Corte IDH

Corte IDH julga caso de ex-ministro colombiano condenado sem direito a 2ª instância

Saulo Arboleda foi sentenciado e 54 meses prisão pela corte máxima do país, por esquema de concessão de emissoras de rádio

Palácio da Justiça da Colômbia / Crédito: Johnny Cabrera/Wikimedia Commons

A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) iniciou o julgamento do caso de Saulo Arboleda Gómez, ex-ministro das Comunicações da Colômbia condenado por participação em um esquema ilícito concessão de emissoras de rádio. Na sexta-feira (19/5), foram ouvidas a defesas do ex-ministro e do Estado em audiência pública virtual.

O caso eclodiu em 1997, quando Arboleda foi flagrado em uma ligação telefônica negociando o favorecimento a uma rádio de Cali com o então ministro de Minas e Energia, Rodrigo Villamizar. A gravação foi feita ilegalmente, por desconhecidos, e divulgada amplamente por meios de comunicação à época.

Os dois ministros renunciaram semanas depois de o áudio vazado. Posteriormente, a Procuradoria-Geral da Nação abriu uma investigação contra ambos por “delito de interesse ilícito na celebração de contratos”.

Arboleda acabou condenado em outubro de 2000, em processo que tramitou na Câmara de Cassação Penal da Corte Suprema de Justiça, com uma pena de 54 meses de privação de liberdade e 15 salários-mínimos legais mensais vigentes à época. 

A Divisão Penal, no entanto, considerou nulo o processo contra Villamizar na Corte Suprema, por considerar que ele atuou a título particular e não ministerial, o que significa que não dispunha da competência especial prevista no artigo 235 da Constituição. Ao fim, Villamizar foi absolvido. 

A Constituição da Colômbia, de 1991, prevê que detentores de foro privilegiado sejam julgados apenas pela corte máxima da Colômbia, sem acesso a outras instâncias – o que aconteceu com Arboleda, em razão do cargo que ocupava na época dos fatos. 

Já preso, ele apresentou uma ação de tutela contra a sentença, alegando que as provas que baseavam a investigação eram ilícitas, mas teve pedido negado pela Justiça. Entre 2007 e 2017, o ex-ministro apresentou ao menos outras cinco ações de revisão contra a condenação, mas todas foram também rechaçadas. 

Para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), Arboleda foi impedido de ter acesso a recurso que lhe permitisse garantir seu direito de recorrer da condenação perante um juiz ou tribunal superior. 

Por causa das alegações violações, a CIDH pediu aos juízes da Corte IDH que condenem a Colômbia pela violação dos direitos às garantias judiciais (artigo 8.2 da Convenção Americana) e à proteção judicial (artigo 25.1).

“Este assunto apresenta questões de interesse público americano, em particular porque permitirá à honorável Corte continuar a desenvolver sua jurisprudência sobre o direito de recorrer a sentenças condenatórias, em processos penais levados a cabo em uma única instância, diante de um tribunal de máximo hierarquia de um Estado”, comentou o comissário da CIDH Joel Hernandez, durante audiência pública realizada na sexta-feira.

Direito à defesa

Advogado de Arboleda, Luis Ángel Esguerra Marciales argumentou que a própria prisão do cliente dele foi ilegal, porque decorreu de um processo que não lhe proporcionou a devida possibilidade de defesa. Por isso, o defensor pediu que a Colômbia seja condenada a reparar o ex-ministro financeiramente pelos danos causados pela detenção indevida.

“Há vários meios, no direito interno colombiano, para determinar que uma privação de liberdade é injusta – entre eles, a falta de cumprimento das normas legais. Neste caso, é inegável que estamos diante de um dano antijurídico, entendido como uma lesão causada contra direitos devidamente protegidos. Como o Estado colombiano não cumpriu as leis previstas e não garantiu a dupla instância, surge a obrigação de o Estado reparar os prejuízos causados pela privação de liberdade ilegal e antijurídica. 

Segundo o advogado, a violação aos direitos de Arboleda provocou danos materiais, como gastos advocatícios sem que houvesse possibilidade de revisão da pena, e danos imateriais, como a interrupção de uma “trajetória brilhante” na carreira profissional.

Para Marciales, como o outro ministro foi absolvido pelo mesmo tribunal, a chance de que um recurso contra a condenação fosse aceito era grande, caso existisse segunda instância. “O outro ministro envolvido foi absolvido, posteriormente. Isso determina que existiam altíssimas probabilidades que a sentença condenatória seria revogada em segunda instância.”

Contexto temporal

Martha Lucía Zamora Ávila, diretora da Agência Nacional de Defesa Jurídica da Colômbia e representante do Estado na audiência, disse que as ações de tutela e de revisão cumpriram o papel de garantia de defesa à época.

“Ainda que materialmente não existisse um recurso de apelação, já que a Corte Suprema de Justiça não tem um superior hierárquico, isso não significa que o direito a impugnar a sentença condenatória não foi garantido por nosso ordenamento jurídico. Para o ano 2000, tanto a ação de revisão quanto a ação de tutela cumpriam com os elementos estabelecidos pela Corte para a época”, afirmou a representante estatal. 

Ávila reforçou que, quando Arboleda foi condenado, não existiam recomendações internacionais para o estabelecimento de uma segunda instância e pediu para que os juízes da Corte considerem o contexto temporal da época.

“A responsabilidade do Estado deve ser analisada a partir das obrigações que se encontravam vigentes no momento dos fatos. A Convenção é um instrumento vivo e suas disposições podem evoluir com o tempo, para adaptar-se às mudanças sociais. A interpretação evoluída não pode ser aplicada para estabelecer a responsabilidade do Estado de forma retroativa”, declarou.

De acordo com a diretora, a Colômbia tem buscado alternativas para garantir o acesso à segunda instância para detentores de foro privilegiado. Ela citou que, em 2018, o Congresso aprovou a criação de duas turmas internas na Corte Suprema de Justiça, hierarquizadas, com o objetivo de garantir o direito à revisão do processo. O funcionamento desse mecanismo, no entanto, ainda não foi efetivado porque depende de regulamentação, o que ainda não foi feito.

“Somos absolutamente conscientes, como Estado, de que o direito a um recurso para impugnar sentenças deve evoluir e, neste sentido, a Colômbia tem se ajustado para atender a esses stardards, mas respeitando seus próprios procedimentos”, alegou Martha Ávila.

A partir da audiência da sexta-feira, os representantes têm um mês para apresentar as alegações finais escritas. Depois disso, a Corte IDH pode emitir sentença a qualquer momento. 

Participam do julgamento os juízes Ricardo César Pérez Manrique (presidente, Uruguai), Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot (México), Nancy Hernández López (Costa Rica), Verónica Gómez (Argentina), Patricia Pérez Goldberg (Chile) e Rodrigo Mudrovitsch (Brasil). O magistrado Humberto Antonio Sierra Porto, da Colômbia, não participará do julgamento porque o regulamento da Corte não permite a participação em casos do país de origem.