Maria Elisa Curcio

Às Claras

Os profissionais de Relações Governamentais, assim com todos aqueles que enfrentam o desafio de acompanhar a atividade reguladora do Estado brasileiro, se deparam com a difícil tarefa de compreender a lógica do Direito Administrativo.
Por vezes, se argumenta que o Brasil deveria sistematizar o seu sistema de regulação à luz da legislação americana, em especial no tocante à dinâmica das agências reguladoras, bem como inspirar-se no Administrative Procedure Act. 
O objetivo do presente texto é apresentar de forma sucinta o Administrative Procedure Act e trazer para este espaço, ao ambiente do “RelGov”, tal provocação.
O exame de institutos do direito comparado deve ser cauteloso. Se possível, evitando a simples importação de conceitos, esquecendo de ambientá-los em características sociais, culturais históricas e econômicas da legislação paradigma. Por outro lado, fomentar a busca por boas práticas, oxigena o debate e, por vezes, traz luz a terrenos tão árduos.
Assim, comecemos a nossa jornada.
O Direito Administrativo no Brasil e nos EUA têm significados diferentes. Em especial porque o nosso direito traz evolução direta do Direito Romano, e o Norte-Americano é fundado no Common Law (Direito Consuetudinário ou, popularmente, “dos costumes”). 
Nos Estados Unidos, o Direito Administrativo é diretamente afeito ao estudo das normas que dispõem sobre as estruturas e o funcionamento dos órgãos reguladores estatais, bem como a atuação dos agentes públicos.
No Brasil, o Direito Administrativo, de forma bem simplória, pode-se dizer que remete a administração pública em geral. “Em geral”, pois este capítulo do Direito Brasileiro abarca tudo o que se refere à atividade da administração pública.
Ironicamente, os EUA, sendo uma nação de tradição liberal, no qual o Estado deve interferir minimamente na econômica, foi por meio das chamadas agências reguladoras que grandes eventos críticos econômicos foram superados. Naquele País, as agências reguladoras ganharam maior espaço em meio ao contexto histórico da Crise de 1929. Tal período, exigiu uma forma de regulação distinta da que era praticada até então.
O período pregresso à Grande Crise de 1929 refletiu décadas do chamado free and equal markets, nos quais a atividade do Estado se restringia ao que a doutrina liberal pregava: menos intervenção na economia.
O presidente Roosevelt se deparou com um País devastado e foi compelido a adotar medidas que visavam recuperar a economia por meio de investimentos públicos em tempo recorde, em especial na área de infraestrutura (altamente geradora de empregos e propulsionadora de cadeias produtivas longas).
Com a estabilização da economia norte-americana na década de 40, o modelo Keynesiano aplicado na década anterior, começou a ser duramente criticado. Deste amadurecimento, surgiu um novo marco que veio a ser criação de um estatuto do Direito Administrativo. Em 1946, foi editado nos EUA o chamado Administrative Procedure Act. 
A virtude desta norma está no fato de que ela representa um alicerce aplicado a todas as agências e órgãos reguladores daquele país para a execução de procedimentos/ processos administrativos, mas vai além: norteia a atividade legislativa da Administração Pública, delegada pelo Congresso Americano.
Aqui está o principal ponto de atenção: há um limite, um alicerce claro sobre a atividade legislativa como uma delegação do Poder Legislativo pelo qual se preza garantir a participação da sociedade por meio de mecanismos democráticos que garantam a participação popular na construção da norma. 
Esta garantia de participação da sociedade na construção da norma traz legitimidade a atividade legislativa das agências e órgãos reguladores, sem contar com o reforço da participação democrática da população. 
De acordo com o Administrative Procedure Act, as agências e órgãos reguladores devem respeitar um padrão de notificação pública como primeiro passo antecedente à confecção da nova regulamentação. Tal ato público, permite a qualquer interessado a participação no processo normativo. 
É parte da cultura normativa, por assim dizer, que os interessados no tema a ser legislado influenciem de forma transparente, legítima e direta com dados sociais e econômicos, apresentem estudos e documentos, apresentem oralmente as suas opiniões e convidem a sociedade a opinar. Tudo regido pela publicidade do ato administrativo, bem como fazendo valer a representação democrática outorgada pelo Congresso ao órgão regulador em questão.
Este modelo, diferentemente do que acontece por vezes em nosso País, permite uma maior democratização do ato regulatório, consentindo um maior grau de especialização já que se espera que para todos os atos, em contraponto ao especialista burocrata, existam manifestações da sociedade. 
O espírito de tal delegação da atividade legislativa tipicamente do Poder Legislativo (Montesquieu) se deve ao fato de que as agências reguladoras são compostas em seus quadros, por especialistas afeitos ao espectro do órgão. O que, portanto, confere a oportunidade da criação de textos mais específicos e adequados ao assunto em tela.
Assim como no Brasil, a possibilidade de acesso à revisão judicial tanto da decisão de um processo administrativo como de uma norma “ilegal”, é garantido pelo Administrative Procedure Act.
O que se diz é que, a partir do Administrative Procedure Act em 1946, as agências reguladoras nos EUA passaram a ter uma força e legitimidade amplos, em razão exatamente do controle procedimental de tal estatuto legal, sem contar com o que já foi dito quanto à democratização do acesso à confecção do ato normativo.
Isto traz uma maior independência das agências, quando comparadas com o modelo brasileiro. O que se observa e se extrai de tais características desses órgãos nos EUA, é que estes regulam praticamente todos os aspectos da vida dos cidadãos.
A conclusão de tais pinceladas é provocar a todos que atuamos na área de Relações Governamentais a promover uma proposta de reformulação do processo administrativo regulador em nossa País, mostrando que normas simples, mas diretas, auxiliarão a garantir a transparência e um acelerado amadurecimento da atuação das agências reguladoras no Brasil.

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JOTA

Um desafio para a área de Relações Governamentais

Atividade reguladora no Brasil

Este texto integra a cobertura de novos temas pela equipe do JOTA. Apoiadores participam da escolha dos temas, mas não interferem na produção editorial. [Conheça o projeto!](/pro#jota-discute)