Corte IDH

Família pede responsabilização do México por sumiço de indígena em Chiapas

Antonio González desapareceu em 1999 após sair para comprar arma de homem supostamente ligado a grupo paramilitar

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Sonia López Juárez, mulher de Antonio González Méndez / Crédito: Corte IDH/Reprodução

A família do indígena Antonio González Méndez, desaparecido há quase 25 anos na região de Chiapas, no sul do México, pediu à Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) que o Estado seja responsabilizado internacionalmente por violar direitos fundamentais no caso.

Méndez pertencia ao povo indígena Cho’l, estabelecido em uma comunidade chamada El Calvario, no município de Sabanilla, onde trabalhava como gerente de uma loja da cooperativa agrícola local. Ele tinha 32 anos quando sumiu.

Conforme a esposa dele, Sonia López Juárez, com quem teve quatro filhos, o indígena era membro das bases civis de apoio do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) e militante do Partido da Revolução Democrática (PRD), o que teria motivado o crime contra ele.

Em audiência pública realizada na quarta-feira (21/6), Sonia relatou que, em 18 de janeiro de 1999, por volta da meia-noite, o marido saiu de casa acompanhado de um homem identificado como Juan Regino López, em direção ao rio Sabanilla, onde este lhe venderia uma arma de fogo e munição.

Antonio disse que voltaria por volta da 1h e pediu que a esposa o esperasse acordada para abrir a porta, afirma Sonia. Desde então, o homem nunca mais foi encontrado. 

De acordo com a parte peticionária, Juan Regino pertencia ao “Paz y Justicia”, um dos principais grupos paramilitares de Chiapas, acusado de múltiplos crimes contra as comunidades simpatizantes do EZLN. Segundo os representantes, o grupo foi patrocinado pelo governo mexicano em vigor na época, com apoio logístico, treinamento militar, ações conjuntas, facilidades para o transporte de armas, detenção de opositores e ajuda econômica direta.

Sonia López contou que denunciou o desaparecimento do marido às autoridades de Sabanilla, em 20 de janeiro de 1999, apontando Juan López como responsável. Após apurações preliminares, o caso foi transferido para o Ministério Público de Yajalón, em Chiapas, mas a investigação não avançou.

“Inicialmente me escutaram, ouviram minha denúncia, mas depois nada mais foi feito. Pediram para que eu seguisse denunciando, mas minha cabeça já não pensava mais. Minha preocupação era com os meus filhos’, disse a mulher.

Juan Regino tinha 17 anos na época do desaparecimento e chegou a ser apreendido pelo Conselho de Menores Delinquentes do Estado de Chiapas, mas teve a liberdade concedida poucos dias depois por falta de provas. Ele foi absolvido definitivamente em 10 de março de 2000.

“Cenário sistêmico de violência”

O advogado Mario Ortega Gutierrez, representante da família do indígena, argumentou na Corte IDH que o desaparecimento não foi um caso isolado, mas sim parte de um cenário sistêmico de violência empregada por grupos paramilitares com apoio do governo. 

“O desaparecimento de Antonio González se deu em período e lugar em que o Estado mexicano adotava uma política ‘contrainsurgente’, promovendo a formação de grupos paramilitares –  entre eles, o Paz e Justiça -, que cometeram diversos crimes contra a humanidade”, disse o advogado na audiência.

O advogado afirmou que o Estado não investigou o caso adequadamente e, portanto, violou os direitos às garantias judiciais, à proteção judicial e à integridade física, previstos na Convenção Americana.

“O Estado não construiu ou deu prosseguimento a uma linha de investigação. Menos ainda em relação à hipótese de sumiço vinculado à ação de grupos paramilitares. As únicas provas coletadas se resumem a entrevistar, em várias ocasiões, a senhora Sonia López, de maneira revitimizante e dando a ela a responsabilidade de reunir informações e provas”, disse Gutierrez.

Representante da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) na audiência, Karin Mansel reforçou que as investigações não foram conduzidas de forma suficiente.

“O Ministério Público não realizou uma busca ativa e nem uma análise séria das informações compiladas, com o objetivo de empreender ações investigativas adicionais. Exemplo disso é que o Ministério Público demorou quase três anos para solicitar uma fotografia do senhor González, para que começassem sua busca”, disse Mansel. 

Resposta do Estado

Diante da falta de respostas, Sonia López fez um apelo ao Estado diante dos juízes da Corte: “Quero que não deixem de buscar Antonio, que o encontrem. Se não estiver vivo, que ao menos me entreguem os restos. Também quero que nos apoiem, que nos deem atenção psicológica e médica, tanto para mim quanto para meus filhos e meus netos. É o que peço às autoridades”.

Ela declarou que ficou desamparada sem o marido, inclusive sendo obrigada a vender parte do terreno em que vive. “Me sinto doente, preocupada. Como vou sustentar meus filhos, como vou alimentá-los? Estou cansada, já não quero trabalhar. Me dói a cabeça, o coração e meu corpo. Sinto que não tenho mais forças”.

Representante do Estado, o consultor jurídico-adjunto da Secretaria de Relações Exteriores do México, Salvador Tinajero, disse que o México reconhece as violações “por determinadas condutas”, mas que o Estado se opõe ao julgamento na Corte IDH porque o caso já foi solucionado na esfera da CIDH.

“O Estado já reconheceu sua responsabilidade pela totalidade das violações assinaladas pela Comissão. Não há nenhuma violação que o Estado negue. Por isso, o Estado considera respeitosamente que, conforme o desenho institucional do Sistema Interamericano, este tribunal não deveria revisar fatos violatórios de direitos humanos quando, como ocorre neste caso, o Estado não contesta as conclusões da Comissão. Pelo contrário: as reconhece e implementa medidas para a reparação do dano”, afirmou o consultor jurídico.

Os representantes da suposta vítima negam que o Estado tenha reconhecido todas as violações e reparado as vítimas de forma integral.

Com a audiência finalizada na quarta-feira, as partes agora têm um mês para apresentar as alegações finais escritas. Depois disso, a Corte está livre para se pronunciar.

Julgarão este caso os juízes Ricardo César Pérez Manrique (presidente, Uruguai), Humberto Antonio Sierra Porto (Colômbia), Nancy Hernández López (Costa Rica), Verónica Gómez (Argentina), Patricia Pérez Goldberg (Chile) e Rodrigo Mudrovitsch (Brasil). O magistrado mexicano Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot não participa deste julgamento porque o regulamento da Corte não permite a participação em casos do país de origem.