Renato Guimarães

Às Claras

Em muitos países, lobby é uma palavra que traz uma conotação negativa, de tentativa de fazer valer interesses individuais sobre o bem coletivo. Este é um tema que está presente na crise política brasileira e, principalmente, foi um dos argumentos usados pela campanha de Donald Trump de “secar o pântano” (drain the swamp) da corrupção e da influência de interesses especiais em Washington.
Para as organizações da sociedade civil, o desafio de trabalhar com lobby é ainda mais complicado neste contexto. Poucas admitem publicamente suas ações de lobby e batizam este trabalho com eufemismos, como assessoria política.
De fato, em geral não há como se comparar os recursos existentes e a capacidade de influência de uma ONG, por exemplo, com a de grupos corporativos ou profissionais. Por isto, o lobby surge como um elemento a mais dentro de um conjunto de ações incorporadas no conceito de “advocacy”, este sim mais apropriado pelas organizações da sociedade civil.
Na sua concepção original, “advocacy” está ligado à ideia de dar voz às pessoas nos espaços de tomada de decisões, com estratégias e táticas voltadas para provocar mudanças de atitudes, políticas e práticas.
Por um lado, busca-se provocar mudanças no ambiente cultural que repercutem na forma como as pessoas e comunidades aceitam, rejeitam ou valorizam determinados comportamentos públicos. Por outro lado, usa-se de diversas formas de mobilização pública para pressionar os tomadores de decisão e influenciar o balanço de poder na direção de mudanças relevantes para a sociedade.
Interessante notar que os conceitos de advocacy e lobby caminham juntos historicamente e estão associados justamente aos momentos de maior participação e influência da sociedade civil nos processos democráticos. Uma consulta ao serviço <a href="https://books.google.com/ngrams">Ngram Viewer</a>, que permite mapear a incidência de palavras e conceitos nos livros registrados no Google Books, por exemplo, mostra a grande <a href="https://books.google.com/ngrams/graph?content=advocacy%2Clobby&amp;year_start=1800&amp;year_end=2017&amp;corpus=15&amp;smoothing=3&amp;share=&amp;direct_url=t1%3B%2Cadvocacy%3B%2Cc0%3B.t1%3B%2Clobby%3B%2Cc0">prevalência de menções a lobby e advocacy</a> desde os anos 60 do século passado, com especial ênfase a partir de 1980.
<img class=" wp-image-58440 aligncenter" src="/wp-content/uploads/2016/11/lob-300x109.png" alt="lob" width="398" height="145" />
Nunca se falou e escreveu tanto sobre advocacy e lobby como nos últimos 50 anos. Fonte: Ngram Viewer, Google Books
Entre as táticas mais comuns de advocacy incluem-se a produção e/ou divulgação de conhecimento técnico que, associados com um trabalho de disseminação de informações, procura aumentar o conhecimento e despertar a consciência publica sobre os temas de interesse. O desenvolvimento de redes de parcerias entre organizações relevantes é fundamental para maximizar recursos e promover um fluxo mais eficiente de informações, além de exponenciar o impacto das táticas de mobilização pública.
É neste contexto que o lobby sobre tomadores de decisão surge como uma tática importante, especialmente quando envolve a necessidade de influenciar a defesa ou salvaguarda de direitos daqueles que tem pouco ou nenhum acesso aos foros de poder. Devido aos recursos limitados com os quais as organizações da sociedade civil contam, qualquer trabalho de lobby deve ser baseado em um sólido mapa de poder, que defina claramente os pontos críticos de pressão e identifique os atores que têm papel fundamental para fazer avançar – ou impedir que avance – determinados temas.
Mais do que isso, o lobby sozinho dificilmente produz as mudanças desejadas pelas organizações, especialmente quando estas mudanças requerem o desenvolvimento e implementação de políticas que desafiam o status quo. Neste caso, é fundamental associar o lobby com ações públicas, especialmente as que mobilizam e engajam as pessoas de forma direta.
As campanhas públicas surgem, então, como elementos críticos para angariar apoio aos processos de pressão sobre tomadores de decisão. O envolvimento de centenas ou milhares de pessoas apoiando uma demanda ou causa tem o mérito direto de aumentar a credibilidade da demanda e, portanto, sua repercussão junto aos interlocutores nos espaços de discussão entre quatro paredes.
Ambos, campanhas públicas e lobby, são táticas as quais, para ter um funcionamento ótimo, devem se basear em uma sólida teoria de mudança. Ou seja, o entendimento claro do problema que se busca combater, da forma como isto será feito e do resultado que se espera alcançar. Por mais óbvio que isto possa parecer, muitas vezes a ausência de uma teoria de mudança bem estruturada acaba por afetar o impacto das ações de advocacy e/ou dificulta tanto a avaliação, como o processo de aprendizagem.
Outro elemento cada vez mais presente nas ações de advocacy, em geral, e de ação política (lobby), em particular, é o storytelling. Ou seja, o uso de histórias humanas para tangibilizar os problemas e as mudanças buscadas e criar uma conexão emocional que complemente a argumentação intelectual. O uso de storytelling é importante, também, pela possibilidade de reforçar conceitos e ideias, especialmente quando estas são complexas e de difícil compreensão para leigos, e gerar um sentido de pertencimento, de solidariedade.
Como resumo, apesar da carga negativa muitas vezes associada ao trabalho de lobby, para as organizações da sociedade civil esta é uma importante tática para informar, sensibilizar e influenciar tomadores de decisão sobre temas relevantes para a comunidade. Mas não deve vir sozinho e sim como parte de uma visão estratégica mais ampla de advocacy.
Deve, portanto, ser acompanhado de outras ferramentas igualmente importantes, como a produção/disseminação de conhecimento técnico que reforce os argumentos, o desenvolvimento de redes de parcerias, um sólido mapa de poder, uma teoria de mudança que indique claramente o problema e a transformação esperada, a implantação de campanhas públicas que ofereçam possibilidades concretas de participação direta da sociedade e o uso de storytelling, como forma de criar conexão emocional e sentido de pertencimento.
A correlação de poder nos foros de tomada de decisão é, na maior parte das vezes, desequilibrado na direção daqueles que tem mais capacidade de influência financeira e/ou política. Mover o status quo é uma tarefa difícil, mas não impossível. Mas, para isso, é fundamental que as organizações da sociedade civil estejam preparadas para pensar estrategicamente e usar de forma a mais eficiente possível os elementos táticos de que dispõem.

Arctic_Sunrise_Greenpeace_Rijeka_14042013_2_roberta_f

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Em muitos países, lobby é uma palavra que traz uma conotação negativa

O uso do advocacy para gerar transformação social

Este texto integra a cobertura de novos temas pela equipe do JOTA. Apoiadores participam da escolha dos temas, mas não interferem na produção editorial. [Conheça o projeto!](/pro#jota-discute)