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Meio ambiente

Brasil se prepara para COP30 sob pressão geopolítica e retrocessos ambientais

Disputas sobre petróleo na Amazônia, pressão internacional e retrocessos nos EUA desafiam a liderança brasileira na COP30

Jennifer Ann Thomas
14/07/2025|17:59
Atualizado em 14/07/2025 às 18:49

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Fotomontagem: Chris Moreira/JOTA

Esta reportagem faz parte do projeto Diálogos da COP30

Faltando menos de quatro meses para a Conferência do Clima da ONU, Belém se prepara para receber pela primeira vez uma COP – a Conferência das Partes – no coração da Amazônia. O evento, que ocorrerá entre 10 e 21 de novembro, foi confirmado no Brasil em 2022, quando o país se reposicionava no cenário internacional sob nova liderança (o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, foi eleito em outubro daquele ano) e buscava reafirmar compromissos ambientais. Hoje, no entanto, o contexto internacional e doméstico é bem mais desafiador em comparação a três anos atrás e coloca mais pressão para que o encontro no Brasil termine com importantes avanços para a diplomacia climática.

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Desde a candidatura formalizada na COP27, em 2022, com apoio de diversos países, até o anúncio oficial no ano seguinte em Dubai, durante a COP28, o Brasil nutria a expectativa de protagonismo climático. O discurso era de reconstrução da imagem ambiental, após os desgastes da gestão Bolsonaro. Em 2025, essa narrativa foi ofuscada pela volta de Donald Trump ao poder nos Estados Unidos, pela crescente fragmentação do multilateralismo e por contradições internas no governo brasileiro.

A reeleição de Trump trouxe consequências diretas para a agenda climática global. O país voltou a se retirar do Acordo de Paris e passou a bloquear avanços em regulação ambiental, revogando incentivos à energia limpa e priorizando combustíveis fósseis. Na avaliação de Márcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, isso representa não apenas a omissão de um dos países historicamente mais poluentes, mas uma sabotagem ativa da agenda ambiental. “Não é só deixar de ajudar, é atrapalhar com todas as forças”, disse Astrini.

Além da influência moral e diplomática dos EUA, o novo governo também vem desmantelando órgãos científicos e retirando do ar dados cruciais sobre o clima, como os da agência NOAA, a Administração Oceânica e Atmosférica Nacional, o que impacta negativamente as negociações e a formulação de políticas baseadas em evidências.

Karen Oliveira, diretora da TNC Brasil, observa que o cenário global mudou radicalmente desde o anúncio da candidatura brasileira. “Estamos vivendo um momento de grande tensão geopolítica, com o multilateralismo fragilizado, os conflitos em curso e o retrocesso das políticas ambientais norte-americanas”, afirma. Para ela, uma fala específica da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, resume o espírito atual: a COP “não é festa, é luta”.

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No plano doméstico, o Brasil enfrenta tensões políticas e ambientais. O debate sobre a exploração de petróleo na Foz do Amazonas tornou-se um dos símbolos dessa ambiguidade. Enquanto o presidente da COP30, André Corrêa do Lago, afirma que se trata de uma "decisão nacional" e não vê constrangimento na pauta, a divisão entre os ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente expõe a fragilidade da coesão interna. Para Astrini, a pressão por liberar o petróleo na região é “a pauta mais contrária ao que se espera de uma conferência do clima”.

Karen reforça que decisões como essa não podem ser apenas políticas. “É preciso uma análise científica, econômica e legal profunda, em um processo de escuta real. Flexibilizar o licenciamento ambiental no atual cenário climático é um risco irreversível”, alerta.

O ambiente legislativo também se mostra hostil. Projetos de lei que fragilizam o licenciamento ambiental e ameaçam direitos indígenas tem avançado no Congresso, como o PL 2159/21 que flexibiliza o licenciamento ambiental, e o PL 2903/23, que cria um marco temporal para demarcação de terras indígenas. “Temos uma agenda anti-clima crescendo de forma espantosa”, alerta Astrini.

Em busca de soluções

Para Daniel Vargas, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o Brasil ainda tem a chance de liderar uma virada de perspectiva. “Precisamos tirar a questão climática da coluna das despesas e colocar na coluna das oportunidades. Isso exige uma nova leitura sobre o que significa desenvolvimento com base em sustentabilidade nos trópicos”, afirma. Para ele, a COP30 pode ser uma plataforma para reivindicar um novo desenho de financiamento climático mais coerente com a realidade de países como o Brasil.

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Internacionalmente, o cenário é de desconfiança. A COP29, realizada em Baku, no Azerbaijão, terminou sob críticas quanto à condução dos acordos e ao recuo de países desenvolvidos em metas de financiamento climático. A frustração resultou em descrédito no processo multilateral — um risco sério para a COP30, que já enfrenta atrasos logísticos e incertezas sobre a infraestrutura em Belém.

Apesar dos desafios, há também espaços de atuação relevantes fora da mesa de negociação. A chamada 'action agenda', voltada ao setor privado e à sociedade civil, deve ganhar força, especialmente em temas como florestas e financiamento a comunidades tradicionais. Empresas brasileiras, embora pressionadas pela mudança nos ventos políticos nos EUA, continuam tendo papel estratégico na agenda ambiental global.

Karen observa que, apesar das tensões globais, algumas agendas seguem avançando, como a bioeconomia, que ganha força ao unir mercado, biodiversidade e geração de renda, e o mercado de carbono, que agora precisa considerar a adaptação e o risco de queimadas e incêndios anularem os créditos gerados. Em contrapartida, ela aponta divisões em temas como a transição energética, ainda pressionada pela produção de combustíveis fósseis, e alerta que disputas comerciais impulsionadas por Trump, como a guerra tarifária, podem aumentar a pressão sobre a produção agrícola no Brasil e, com isso, ampliar o risco de desmatamento.

Para a diretora da TNC, é importante que diferentes integrantes da sociedade tenham a oportunidade de participar da conferência em Belém. A organização está articulando um espaço multissetorial fora da Zona Azul para garantir que vozes diversas participem dos debates. “Mas os custos estão fora da curva. A COP no Brasil está inacessível para muitos atores da sociedade civil”, alerta Karen. Daniel complementa que, com a ausência dos EUA da mesa de negociação, há um vácuo de poder. “Se não for mais sobre doações de países ricos, mas sobre regras e padrões de produção e financiamento, os países em desenvolvimento podem liderar esse debate”, disse.

Nesse contexto, a ministra Marina Silva vem reforçando que a COP30 precisa deixar de ser apenas um fórum de promessas. “Agora, não tem mais o que fazer. É implementar, implementar, implementar”, disse durante evento na PUC-Rio. Para ela, esta deve ser a COP da implementação, diante da urgência climática e da exaustão de diagnósticos. A ministra defendeu que as decisões devem se basear em ciência e evidências, e voltou a criticar o novo marco legal do licenciamento ambiental, aprovado no Senado: “É como se fosse uma demolição da base de proteção ambiental do Brasil”.

Efeito Trump

A virada política nos EUA também provocou reações no setor empresarial. Grandes bancos norte-americanos começaram a recuar de compromissos climáticos públicos, citando incertezas regulatórias e pressões políticas. Há uma tendência de retorno a estratégias de investimento convencionais, mais voltadas ao lucro imediato e menos expostas ao risco. Segundo levantamento da consultoria norte-americana BDO, embora 44% dos CFOs ainda pretendam aumentar investimentos em sustentabilidade, há uma reconfiguração das prioridades, com foco maior em reputação e riscos operacionais do que em impacto ambiental direto.

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Além disso, sob a nova administração Trump, há uma pressão crescente para que empresas norte-americanas eliminem ou reavaliem seus programas de diversidade, equidade e inclusão (DEI). Artigo publicado na revista Financier Worldwide aponta que essa tendência tem se intensificado após a revogação de políticas federais voltadas ao tema e a aplicação de pressões institucionais, o que pode levar a uma redução significativa desses esforços no ambiente corporativo.

Segundo Astrini, se antes se esperava da COP30 um avanço nas metas climáticas, hoje diplomatas consideram que “manter vivo o espaço de negociação” já seria um resultado — uma meta modesta frente à gravidade da crise. A COP30, no entanto, ainda pode surpreender. Se o Brasil conseguir superar suas contradições internas e liderar um processo transparente e ambicioso, Belém poderá se tornar um marco da resistência climática em um mundo em retrocesso.logo-jota