Antonio Carlos Ferreira de Araujo

André Luis Iera Leonardo da Silva

Assistimos no Brasil o alargamento da atuação do Poder Judiciário, fenômeno que atinge quase todas as democracias no plano global. O primeiro registro dessa expansão deu-se em 1803, no caso Marbury v. Madison. Na ocasião, a Suprema Corte dos EUA assentou a possibilidade de o Judiciário declarar inconstitucional um diploma legal.
No plano nacional, a Constituição Federal de 1988 municiou os cidadãos (leia-se também instituições) de instrumentos para combater atos arbitrários e ilegais praticados pelo Poder Público. Prestigiado, portanto, o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional
O princípio da inafastabilidade do controle judicial e as ferramentas constitucionais, possibilitaram que as contendas institucionais fossem submetidas ao crivo do Poder Judiciário que, por sua vez, passou a dar a última palavra em nossa democracia.
Passou o Poder Judiciário a figurar como protagonista das maiores discussões que cercam o País. Vimos, por exemplo, regras sobre financiamento eleitoral serem criadas no plenário do Supremo Tribunal Federal, liberalização do aborto, legalização de drogas, prisão em segunda instância – apesar de o texto constitucional dispor claramente sobre a presunção de inocência. Mais debates virão.
Parte considerável das decisões judiciais tem sido construída com base em princípios jurídicos que, não raro, servem como fundamento para afastar a aplicação de Lei. Nas palavras do Professor Carlo Ari Sundfeld: “É preciso insistir nisto: citar múltiplos, belos e vagos princípios, transcrever páginas e páginas de elogios a eles, manifestar propósitos generosos, nada disso é motivar: é soltar fumaça.”<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
Muito embora já fosse previsão constitucional, antes da edição do Novo Código de Processo Civil (2015), a obrigatoriedade de todas decisões jurisdicionais serem fundamentadas/motivadas, fato é que alguns juízes resolviam a demanda: 1) apenas ditando o preceito legal utilizado para solução de determinada questão, sem, contudo, explicitar o raciocínio que o levara àquela conclusão, ou seja, sem motivar o fundamento legal adotado; 2) sem enfrentar todos os pontos levantados pelas partes.
Em relação ao primeiro destaque supra, muitas vezes, em juízo de reforma, tais decisões eram reputadas “insuficientemente fundamentadas”, querendo dizer o juízo reformador, evidentemente, “insuficiente motivadas”, posto que obscura, ao processo, a cognição desenvolvida por aquele julgador primevo, ou, mais especificamente, o caminho lógico e factual desenvolvido.
Sem a explicitação do caminho lógico adotado pelo juiz, a decisão pode realmente estar legalmente fundamentada (solução de enquadramento do fato à norma vigente), mas não necessariamente estará adequadamente “motivada”, comprometendo, assim, sua higidez, posto ser garantia do jurisdicionado - até como forma de aferir a imparcialidade do juiz e se o raciocínio desenvolvido foi correto e consentâneo com todos os dados, fatos, elementos e circunstâncias presentes naquela determinada causa - conhecer o silogismo havido para desate da lide.
Esse cenário (decisões calçadas só em princípios) é o combustível para inflamar a insegurança jurídica vivenciada no País. O direito não pode ser uma caixinha de surpresas. As decisões emanadas pelo Estado (Judiciário, Legislativo e Executivo) devem ser previsíveis.
O remédio para solucionar uma parte desse problema, caminha a passos largos no Congresso Nacional, qual seja: o projeto de lei do Senado nº 349/2015 de autoria do Senador Antonio Anastasia, cujo cerne consiste em elevar a segurança jurídica e a qualidade das decisões públicas, sejam elas judiciais ou administrativas.
Dentre as inovações trazidas pela futura legislação, destacamos três: as decisões administrativas e judiciais não poderão ser proferidas com base em valores jurídicos abstratos sem medir as consequências práticas da decisão; a criação da ação civil pública declaratória de validade; e a previsão de consulta pública obrigatória para a edição de regulamentos administrativos gerais.
A primeira das inovações combate as decisões calçadas em princípios abstratos. A segunda cria um instrumento para declarar a validade e lisura dos atos (portanto, prestigia a segurança jurídica). E a última fortalece a democracia. Mais: cria um hiato temporal legal para o profissional de relações institucionais participar de forma transparente na formação daquela norma/ato emanado pelo Estado que atingirá a esfera jurídica de seu representado.
O específico dispositivo legal (artigo 28 do PLS nº 349/2015) também propiciará um ambiente que contribuirá para racionalidade da regulamentação administrativa, sobretudo porque, se entrelaçarmos a inteligência do artigo 28 com a do artigo 20, do PLS, as consequências práticas e repercussão jurídica dos atos emanados pelo Poder Público deverão ser ponderadas.
A insegurança jurídica contamina não só o ambiente judicial. Os administrados também sofrem com a falta de racionalidade e profusão dos atos normativos gerados pelo Estado.
Em vista disso, é com bons olhos que se enxerga o PLS nº 349/2015. A consequência imaginada é a redução do controle jurisdicional dos atos praticados pelo Estado, na medida em que se espera que o Poder Público produza atos legislativos e normativos em harmonia com o texto constitucional, que corroborará com um ambiente econômico favorável ao crescimento.
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Direito Administrativo para Céticos, editora Malheiros, 2ª edição.

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Assistimos no Brasil o alargamento da atuação do Poder Judiciário

Controle Judicial e Inflação de Princípios

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