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Aumento de impostos no e-commerce reduziria vendas e arrecadação, diz pesquisa

Consumidores estão desistindo de compras importadas devido aos tributos. Se alíquotas ultrapassarem os 30%, quase a metade deixaria de comprar 

compra online
Foto: Unsplash
alibaba

Desde o início do programa Remessa Conforme, que aumentou o controle sobre a entrada de de compras no comércio eletrônico ao Brasil em agosto passado, o comportamento dos consumidores mudou: a maioria deles já abandonou um carrinho virtual após a adição de impostos no momento do check-out e o volume total de compras também vem caindo. 

O movimento acende um alerta sobre a capacidade de o governo aumentar impostos sobre essas compras sem sacrificar as vendas – o que comprometeria a arrecadação, tanto a nível federal quanto nos estados. Estudo da consultoria Plano CDE, sob encomenda do Grupo Alibaba, mostrou que uma alíquota de 20% gera maior arrecadação do que um tributo de 90%. 

A comparação entre esses dois patamares ajuda a entender o que aconteceria com eventual fim do Remessa Conforme. Essas duas alíquotas são semelhantes às praticadas hoje, sendo a de 20% próxima à cobrada por remessas com direito à isenção do imposto aduaneiro; e a maior, na faixa de 90%, para aquelas com a aplicação dos tributos federal e estadual. 

Trocando em miúdos, atualmente, há isenção do Imposto de Importação para compras de até US$ 50 (incluindo o frete e o seguro) em plataformas que aderiram ao programa da Receita Federal. Já entre as encomendas que ultrapassam esse valor, a carga tributária total chega a 92%, pois soma os 60% do Imposto de Importação a 17% de ICMS – este último incide sobre todas as compras, independentemente do valor. 

Com isso, embora exista a isenção do tributo aduaneiro para parte das remessas, os estados recolhem impostos sobre todas elas. Além disso, a melhoria do controle sobre a entrada dos pacotes – cuja declaração pelas empresas passou a ser facilitada – também teve reflexos positivos na arrecadação federal. Por lógica, uma queda relevante nas vendas seria sentida nesses indicadores. 

As mercadorias de até US$ 50 representam, em média, 98% do volume de importações e 95% do montante total declarado desde a criação do Remessa Conforme, segundo a Receita Federal. Entre as empresas que aderiram ao programa estão as gigantes do e-commerce Grupo Alibaba, Shein, AliExpress e Shopee. 

Esses marketplaces já estão consolidados entre os consumidores. A cada dez pessoas entrevistadas pela Plano CDE, sete fizeram compras importadas por algum deles. Para metade, as importações estão chegando mais rápido desde o início do programa federal entre as plataformas credenciadas – que, na visão de 56%, permitem o acesso a produtos que não encontram em nenhuma loja brasileira. 

Queda no consumo

Uma das principais mudanças de comportamento dos consumidores do comércio online se relaciona com o aumento da desistência de compras. A pesquisa da Plano CDE, focada em consumidores de baixa renda, mostrou que 66% dos entrevistados deixaram de comprar um item após a inclusão de impostos no momento do check-out.

E quem deixou de comprar não se voltou a outras alternativas – como sites nacionais ou lojas físicas. Nessa linha, entre os que abandonaram o carrinho para trás, 45% não realizaram a compra em outro lugar. 

“Eles não saíram do site estrangeiro e foram comprar no nacional. Na verdade, houve uma desistência total da compra”, explica o cientista social Breno Barlach, diretor de pesquisa e inovação na Plano CDE. “O aumento do preço, seja pelo custo de produção ou pela taxação, resulta na queda do consumo. Esse é um axioma da economia”, complementa.

A desistência foi mais comum em compras que somariam mais de US$ 50 dólares: entre os que não finalizaram a operação após o acréscimo de impostos, 57% eram em compras que ultrapassaram esse valor e, portanto, a carga tributária fazia os produtos praticamente dobrarem de preço. 

Entre as classes mais baixas, até as compras mais baratas, com direito à isenção federal, foram canceladas com o acréscimo do ICMS. Em 52% dos casos de desistência, as mercadorias não chegavam nem a custar R$ 250.  

Esse efeito também foi observado em dados da própria Receita Federal, que demonstram queda tanto nas vendas quanto na receita dessas transações desde o início do programa. Em novembro, as compras abaixo de US$ 50 somaram R$ 1,2 bilhão; já em janeiro, o número caiu para R$ 943,7 milhões. 

Antes do programa – quando ainda não havia esse monitoramento pela Receita Federal –, os números poderiam ser maiores. Indicadores do Banco Central sobre pequenas remessas internacionais eram a principal fonte de informação sobre esse cenário. E eles mostram que marketplaces estrangeiros têm perdido vendas no Brasil desde o início do debate sobre o assunto no país, ainda no primeiro semestre de 2024. 

No mês da Black Friday, por exemplo, essas remessas foram calculadas em US$ 952 milhões, o que representaria uma queda de cerca de 40% em comparação com o mesmo período em 2022, quando alcançaram U$ 1,6 bilhão. 

Elasticidade das compras online 

O que esses números revelam são, em certa medida, os efeitos do aumento da tributação na elasticidade das compras no comércio eletrônico. 

“A elasticidade é um conceito econômico que se refere à mudança do comportamento do consumidor à luz do aumento do preço. Em produtos com baixa elasticidade, isso quer dizer que, se aumentar o preço, o consumo não irá mudar. Produtos que têm alta elasticidade, por outro lado, são produtos sensíveis às mudanças de preço”, explica Tathiane Piscitelli, professora de Direito Tributário e Finanças Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV). 

Para compreender melhor esse fenômeno no contexto do programa federal, Breno Barlach, da Plano CDE, explica a estratégia utilizada na pesquisa, que ouviu 2,5 mil consumidores em janeiro: “Fizemos um exercício por meio de uma metodologia muito usada no marketing para a definição do preço de produtos, que visa entender o quanto o consumidor estaria disposto a pagar por um item”. 

As pessoas entrevistadas responderam o quanto a mais aceitariam pagar por um mesmo produto – um smartphone de R$ 1 mil e uma calça de R$ 100 – considerando que o acréscimo se daria pelos impostos e pela garantia de que o produto chegaria em uma semana, por conta da facilitação do Remessa Conforme. 

Conforme o valor aumenta, menos estão dispostos a pagar pelo item. No patamar atual, com a carga tributária de cerca de 90% para produtos acima de US$ 50, apenas cerca de 15% dos consumidores ainda comprariam os produtos, por exemplo. Já no patamar de 20%, dois terços das pessoas dizem que seguiriam com a compra; em 30%, uma parcela de 54% dos consumidores ainda manteria o carrinho. 

“Com os resultados, temos evidência que alíquotas acima de 50% prejudicam tanto o consumo quanto a arrecadação”, afirma Barlach. Isso porque, a partir desse patamar, os ganhos com o aumento da alíquota são superados pelas perdas arrecadatórias resultantes da queda do consumo. Dessa forma, se reduzem tanto os ganhos fiscais quanto o acesso a compras importadas. 

Aumento da arrecadação

Até agora, ainda que exista a isenção parcial, o que se observou foi um aumento na arrecadação após o início do Remessa Conforme. A arrecadação de impostos entre agosto e dezembro de 2023 com as remessas atingiu o patamar de R$ 700,5 milhões, o que representa um aumento de 122% em relação ao mesmo período do ano anterior, segundo a Receita. 

“Esse programa foi feito justamente para assegurar a tributação de compras internacionais que, na maioria das vezes, passavam ao largo da tributação”, explica Tathiane Piscitelli, professora da FGV. 

De acordo com a tributarista, há um incentivo à maior formalização desses envios, de forma a resultar em uma tributação adequada do comércio transfronteiriço. “Antes, muitas remessas internacionais eram declaradas como se fossem transações de pessoa física para pessoa física. Dessa forma, entrava em uma hipótese de não incidência dos impostos”, acrescenta.

Conforme o estudo da Plano CDE, esses frutos poderiam ser colocados à prova com um aumento exponencial do tributo aduaneiro e a consequente queda nas vendas. No cenário hipotético de 10 mil consumidores comprando calças e celulares, uma alíquota de 20% gera maior arrecadação do que se ela saltasse para 90% – de R$ 1,306 milhão para R$ 1,246 milhão no caso dos smartphones, e de R$ 149 mil para R$ 135 mil pelas calças. 

Além dos efeitos para os cofres públicos, há ainda as consequências para os consumidores. “Se há um aumento no imposto das mercadorias importadas, há uma limitação do acesso. Essa discussão está além do consumo. Por exemplo, pessoas com deficiência que só compram online em sites de remessas internacionais podem se prejudicar com uma taxação alta”, conclui Barlach.

Nesse sentido, o preço não é a única motivação para os consumidores optarem pelos itens importados via marketplaces. Frete e exclusividade de itens também pesam na escolha da mercadoria estrangeira.

Inclusive, até 45% dos entrevistados pela Plano CDE responderam que aceitariam pagar mais por produtos nacionais, principalmente roupas e eletrônicos – em comparação, somente 16% está disposto a pagar mais por produtos importados, o que indica a valorização do que é produzido localmente, quando há disponibilidade à venda nacionalmente. 

“Percebemos que as pessoas compram em sites internacionais porque encontram produtos que não têm no Brasil”, opina Barlach. Nessa linha, seis em cada dez entrevistados dizem que a importação dá acesso a bens, em especial para a população de baixa renda. As pessoas também concordam mais que os sites internacionais facilitam o consumo do que com a afirmação de que atrapalham o comércio nacional.