Corte IDH

Caso López Sosa: Paraguai é condenado na Corte IDH por tortura policial

Policial foi torturado por seus pares para confessar participação em tentativa de golpe de Estado

Corte IDH
Plenário da Corte IDH / Crédito: Corte IDH/Divulgação

A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) condenou o Paraguai por torturas sofridas pelo policial Jorge Luis López Sosa após uma tentativa de golpe militar contra o presidente da República, em 2000.

Em 18 de maio daquele ano, alguns integrantes do Exército e da Polícia Nacional tentaram depor o então presidente Luis Ángel González Macchi do cargo, mas sem sucesso. O mandatário reagiu declarando estado de emergência em todo o território nacional e suspendendo, por 30 dias, os direitos e garantias consagrados na Constituição.

Um dia depois, Sosa, que servia à Polícia Nacional, recebeu uma ordem para comparecer ao batalhão em que atuava. Ao chegar ao local, ele foi amarrado, vendado e jogado ao chão por oficiais superiores. Suspeitava-se da participação dele na tentativa de golpe. 

Os militares passaram a questionar o homem, ainda amarrado, sobre o que ele havia feito na noite anterior. Por dias, ele foi espancando nas solas dos pés, com o mesmo questionamento, enquanto ouvia gritos de um outro prisioneiro, torturado pelo mesmo motivo.

Além das agressões, o policial também foi submetido a dois processos por sua suposta participação na tentativa de golpe – um administrativo disciplinar e outro criminal. No primeiro, Sosa acabou sancionado com a expulsão da polícia, por infração gravíssima. No processo penal, porém, houve absolvição e ordem para que ele fosse reintegrado ao cargo.

Em razão dos maus-tratos, Jorge Sosa apresentou denúncia contra cinco oficiais da Polícia Nacional. Em julho de 2001, o Ministério Público os acusou formalmente pelos crimes de lesão corporal no exercício de suas funções e tortura, previstos no Código Penal paraguaio.

Marcado por várias tentativas de suspensão e declarações de nulidade, o processo perdurou até 2019, quando o Tribunal Penal de Sentença sentenciou que não havia provas suficientes das torturas e absolveu todos os réus. Sosa recorreu e conseguiu a anulação da decisão. 

Com isso, os autos foram remetidos ao tribunal de origem para que um novo julgamento fosse marcado. O processo não andou e, até hoje, não há decisão definitiva do caso.

Sentença

Os juízes da Corte IDH consideraram que o Estado paraguaio é culpado por causar graves sofrimentos à vítima ao permitir que os agentes estatais praticassem tal violência e ao não investigar as torturas adequadamente.

“A Corte considera que os maus-tratos infligidos ao senhor López Sosa por agentes estatais foram intencionais, causando-lhe graves sofrimentos físicos e mentais. Além disso, foram realizados com o objetivo de obter sua confissão sobre sua suposta participação e a de outros companheiros no golpe fracassado que aconteceu no dia anterior. Consequentemente, o Estado é responsável pelos atos de tortura infligidos ao senhor López Sosa, em violação dos artigos 5.1 e 5.2 da Convenção Americana, em relação ao artigo 1.1 do mesmo tratado, como bem como os artigos 1 e 6 da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura”, escreveram os magistrados na sentença.

A Corte destacou que, em casos de violência policial, é improvável que a vítima consiga comprovar as agressões – por isso, é essencial que as diligências sejam feitas com celeridade, o que não ocorreu no caso. Os juízes destacaram que os réus foram absolvidos preliminarmente porque houve falhas de investigação forense, como a demora de 11 dias para a realização dos primeiros exames vitimológicos em Jorge Sosa.

“Para que uma investigação sobre atos de tortura seja eficaz, ela deve ser realizada com celeridade. A este respeito, a Corte recorda que a prova obtida por meio de exames médicos desempenha um papel crucial nas investigações realizadas contra os detentos e nos casos em que se alegam maus-tratos. As denúncias de maus-tratos ocorridos sob custódia policial são extremamente difíceis de serem comprovadas pela vítima, se a vítima estiver isolada do mundo exterior, sem acesso a médicos, advogados, familiares ou amigos que possam apoiá-la. Nesse sentido, a Corte observa que o Estado não apresentou nenhuma prova que demonstrasse que a investigação foi realizada de acordo com os padrões exigidos pelo Manual para a investigação e documentação efetiva da tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes (‘Protocolo de Istambul’).”

Para o tribunal, não há justificativa razoável para que, mais de duas décadas depois, ninguém tenha sido punido. “Neste caso, mais de 22 anos se passaram desde que os fatos ocorreram sem que tenha sido proferida uma sentença definitiva, pelo que foram ultrapassados ​​os parâmetros de razoabilidade, sem razões imperiosas que justifiquem uma análise do referido período em que se aplicam os critérios desenvolvidos pela jurisprudência interamericana. Depois de mais de duas décadas desde que ocorreram os fatos, o caso está atualmente em total impunidade e, portanto, a Corte considera evidente que o processo penal não foi realizado dentro de um prazo razoável”, sustenta. 

Conforme a sentença, o homem teve violados pelo Estado os direitos à integridade pessoal, liberdade pessoal, garantias judiciais e proteção judicial, em razão das agressões às quais foi submetido e da impunidade dos autores.

“A Corte conclui que as deficiências ocorridas no âmbito da investigação, bem como o descumprimento do prazo razoável do processo penal que, atualmente, mantém as torturas sofridas pelo senhor López Sosa na mais absoluta impunidade, evidenciam uma manifesta denegação de justiça à vítima neste caso, o que constitui uma violação dos artigos 8.1 e 25 da Convenção, em relação ao artigo 1.1 da mesma, bem como uma violação das obrigações contraídas em virtude dos artigos 1, 6 e 8 da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, em prejuízo de Jorge Luis López”, afirma. 

Em razão das violações, a Corte determinou diversas medidas de reparação, como a implementação de programas de capacitação para agentes policiais, oferta de atenção à saúde física e mental a Jorge Sosa e pagamento indenizatório de US$ 50 mil a ele.

Participaram da prolação da sentença os seguintes juízes: Ricardo C. Perez Manrique, presidente da Corte IDH (Uruguai), Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot (México), Humberto Antonio Sierra Porto (Colômbia), Nancy Hernandez Lopez (Costa Rica), Veronica Gomez (Argentina), Patricia Perez Goldberg (Chile) e Rodrigo Mudrovitsch (Brasil).

Leia a íntegra da sentença (em espanhol).

Sair da versão mobile