Cícero Araújo

Às Claras

Muito se tem discutido sobre os impactos que a eventual regulamentação da atividade de Relações Governamentais pode trazer para a sociedade brasileira. Tema que ganha importância ainda maior se considerarmos os efeitos, já conhecidos, que a falta dessa regulamentação teve na história recente do nosso Brasil. 
Para começar, faz-se necessário diferenciar o profissional de relações governamentais - e esse é o nome mais adequado e que se deve utilizar – do indivíduo denominado ‘lobista’, termo que se tornou pejorativo.
O profissional sério de relações governamentais é uma pessoa tecnicamente preparada, que conhece a fundo a atividade da empresa ou do setor que representa e que é treinado e orientado para atuar com ética e transparência, contribuindo com ideias e estudos para o debate público sobre decisões a serem tomadas pelo Legislativo ou Executivo. No Brasil, a figura do “lobista” é comumente associada ao tráfico de influência, prática de relações escusas e até corrupção, mas essa é uma característica cultural que não se repete em outros países onde a atividade é devidamente regulamentada.  Daí a importância de se discutir e implementar a regulamentação da atividade no Brasil: para organizar e acabar com as brechas que ainda permitem práticas antiéticas e retrógradas.
Não estamos tratando, portanto, do que alguns alegam ser a ‘legalização’ da oferta de vantagens. Jamais! Sem a devida regulamentação da atividade do profissional de relações governamentais, criou-se um campo fértil para que as relações entre agentes políticos e a iniciativa privada fossem vistas pelo cidadão comum como algo negativo, duvidoso e feito às escondidas. A regulamentação trará clareza e transparência sobre os limites da atividade, contribuindo para afastar os maus profissionais e abrir espaço apenas aos que realmente exercem um trabalho técnico, ético e qualificado.
Uma boa leitura sobre a atuação em Relações Governamentais é feita pelo cientista político americano e estudioso do tema, Lee Drutman, da John Hopkins University. Ele diz que a democracia precisa ser pensada de forma a ter diferentes grupos de pessoas resolvendo conflitos e buscando consenso. Assim, é preciso que as políticas sejam discutidas envolvendo as pessoas que têm interesses nos vários lados de uma mesma questão, o que deve ser mediado pelos profissionais de Relações Governamentais. Segundo Drutman, a democracia é boa em controlar os abusos do capitalismo e o capitalismo é bom em limitar os excessos do governo, pois quando um dos dois se torna muito poderoso, tem-se um problema.
Vivemos em um País regido por cerca de cinco milhões de normas, entre leis complementares e ordinárias, decretos, medidas provisórias, emendas constitucionais e outras. Os dados são do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT). Isso significa uma média de 782 normas por dia útil. E quem define essas normas são os agentes públicos que atuam nos Três Poderes Federais, Estados, Prefeituras, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, autarquias públicas e órgãos reguladores. Diante de tal dimensão e abrangência, nem sempre é possível reunir e ouvir opiniões e considerações de todos os agentes e setores da sociedade que poderão ser impactados por qualquer alteração ou criação de nova norma.
É aí que ganha fundamental importância a atuação de profissionais que possam contribuir para levar conhecimento técnico para ajudar os legisladores e formuladores. É este o cerne da atuação do profissional de relações governamentais.
Vale falar também da atuação focada em relações institucionais na prática do advocacy. Temos aí a união de forças entre empresas privadas, integrantes da sociedade civil e instituições diversas que atuam em causas específicas para que se tenha massa crítica para dialogar, em conjunto, com os entes do poder público em busca de consenso a respeito de determinada questão.
E para fazer jus ao nome dado a este importante espaço de discussão, ‘Às Claras’, compartilho aqui breve descrição sobre o que pensa e como atua o Itaú Unibanco em relação ao tema.
O banco defende a regulamentação da atividade de Relações Governamentais no Brasil por entender que, assim como ocorre em vários outros países, tal atividade constitui importante instrumento para o desenvolvimento da democracia, o exercício dos direitos constitucionais e a participação social na tomada de decisões. Para isso, temos uma política institucional de Relações Governamentais e Institucionais, que norteia toda e qualquer atuação de colaboradores com agentes políticos e servidores públicos.
Nossa estrutura na Área de Relações Governamentais e Institucionais é responsável por auxiliar todas as áreas internas da instituição na defesa de interesses legítimos, do banco e do sistema financeiro, e também na contribuição para a implementação de políticas públicas.
Entre as principais atividades estão o acompanhamento de assuntos de interesse junto aos Poderes Executivo e Legislativo e a interação com agentes públicos visando oferecer subsídios técnicos para a tomada de decisões. Fazemos isso sempre por meio de um diálogo apartidário, ético e transparente.
Já no âmbito de Relações Institucionais, a área atua diretamente nas iniciativas do Itaú Unibanco ligadas à cultura, educação, mobilidade urbana e esporte, oferecidas aos mais diversos públicos, divulgando suas principais atividades no Relatório Anual Consolidado do Itaú Unibanco.
No Direito, temos os princípios do contraditório e da ampla defesa. No Jornalismo, há o princípio de se ‘ouvir o outro lado’. Numa lógica que segue essas mesmas linhas, o profissional de relações institucionais e governamentais tem a responsabilidade de fazer chegar ao governo e aos legisladores o necessário entendimento e debate técnico sobre temas do interesse que ele representa.
Não é difícil notar o quanto a ausência da participação da sociedade na formulação de legislações e políticas públicas já foi e pode ser prejudicial ao Estado e à própria sociedade. Se os agentes não são chamados pelos legisladores para participar de debates que impactam direta ou indiretamente o dia a dia da população, nada mais justo e correto do que esses agentes se apresentarem pró-ativamente para o debate. Esse é um dos objetivos dos profissionais de relações governamentais e institucionais: ser ‘a voz’ da sociedade, agregando conhecimento técnico e da ‘vida real’ às discussões por meio de entidades de classe, empresas privadas e da sociedade civil organizada em contato direto com o poder público.
A atividade de Relações Governamentais tem por objetivo institucionalizar a participação da sociedade nas decisões públicas e tem papel fundamental em qualquer democracia. É função primordial para evitar a ocorrência de distorções e desequilíbrios no processo de criação. E o profissional da área, devidamente capacitado, desempenha papel importante na atuação permanente junto à sociedade, legisladores e formuladores de políticas públicas para que estes se cerquem de informações fidedignas e tenham à sua disposição a maior quantidade possível de dados e argumentos.
É, portanto, fundamental regulamentar a atividade de relações governamentais, de modo a incentivar a atuação transparente de profissionais habilitados a promover o fundamental diálogo entre sociedade e agentes políticos, para que as decisões não sejam baseadas apenas em um ou outro lado ou pautadas por motivações políticas e pessoais. Seria, sem dúvida, mais um passo muito importante para o fortalecimento das instituições e a consolidação da democracia brasileira.

coffee-1276776_1280

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Regulamentação trará transparência sobre os limites da atividade de Relações Governamentais

Regulamentar para organizar

Este texto integra a cobertura de novos temas pela equipe do JOTA. Apoiadores participam da escolha dos temas, mas não interferem na produção editorial. [Conheça o projeto!](/pro#jota-discute)