Discriminação de gênero

Call-center é condenado por não tratar atendente trans masculino por nome social

Juiz estipulou indenização por dado moral equivalente a 20 vezes o último salário do atendente que sofreu discriminação

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Call-center / Crédito: Unsplash

A multinacional de call-center Atento Brasil foi condenada pela 11ª Vara do Trabalho da Zona Sul de São Paulo a pagar indenização por dano moral correspondente a 20 vezes o último salário de um homem trans que sofreu discriminação no ambiente de trabalho. O empregado era tratado pelo nome civil em vez do nome social e, mesmo após fazer alertas, continuou sem respaldo da empresa.

O atendente conta que o nome errado constava no sistema do RH e por causa disso outros funcionários ficaram sabendo do nome “morto” e passaram a tratá-lo de forma errada e pelos pronomes errados. Ele também afirma foi obrigado a se apresentar como mulher aos clientes. Ainda segundo o atendente, houve momento em que pediram para ele usar o banheiro de pessoa com deficiência para não “passar desconforto” no banheiro masculino.

O atendente trabalhou na empresa duas vezes, entre agosto e novembro de 2021 e entre julho e setembro de 2022, e foi tratado pelo nome civil, “não obstante constar no seu documento de identidade (RG) o prenome atual, o seu comportamento social e a sua aparência física”. A Atento, entretanto, argumentou que não podia alterar o sistema de gestão de pessoas porque ele é vinculado ao registro do CPF/PIS do profissional, e neste documento o gênero ainda constava como feminino.

O juiz Gustavo Kiyoshi Fujinohara, ao julgar o caso, ressaltou que “o processo de transição da pessoa transexual é cercado por burocracias e por outras dificuldades, como a falta de suporte jurídico, financeiro e social”. E afirma que não se mostra razoável “exigir do indivíduo a alteração nos mais diversos cadastros governamentais para, só então, adotar a sua identidade de gênero na empresa”.

O magistrado reforça ainda que na oportunidade em que a empresa teve de corrigir o tratamento ao emitir uma carta recomendação, “não o fez, reforçando a sua postura discriminatória e transfóbica e indicando que a conduta não decorria somente do seu sistema”.

“Conclui-se, portanto, que o programa que promove a diversidade, inclusão e equidade de gênero no ambiente de trabalho da empresa, embora louvável e de extrema importância, possui deficiência grave e inadmissível”, diz. “Vale dizer, é preciso que o aprimoramento da compreensão da gravidade do constrangimento reiterado enfrentado pelo reclamante parta desde a cúpula da empresa, sob pena de os programas e políticas serem deficitários e ineficazes”, completa.

Na fundamentação da sentença, o magistrado cita o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a Convenção nº 190 para a eliminação da violência e do assédio no mundo do trabalho.

Em nota, a Atento afirmou que “alguns documentos necessitam da alteração formal em órgãos do governo, que devem ser solicitados pelo próprio colaborador, segundo as exigências da legislação vigente no país”. A companhia disse entender que agiu em conformidade e que vai recorrer. Leia a íntegra da nota:

“A Atento Brasil esclarece que, desde 2013, seus colaboradores têm acesso a utilização de nome social nos documentos e sistemas internos da empresa tendo em vista a consolidação de um ambiente de bem-estar e respeito. No entanto, alguns documentos necessitam da alteração formal em órgãos do governo, que devem ser solicitados pelo próprio colaborador, segundo as exigências da legislação vigente no País. Deste modo, a companhia entende que agiu em conformidade e recorrerá da decisão proferida pela 11ª Vara do Trabalho da Zona Sul-SP. A empresa reforça ainda que avalia e aprimora constantemente suas iniciativas e programas internos para consolidar a diversidade e inclusão.”