Rodrigo Navarro

Às Claras

Se algo aprendi ao longo de minha carreira de mais de 25 anos na atividade de Relações Governamentais (RelGov), é sua importância estratégica para as empresas, por várias razões. Primeiro, por sua transversalidade, onde profissionais dessa área se relacionam (influenciando ou sendo influenciados) com diversas outras da cadeia de valor, como jurídico, comunicação, finanças, marketing, recursos humanos, dentre outras.
Além disso, a característica de termos múltiplas formações acadêmicas dos profissionais que atuam nessa área – advogados, economistas, engenheiros, administradores, jornalistas, dentre outras – aumenta a complexidade da atividade. Finalmente, a grande magnitude dos resultados (positivos ou negativos) envolvendo diversos temas simultâneos tratados pela área de RelGov evidencia a necessidade de credenciá-la como uma das mais importantes das empresas.
No entanto, é comum ver muitas que ou simplesmente não tem uma área de RelGov estruturada, ou se tem (sob as mais variadas denominações), não a provê dos recursos, senioridade e poder de decisão necessários para um desempenho otimizado. Por que isso acontece ? Vamos refletir um pouco.
A Importância das Forças de Não-mercado 
É cada vez mais evidente a relevância das chamadas forças de não-mercado (Baron, 2013), ou seja, aquelas que mesmo não estando diretamente ligadas às tradicionais forças de mercado normalmente analisadas quando se estuda um setor (Porter, 1980), são capazes de influenciá-las de maneira decisiva e afetar o valor gerado pelas cadeias produtivas das empresas.
Estudos e metodologias recentemente desenvolvidas indicam que essas externalidades estão sendo cada vez mais internalizadas, trazendo novas oportunidades e novos riscos com implicações significativas. Por exemplo, dependendo do setor, as externalidades trazidas pelos Governos (chamadas de 6ª força em meu livro Relações Governamentais Estratégicas), podem aumentar ou diminuir o poder de barganha de compradores e fornecedores; facilitar ou dificultar a entrada de novos competidores; promover a criação ou eliminação de produtos ou serviços substitutos; e intensificar ou moderar a rivalidade dos competidores existentes.
Também se olharmos o ambiente interno das empresas essas externalidades são relevantes, pois uma nova legislação trabalhista pode alterar decisões da área de Recursos Humanos sobre contratações e jornadas; a obtenção de incentivos fiscais pode mudar a localização de uma fábrica ou de operações de logística; mudanças nas regras de relacionamento com clientes podem determinar um menor tempo de atendimento em pós-venda; a regulamentação de transações via internet pode afetar as áreas de vendas, marketing e compras; e legislações setoriais podem estimular atividades de Pesquisa e Desenvolvimento em determinadas áreas em detrimento de outras.
Nesse sentido, pesquisa recente da McKinsey com mais de 1.300 executivos indica que externalidades e o relacionamento com esses stakeholders (interlocutores) já são vistos hoje por mais de 50% dos CEOs como a principal ou dentre as 3 principais prioridades para as empresas.
Ainda assim, a mesma pesquisa indica que há o claro reconhecimento dos entrevistados que muito se tem a percorrer para otimizar essa área nas empresas, e que a chave para o sucesso é o desenvolvimento das competências necessárias – da empresa e seus profissionais – para tanto.
As Competências em RelGov 
Se adicionarmos à esse cenário o que tem ocorrido no Brasil, em termos de escândalos de corrupção e relações nada profissionais entre representantes do setor privado e de Governos, reforçaremos o ponto de alta relevância da atividade e necessidade de atenção com ela aqui defendido. No passado, quando se pretendia preencher uma vaga de RelGov, era muito valorizado o candidato que estivesse por algum tempo “no Governo”.
Dessa forma, estariam asseguradas “portas abertas” e o sucesso estaria a caminho. Se isso era uma verdade há alguns anos, hoje com certeza a rede de contatos (network) continua sendo importante, mas só isso não basta para esse profissional. Há também que se ter um conhecimento específico do setor e da empresa, e – sobretudo – uma alta capacitação na área de RelGov. Enquanto o conhecimento específico do setor e da empresa é algo que pode ser adquirido com relativa facilidade e velocidade (dependendo intrinsicamente da energia, disposição e dedicação de cada um), a capacitação em RelGov não é tão fácil, embora definitivamente possível .
Prova disso é o sucesso do primeiro MBA latu sensu de 432 horas/aula em Relações Governamentais do Brasil lançado pela Fundação Getúlio Vargas em 2015, do qual fui criador e co-desenvolvedor (sendo o coordenador em Brasília), retratado em diversos momentos com destaque por publicações como The Economist , Folha de São Paulo , Valor Econômico , Você S.A, dentre outras .
Nesse curso, damos ênfase em determinadas competências, no sentido definido por C.K. Prahalad (1990), como sendo aquele conjunto de habilidades que vai sendo acumulado ao longo do tempo, capaz de provocar diferenciação e ser expandido. São muitas as habilidades que um profissional de RelGov precisa desenvolver – tornando-se um verdadeiro “especialista em generalidades” (ou “generalista em especialidades”).
Dentre estas, podemos citar Estratégia, Negociação, Comunicação, Processo Decisório, Marketing, Liderança, Inovação, Gestão de Projetos, Processo Legislativo, Direito Regulatório, Análise de Riscos e Cenários, Gestão de Crises, Tributos, Comércio Exterior, Pesquisa, Políticas Públicas e – last but not least – Ética e Sustentabilidade. Outro ponto importante é, nessa área, não nos basearmos somente em teoria, mas alinhá-la com melhores práticas, feito por meio da realização de workshops e eventos, trabalhos em grupo sobre cases e discussões construtivas sobre temas atuais na área.
Um desses temas, inclusive, é a regulamentação da atividade, que necessariamente – para que funcione – deve primar por ser simples e ter como base os princípios de transparência, ética e legitimidade (acesso), como defende a ABRIG – Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais .
Sob essa visão de competências, note-se que a discussão hoje comum entre haver lobistas “do bem” ou “do mal” simplesmente não faz sentido – há profissionais capacitados ou não para o desempenho da atividade, ainda mais se colocarmos em perspectiva que ser ético é (ou deveria ser) prerrogativa para qualquer atividade e constitui – como indicado – apenas uma das competências essenciais desse profissional. O próprio uso da palavra “lobby”, tão demonizada e atrelada a desvios por muitos, levará tempo para ser substituída idealmente por “Relações Institucionais e Governamentais”.
Nesse sentido, a ABRIG vem interagindo com o Ministério do Trabalho para a criação no Código Brasileiro de Ocupações (CBO) da sigla “RIG”, com o objetivo de melhor refletir a denominação da atividade, prevista para 2017.
As estruturas de RelGov nas empresas
Sendo o tema importante, de alta relevância estratégica pois afeta significativamente tanto o ambiente externo como interno, e compreendendo múltiplas competências, era de se esperar que as empresas dessem total atenção à essa área – mas isso não é o que constatamos em muitos casos. Em termos de estrutura, encontramos basicamente três tipos de configuração em RelGov:
1) Sem relacionamento: a empresa é uma seguidora (follower) institucional/setorial, ficando à mercê dos resultados que outras conseguem na interação de RelGov;
2) Eventual: o papel de RelGov é desempenhado por vários executivos (CEO, VP Jurídico, Gerente de Comunicação Corporativa, etc), sem uma definição clara de papéis e responsabilidades;
3)Formal: a área de RelGov existe na empresa, sob variadas denominações (Assuntos Institucionais, Relações com Governo, Relações Externas, etc).
Em qualquer desses três tipos, pode-se ter o apoio de consultorias externas específicas, em algum grau, como think tank, advisory, monitoramento, ações proativas/reativas e projetos especiais.
Vários são os fatores que podem influenciar a estrutura de uma área de RelGov. Dentre eles, as características da empresa, do(s) mercado(s)-alvo e dos stakeholders (tamanho, histórico, maturidade, crenças, valores, cultura); o nível de regulação, concentração do setor e impacto das forças de não-mercado (concessões, autorizações, “licença para operar”); o que os concorrentes (e/ou novos entrantes) fizeram, fazem ou farão (efeito manada); e a mensuração, obtenção e divulgação de resultados da área de RelGov, tanto internamente (utilizando Balanced Scorecard, Newsletters, Intranet), como externamente (considerando reputação corporativa como um fator crítico tangível).
De qualquer forma, as empresas deveriam atentar para os seguintes aspectos de estrutura e organização quando da formação (ou revisão) de uma área de RelGov:
Estrutura: Posição na hierarquia da empresa e nomenclatura do(s) cargo(s); Tamanho da área, localização e dispersão geográfica (nacional/internacional); Perfil dos ocupantes dos cargos (e.g. formação, senioridade, experiências, competências); Orçamento (valores, processo, influência, desafios); Funções corporativas acima e/ou abaixo (e.g. jurídico, comunicação); Uso de inteligência interna (carreira) e/ou externa (consultorias, associações, coalizões); Ligação/interação com Institutos, Fundações, Centros de Pesquisa, Academia, dentre outros.
Organização: Envolvimento da área na definição das estratégias empresariais;  Interação na cadeia de valor empresarial (transversalidade); Processos formais/informais utilizados na interação entre áreas;  Contribuições potenciais x reais (e.g. receitas, incentivos, cost avoidance, reputação); Definição de objetivos e mensuração de resultados;  Quantidade, periodicidade e qualidade das interações com Governo(s);  Postura proativa, reativa ou ambas ?
Considerações finais
Se uma pessoa é colocada na função de RelGov na alta hierarquia da empresa (C-level) e, portanto, valorizada, com um orçamento compatível com seus desafios, contando com uma equipe treinada e comprometida, certamente pensará duas vezes em fazer algo que comprometa sua reputação pessoal e profissional, afinal – no mínimo – tem muito a perder.
Já se para uma posição de RelGov é colocada uma pessoa despreparada, sem reconhecimento, sem recursos adequados e sem o devido apoio, poderá não pensar duas vezes em arriscar, improvisar e buscar algum resultado como resposta às pressões que receberá, colocando dessa forma em risco o pouco que tem – levando junto com isso a empresa.
Portanto, reconhecer o caráter estratégico da área de RelGov é fundamental para as empresas e buscar os melhores profissionais, com as competências adequadas para ocupar essa posição, necessário para atingir as melhores práticas na área e os objetivos empresariais.
Referências
BARON, D. (2013). Business and Its Environment. Ed. Pearson, 7a ed.
HOLYOKE, T.; BROWN, H.; LaPira, T. (2015). Learnable skills, or unteachable instinct ? What can and what cannot be taught in the lobbying profession. Interest Groups &amp; Advocacy, Vol. 4, N° 1, pp. 7–24, Macmillan Publishers.
MARLOWE, H. (2015). The role of education in advancing the lobbying profession. Interest Groups &amp; Advocacy, Vol. 4, N° 1, pp. 65–75, Macmillan Publishers.
NAVARRO, R. (2015). Relações Governamentais Estratégicas. Clube de Autores.
PORTER, M. (1980). Estratégia Competitiva: Técnicas para Análise de Indústrias e da Concorrência. Ed. Campus.
PRAHALAD, C.K. e HAMEL, G. (1990). A Competência Essencial da Organização. Harvard Business Review.

relgov

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Em termos de estrutura, encontramos basicamente 3 tipos de configuração em RelGov

Vamos reconhecer a importância das relações governamentais?

Este texto integra a cobertura de novos temas pela equipe do JOTA. Apoiadores participam da escolha dos temas, mas não interferem na produção editorial. [Conheça o projeto!](/pro#jota-discute)