CONTEÚDO PATROCINADO

Diretor do Banco Central defende portabilidade do rotativo do cartão de crédito

Renato Gomes disse que mecanismo poderia gerar competitividade e baixar taxas; tarifas de intercâmbio também estariam na mira

Enrico Romanielo, Carlos Ragazzo, Guilherme Mendes, Renato Gomes, Thais Mendonça | Foto: Divulgação/ Abipag

A portabilidade do rotativo do cartão de crédito deve ser realizada o “mais cedo possível” no Brasil. A afirmação foi feita pelo diretor de Organização do Sistema Financeiro e Resolução do Banco Central (BC), Renato Dias de Brito Gomes, no evento “Concorrência no Mercado Financeiro: Desafios da Nova Economia Digital”, promovido pela Associação Brasileira de Instituições de Pagamentos (Abipag) nesta quinta-feira (31/8). 

“Antes mesmo de o usuário entrar no rotativo, já poderia haver o instrumento de portabilidade”, disse, citando o exemplo dos Estados Unidos. ”O rotativo tem um preço que não está suficientemente sujeito a concorrência”, destacou, por isso a necessidade de um mecanismo como a portabilidade para fomentar a competitividade e, assim, reduzir as taxas.

Ela permitiria ao cliente transferir uma dívida (nesse caso, do cartão de crédito), para outra instituição que apresente melhores condições de pagamento. A portabilidade já é possível para empréstimos no Brasil, mas, segundo o BC, há muitos entraves em relação às dívidas do rotativo, como os juros inflados dessa categoria.

Gomes também afirmou que o BC considera “bem ruim” a ideia de elevar as tarifas de intercâmbio cobradas nas transações com cartões para parcelamentos mais longos, apesar de a possibilidade já ter sido discutida.

“Não tem absolutamente nenhum apoio ao aumento do intercâmbio [para parcelamento mais longo]”, afirmou. Segundo o diretor do BC, o aumento não é benéfico porque a taxa de intercâmbio “não remunera risco”.

Essa tarifa é cobrada pelos emissores de cartão e, atualmente, não há valor máximo para transações com cartões pré-pagos e de crédito. O valor médio pode superar 1% da operação. Já no caso dos cartões de débito, a legislação permite que a taxa chegue apenas a 0,8%.

Gomes afirmou ainda que há uma “grande opacidade” na cobrança das tarifas de intercâmbio no Brasil. “O BC está preocupado com esse ofuscamento; estamos mapeando com cuidado a incidência dessas tarifas de bandeira. Nós estamos tentando entender os eventos tarifários, estamos conversando com participantes do mercado”, disse.

“Não posso antecipar medida, ainda estamos em fase de estudos, mas nós vamos disciplinar a cobrança dessas tarifas. Não posso ser mais específico, isso está no nosso radar”, finalizou.

Em breve, todo o conteúdo do evento estará disponível na íntegra em um e-book com download gratuito no site do JOTA

Open Finance

Gomes foi um dos participantes do evento que abordou temas quentes para indústria de pagamentos nas esferas regulatória e concorrencial. Outra discussão foi sobre como o projeto Open Finance, criado pelo Banco Central, tem potencial para promover a competitividade nesse mercado, ao funcionar como um sistema financeiro aberto.

Vinicius Brandi, subsecretário de Política Microeconômica do Ministério da Fazenda, relembrou a origem do Open Finance no Brasil, ainda em 2017, e os avanços observados desde então – inicialmente, o projeto se chamava Open Banking, mas mudou de nome para comportar todo o ecossistema de instituições financeiras e de pagamentos que participam bem como serviços que vão da conta corrente à previdência.

“A questão por trás do Open Finance é dar ao usuário do sistema financeiro o poder sobre as suas informações, os seus dados, as ações, e mais do que isso: é gerar o compartilhamento de serviços”, disse. “Significa você realizar algum serviço bancário utilizando o aplicativo de quem você quiser para conseguir usar o serviço de outros prestadores de serviço financeiro mantendo a mesma jornada do usuário”, resumiu. 

O subsecretário ponderou sobre a necessidade de esse processo no sistema financeiro se dar em fases, uma vez que o “mercado não comportaria tudo ao mesmo tempo”.

Em relação às próximas fases, Mardilson Queiroz, consultor do Departamento de Regulação do Sistema Financeiro, comentou que o Open Finance apresenta alguns desafios específicos no caso do setor de seguros, como a configuração distinta dos grandes conglomerados. 

A iniciativa do BC também foi exaltada por Rafael de Castro Alves, procurador do Banco Central. Segundo ele, o Open Finance permite que o usuário “vire a iniciativa da portabilidade”, diminuindo os custos de mudança de instituição, os chamados switching costs. “Se antes o cliente procurava instituição financeira, agora a instituição financeira é que busca o cliente”, pontuou.

Cristianne Zarzur, Alessandro Octaviani, Diana Loureiro, Mardilson Queiroz, Vinicius Ratton Brandi. Foto: Divulgação/ Abipag

Competição e inovação no setor

Thais Mendonça, head da área regulatória na América Latina da Stripe e conselheira da Abipag, ressaltou os avanços do setor de meios de pagamentos nos últimos anos. “Hoje, em qualquer reunião que fazemos, as palavras que se escutam são: inovação, transformação, inclusão financeira, interoperabilidade”, destacou. ”Mas seria uma falácia dizer que hoje a gente navega águas tranquilas, ressaltou.

Ao debater a competição na oferta de crédito para o varejo, Lilian Marques, assessora técnica do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), destacou que mecanismos como a portabilidade e a interoperabilidade são capazes de fomentar a competição no mercado de crédito. “Esses são quesitos que tentamos analisar no Cade em todos os âmbitos, tanto no preventivo, no controle de estruturas, quanto no repressivo e no educativo”, mencionou. 

Ela também observou que o mercado financeiro tem tido uma “tendência de integração vertical”, isto é, a junção de etapas em uma mesma cadeia de valor. Nessa linha, ela citou o exemplo da joint venture formada pelo banco Itaú e a empresa de software Totvs.

Plataformas digitais e tokenização

No debate em torno de uma potencial legislação para regular plataformas digitais no mercado de criptomoedas, Victor Fernandes, conselheiro do Cade, ressaltou a urgência da regulamentação. “A principal mudança do ano passado para cá é que a gente se moveu da pergunta ‘se precisamos ter uma lei’ para ‘como essa lei deve ser feita'”, destacou.

A tokenização da economia – isto é, a forma de incluir ativos digitais na rede de blockchain – foi um dos focos da discussão sobre regulamentação. “A regulação de conduta muitas vezes não se dá conta do quanto que a concorrência e pressões concorrenciais são um elemento muito forte”, alertou. “E, muitas vezes, as normas de conduta ficam querendo impor comportamentos porque não se esperou ver como o mercado reagiria”.

Alexandre Ferreira, assessor da Secretaria de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, também apontou que um dos principais desafios é compreender que deve haver uma regulamentação transversal, que englobe todos os setores da economia digital, mas é essencial que o órgão regulador reconheça as particularidades do Brasil para fazer desenvolver a regulamentação.

A tokenização da economia – forma de incluir ativos digitais na rede de blockchain – foi um dos focos do último painel, que reuniu Fábio Araújo, economista do Banco Central; João Accioly, diretor do Conselho de Valores Mobiliários (CVM); Juliana Domingues, procuradora-chefe do Cade; e Ricardo Paixão,  professor da Universidade de Brasília.

Um dos exemplos citados foi a democratização promovida pelo Pix, do Open Finance e, futuramente, pela proposta do Real Digital, anunciada recentemente pelo Banco Central. Porém, ainda há um caminho para que isso se reverta, completamente, em novas soluções e melhores benefícios para os usuários. “O que vemos hoje é que, em alguma medida, isso está sendo usado como um atrativo mais de propaganda do que de benefícios da tecnologia”, alertou Accioly.