrar para videoconferências.

É uma situação idêntica à adotada pelo Supremo Tribunal Federal. As sessões semanais, de forma inédita, passaram a ser realizadas pelos ministros por videoconferência transmitida tanto na TV Justiça quanto no canal do STF no YouTube.

Já a comunicação processual passou a ser feita por comunicação eletrônica para órgãos que tiverem e-mail informado nos autos. Isso sem mencionar as diversas experiências de digitalização que têm sido implementadas em estados e municípios, sobretudo relacionadas ao atendimento à saúde, por meio da telemedicina.

Tratadas como emergenciais, estas estratégias certamente deverão ganhar mais espaço uma vez que o período agudo da crise tenha fim. Pesquisa realizada pela DMEXCO, feira europeia voltada ao mercado digital, mostra que 70% dos entrevistados acreditam que a transmissão virtual de conferências e reuniões irá aumentar quando tudo se normalizar.

Considerados todos os desafios, o momento é uma importante janela de oportunidade para que as soluções tecnológicas aplicadas ao governo possam ser implementadas em larga escala e, principalmente, para que os benefícios sejam experimentados por uma parcela considerável de agentes públicos e também pela população.

No mundo do trabalho, seremos digitais e ainda mais humanos

Uma segunda dimensão impactada pela crise atual é a do trabalho e emprego. Há um profundo temor em relação aos efeitos negativos que a pandemia pode trazer, especialmente relacionados ao desemprego de parcela considerável da população.

E o temor tem total sentido: segundo relatório publicado pela organização internacional Oxfam, a pandemia de coronavírus pode empurrar 500 milhões de pessoas para a pobreza em todo o mundo.

A verdade é também que a crise acentuou ainda mais uma transformação que já vinha acontecendo há alguns anos no universo do trabalho. E há vários elementos que estimulam esse movimento, especialmente a chamada quarta revolução industrial: a adoção de novas tecnologias digitais que estimulam o surgimento de novas profissões e o desenvolvimento de novas habilidades.

A primeira e talvez principal transformação é que o aprendizado deverá ser uma constante para toda e qualquer profissão. Na era tecnológica e da informação, as atualizações estarão sempre presentes, assim como novas tendências passam a surgir e os trabalhadores precisam garantir que suas habilidades e competências profissionais sempre respondam ao que há de mais inovador – alguns especialistas chamam isso de “lifelong learning”.

Hoje já são muito comuns conceitos como upskilling e reskilling para indicar as ações de “aprimoramento” e “requalificação” que serão sempre necessárias daqui por diante.

E é imprescindível que possamos nos adaptar a esse novo contexto, do contrário, os impactos serão muito negativos: segundo estimativas do Fórum Econômico Mundial, não assumir as necessidades trazidas pela transformação digital pode representar, entre os países do G20, uma perda econômica equivalente a $11,5 trilhões do PIB.

Ainda que a transformação digital deva ser uma constante, engana-se quem acredita que somente os empregos relacionados às tecnologias terão espaço no mercado de trabalho. Isso é o que mostra uma pesquisa publicada pelo Fórum Econômico Mundial, segundo a qual há 96 “profissões do amanhã”: cuidado às pessoas e saúde, vendas, marketing, “economia verde”, recursos humanos e desenvolvimento de produtos.

Nem todas elas dependem exclusivamente de conhecimentos específicos e técnicos nas áreas de tecnologia. E como esperado, engenharia, computação de dados e inteligência artificial também terão um papel fundamental.

Para acompanhar todo esse movimento que veio para ficar, é preciso que atores públicos, privados e da sociedade civil possam trabalhar conjuntamente. Há ainda muito a investir em programas de formação continuada nas empresas, em cursos ofertados com ensino à distância e também formações práticas com exemplos reais do mundo do trabalho.

O mais importante é reconhecer que as mudanças são profundas e devem transformar todo o mercado de trabalho – assim sendo, todos e cada um temos uma contribuição a trazer.

Se por um lado as mudanças tecnológicas são inevitáveis e já estão em pleno desenvolvimento, por outro estamos vivendo um futuro em que os seres humanos serão cada vez mais fundamentais.

Mas para que isso se torne realidade e não uma mera previsão, precisamos garantir que essa revolução esteja a nosso favor: desenvolvendo o conjunto de habilidades e competências necessário que nos habilite a criar, operar e aproveitar todo o potencial trazido pelas soluções tecnológicas.

Não há dúvidas de que estamos diante de uma oportunidade única para transformar o mundo do trabalho, trazendo mais valor, inclusão e igualdade.