Direitos Humanos

Chefes de cortes de direitos humanos manifestam preocupação com a democracia

Em encontro na Costa Rica, magistrados firmaram compromisso para fortalecer a democracia, os diretos humanos e o acesso à Justiça

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Magistrados reunidos na sede da Corte IDH, na Costa Rica / Crédito: Divulgação/CorteIDH

Fortalecer a democracia, os direitos humanos e o acesso à Justiça foram os principais compromissos adotados na nova Declaração de São José. O documento é resultado de um esforço de cooperação entre cortes internacionais de direitos humanos e foi assinado pela presidente da Corte Africana de Direitos Humanos, juíza Imani Aboud, pela presidente do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, juíza Siofra O’Leary, e pelo presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), juiz Ricardo Pérez Manrique.

Os magistrados se reuniram nos dias 25 e 26 de maio na Universidade da Costa Rica para reafirmar a importância de preservar a democracia, o acesso efetivo à Justiça e a independência do Judiciário, além de tornar efetivos o Estado Democrático de Direito e os direitos humanos universais.

Os representantes das cortes também debateram problemas e soluções em comum no seminário internacional “Sistemas regionais de proteção dos direitos humanos e seus desafios”, moderado pelo advogado Diego Garcia-Sayan, ex-ministro da Justiça e dos Direitos Humanos do Peru.

Conflitos internacionais

A juíza Siofra O’Leary, presidente do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, relatou como aumentaram no ano passado os recursos à corte, depois de uma elevação significativa também em 2020 e 2021. De acordo com a magistrada, atualmente existem 77.000 processos com análise pendente no tribunal europeu, em que são relatadas violações e restrições a direitos humanos.

Ela explicou que houve um aumento expressivo de denúncias a condenações de tribunais da Turquia que surgiram em resposta à tentativa de golpe de Estado, ocorrida em 2016 em território turco. Na época, diferentes grupos se mobilizaram para tentar derrubar o presidente Recep Erdogan, reeleito nesta semana.

O’Leary também relatou um aumento de casos ligados a pedidos de asilo na Grécia e na Bélgica. Por outro lado, problemas persistentes como condições inadequadas nas prisões continuam a se acumular na corte.

A magistrada europeia diz que um memorando recente do tribunal identificou, entre necessidades urgentes, deficiências no cumprimento pelos países-membros dos julgamentos e das decisões da corte. 

“Embora vários métodos introduzidos pela corte permitam continuar lidando com a alta de processos, as estatísticas mostram que os esforços internos do tribunal, por si só, nunca vão garantir por conta própria a efetividade de longo prazo do atual sistema europeu de proteção aos direitos humanos. Insurgências domésticas, conflitos, retrocessos democráticos e legislativos em alguns países-membros nos últimos anos se juntaram a fracassos de longo prazo para solucionar os problemas sistêmicos e estruturais identificados pelo tribunal. Esses são os motivos da constante alta de processos na corte”, afirmou O’Leary.

“Isso é algo para Estados-membros enfrentarem, não para a corte”, acrescentou.

Ela também relatou as crescentes disputas na corte entre países-membro. Por outro lado, ela vê essa judicialização crescente como sinal de confiança no tribunal. “Embora o número de casos pendentes imponha um esforço considerável aos recursos do tribunal, também deve ser dito que isso reflete a fé de indivíduos e países no sistema”, afirmou.

Atuação limitada

Presidente da Corte Africana de Direitos Humanos, a juíza Imani Aboud também demonstrou preocupação com a falta de cumprimento das determinações do tribunal por países-membros da União Africana.

“O imenso potencial do sistema africano de direitos humanos, por meio de seus vários tratados e instituições, é prejudicado pelo baixo nível de implementação dos padrões adotados. Esse baixo nível de implementação dos padrões de direitos humanos, infelizmente, cria espaço para continuados violadores dos direitos humanos no continente africano”, criticou a magistrada africana.

Criado efetivamente em 2005 com a adesão de 34 Estados da União Africana à Carta Africana dos Direitos do Homem, o tribunal africano ainda tem a atuação limitada porque até hoje só oito desses países-membros reconheceram a competência da corte para julgar casos apresentados diretamente por ONGs e indivíduos. Além disso, três países, dos 55 Estados-membros da União Africana, retiraram essa permissão: Tanzânia, Bénin e Costa do Marfim.

“Isso abala a legitimidade da corte africana”, afirmou a juíza.

A presidente da Corte Africana de Direitos Humanos ressaltou como leis e instituições se mostram ineficazes quando não há vontade política. “Talvez a mensagem mais clara que emerge de tudo isso seja que os próprios padrões de direitos humanos não são suficientes se não houver vontade suficiente para implementá-los”, afirmou Aboud.

Risco à democracia 

O juiz Ricardo Pérez Manrique, presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, enumerou os sucessivos desafios na América Latina, como a tentativa de países de descumprirem obrigações de direitos humanos, os problemas climáticos, os desafios migratórios, e a preservação dos direitos humanos no combate à violência e ao narcotráfico.

Manrique manifestou ainda preocupação com a corrupção e a preservação da democracia no continente. Nesse sentido, a Corte IDH já fez posicionamentos sobre a importância da transição de poder para o Estado Democrático de Direito e o risco da reeleição irrestrita de presidentes.

“Hoje em dia vemos contextos em que vozes autoritárias pretendem encobrir descumprimentos de direitos humanos, invocando princípios como a soberania nacional ou a incumbência da ordem constitucional interna. Nesse marco, a liberdade de expressão e o acesso à informação pública resultam em elementos decisivos que são necessários proteger”, afirmou Manrique.

Nesse sentido, o presidente da Corte IDH criticou os assassinatos impunes de jornalistas da região, como denunciado pelo tribunal nos casos Bedoya Lima, da Colômbia, e Santiago Leguizamón Zaván, do Paraguai.

“Hoje a profissão de jornalista é uma das mais arriscadas da região, porque crimes contra jornalistas possuem um altíssimo nível de impunidade”, afirmou o magistrado.

Outro desafio comum na região é a preservação dos direitos humanos no combate à criminalidade, destacou o juiz. “Eu diria que é essencial combater a criminalidade, em um grande contexto de criminalidade, mas é essencial que esse combate se realize em um marco com respeito aos direitos humanos”, afirmou.

Ele citou ainda dois protocolos que a Corte IDH está trabalhando em relação ao atendimento psicológico das vítimas que comparecem ao tribunal e à participação de meninos e meninas em julgamentos como partes dos processos.

Diálogo entre as cortes

Na conclusão do seminário, Manrique destacou a importância desse diálogo entre cortes regionais de direitos humanos. “Esse espaço reconhece que, apesar da diversidade de contexto, temos propósitos comuns que estão vinculados com a afirmação da dignidade humana e a proteção dos direitos humanos.”

O presidente da Corte IDH também ressaltou como problemas de orçamento são comuns não só no tribunal americano, mas também nas cortes da Europa e da África.

“Todos temos problemas de financiamento. Não há corte mais rica do que a outra, porque a demanda por acesso à Justiça é transversal e permanente. Em um mundo mais complexo como o atual, os tribunais internacionais são mais demandados”, disse.

Apesar disso, o presidente da Corte IDH defendeu a importância de ações que facilitem o acesso à Justiça e à afirmação dos direitos humanos. “Temos que tomar medidas para tornar mais expedito o acesso à Justiça americana”, concluiu o presidente da Corte IDH.