Erick Gimenes

Textos trazem a cobertura das decisões e audiências da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH)

Direitos Humanos

Familiares de quatro camponeses desaparecidos desde 1989 na Guatemala pediram à Corte Interamericana de Direitos Humanos (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/corte-idh">Corte IDH</a>), em audiência pública realizada na quarta-feira passada (11/10), que o Estado seja obrigado a dar respostas efetivas sobre o paradeiro deles e sobre por que ninguém foi responsabilizado até hoje.
Agapito Pérez Lucas, Nicolás Mateo, Macario Pú Chivalán e Luis Ruiz Luis foram detidos e sequestrados por integrantes do Exército que invadiram a fazenda em que eles moravam, em casas vizinhas umas a outras, de acordo com testemunhas. Desde então, os homens jamais foram vistos novamente.
À época, a Guatemala vivenciava um conflito armado interno, considerado um dos mais violentos da América Latina, que durou de 1960 a 1996. Conforme dados do próprio governo do país, apresentados durante a audiência pública, mais de 200 mil pessoas morreram no conflito, das quais 45 mil foram vítimas de desaparecimento forçado.
Além do trabalho diário com a terra, os quatro camponeses atuavam como defensores de direitos humanos, justamente para prevenir que moradores da zona rural fossem recrutados por grupos paramilitares. Eles eram membros ativos da organização Conselho das Comunidades Étnicas Runujel Junam.
Como consequência do trabalho humanitário, as vítimas e suas famílias passaram a receber ameaças e visitas frequentes de membros das forças armadas guatemaltecas, contou o filho de Nicolás Mateo, Pedro Mateo, durante a audiência na Corte IDH.
“Dias antes [dos desaparecimentos], soldados foram à fazenda. Eles se sentaram, começaram a limpar suas armas e a pintar seus rostos de preto. Quando tinham fome, vinham nos pedir o que comer, intimidando-nos com suas armas, dizendo que, se não déssemos o que comer, nos matariam. Minha mãe e as pessoas que viviam lá faziam tortas e davam a eles, com muito medo. Eles ficavam o tempo todo embaixo das árvores, pintando o rosto”, narrou.
Os sequestros ocorreram em duas ocasiões – Macario e Luis foram levados primeiro; Macario e Nicolás, uma semana depois. Criança à época, Pedro Mateo descreveu as ações para os juízes do tribunal interamericano.
“Perto das 22h30, eu escutei um barulho. Me assustei e corri. Quando vi, os soldados estavam levando Macario, sem roupa. O pai dele dizia: ‘Deixem meu filho!’, mas apenas o empurraram para o lado e seguiram. Naquele momento, eu não entendia o que estava se passando. Em questão de minutos, tiraram Luis Ruiz da sua cama e o arrastaram também. Quando os familiares tentaram ajudar, eles nos apontaram as armas. Eu me assustei muito. Eu não consegui dormir naquela noite”, disse Pedro.
O filho afirmou que implorou ao pai que fugissem, mas que a resposta foi de que ele não sairia dali, já que era um trabalhador, não um criminoso. Uma semana depois, praticamente no mesmo horário, Nicolás sumiu.
“Quase no mesmo horário, eu estava dormindo ao lado do meu pai, quase fechando os olhos, quando ouvi um ruído. Os homens entraram e pegaram meu pai à força. Quando eu vi que eram os soldados, eu corri para abraçar meu pai. Eu dizia: ‘Por favor, não o levem! Por que estão levando ele?’. Eles me empurraram, empurraram minha madrasta e nos apontaram as armas. Minhas duas irmãzinhas começaram a chorar muito. Fiquei sem poder fazer nada”.
Pedro Mateo citou graves sequelas psicológicas desde o ocorrido: além da tristeza de nunca mais ver o pai, ele disse que passou a ser assombrado pelo medo constante. “Desde o dia em que levaram meu pai, eu sinto muito medo dentro do meu coração. Muito, muito medo. Cada vez que eu vejo um soldado ou um policial, cada vez que vejo uma pessoa com uma arma, eu começo a me tremer. Tudo volta à minha cabeça. Parece que tudo o que se passou foi ontem. Eu nunca mais fui o mesmo, mental e fisicamente”.
Diante dos juízes, o familiar pediu justiça. “Passaram-se 34 anos e 11 dias e, até agora, eu não tenho uma resposta sobre o que se passou com meu pai e os outros três companheiros. Eu espero justiça. Nada mais. É o que eu peço aos senhores”, suplicou.
De acordo com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), o Estado não investigou os fatos diligentemente dentro de um prazo razoável, pois não há registros das ações das autoridades judiciais após a denúncia do desaparecimento forçado.
Dado que o desaparecimento forçado estava vinculado ao trabalho das vítimas em defesa dos direitos humanos, a CIDH concluiu que o Estado da Guatemala foi responsável pela violação do direito de associação em defesa dos direitos humanos consagrado no artigo 16.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
Por causa da afetação emocional aos familiares, a Comissão considerou que a Guatemala também é responsável pela violação dos direitos à personalidade jurídica, à vida, à integridade física, à liberdade pessoal, à liberdade de associação em defesa dos direitos humanos, às garantias judiciais e à proteção judicial.
Amilcar Méndez Urízar, fundador do Conselho das Comunidades Étnicas Runujel Junam e representante das vítimas, reforçou o pedido para que o Estado seja obrigado a solucionar o caso.
“Nunca tivemos resposta alguma. As famílias foram revitimizadas quando, lamentavelmente, a Procuradoria de Direitos Humanos nos informava que tinha muitos problemas, porque não contava com colaboração dos aparatos de segurança do Estado – pedia informação à polícia, ao Ministério Público, ao Exército e não recebiam nada. Nós queremos verdade, só isso. Queremos saber o que ocorreu e estou seguro que os senhores juízes vão emitir uma sentença condenatória contra o estado da Guatemala”, declarou.
Representante do Estado, Cristián Rodríguez, assessor da Procuradoria-Geral da Nação da Guatemala, lançou dúvida sobre o desaparecimento forçado dos quatro campesinos por parte de militares.
“O Estado da Guatemala é consciente da complexidade do presente caso e, tomando em conta que os fatos assinalados não foram comprovados plenamente no âmbito interno, adota uma postura de não controvertê-lo diretamente, o que não significa que exista um reconhecimento dos mesmos”, disse.
Rodríguez afirmou que o Estado “não mediu esforços” para a implementação de um “plano de buscas” com a participação de familiares e que continua com diligências ativas para solucionar o caso.
“O Estado da Guatemala continua com a devida diligência nos procedimentos internos, destinados a uma eficaz investigação, persecução, captura, indiciamento e eventual condenação dos responsáveis”, comentou.
Angelita Baeyens, vice-presidenta de litígio e defesa Internacional do Robert F. Kennedy Human Rights, correpresentante das vítimas, criticou a postura do Estado de colocar em dúvida os desaparecimentos forçados.
“Tendo em conta que os acusados por esses desaparecimentos forçados são agentes estatais, o Estado tem obrigação reforçada de esclarecer os fatos e tornar todas as informações públicas. Não deveria haver dúvida de que as vítimas deste caso desapareceram por causa do seu trabalho de proteção aos direitos humanos, em particular por promover ao direito de não ser recrutado indevidamente pelas patrulhas civis”, rebateu.
Com o término da audiência pública, as partes têm um mês para apresentar as alegações finais por escrito. Depois disso, a Corte pode emitir sentença a qualquer momento.
Participam do julgamento os juízes Ricardo César Pérez Manrique (presidente, Uruguai), Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot (México), Humberto Antonio Sierra Porto (Colômbia), Nancy Hernández López (Costa Rica), Verónica Gómez (Argentina), Patricia Pérez Goldberg (Chile) e Rodrigo Mudrovitsch (Brasil).

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JOTA

Desaparecimento forçado de quatro homens, sequestrados por integrantes do Exército, não teve solução até hoje

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Caso levado à Corte IDH, sobre desaparecimento forçado de quatro homens, não teve solução até hoje, conforme familiares