RELAÇÕES GOVERNAMENTAIS

Como será a atividade de RelGov no pós-pandemia?

Pandemia mostrou que reuniões internas à distância funcionam, mas presença em Brasília seguirá essencial

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Crédito: Marcello Casal Jr./Agência Brasil
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Um gerente de uma usina chegava a viajar 400 quilômetros até Goiânia para participar de reuniões internas da Atvos, empresa produtora de etanol, açúcar, bioeletricidade e créditos de descarbonização. Com a pandemia, os encontros passaram a ser feitos de maneira remota. A prática, que se mostrou efetiva, deve se manter depois da pandemia. A gerente de relações institucionais e governamentais da Atvos, Fabiane Lazzareschi, que mora em São Paulo, também deve passar a viajar menos. “Viajava pelo menos uma vez por mês para Goiás, Mato Grosso e Brasília, mas essa rotina deve mudar, pois percebemos que as reuniões dos conselhos e dos grupos temáticos das entidades de classe se mostraram bastante eficazes com o uso da tecnologia”, diz.

No caso de Lazzareschi, as viagens poderão ser reduzidas, mas o corpo a corpo com assessores e tomadores de decisão sempre será parte fundamental da atividade. “Entendo que as audiências com autoridades devem voltar à normalidade no pós pandemia, principalmente para os setores mais impactados pelas crises sanitária e econômica e que possuem uma agenda jurídico-regulatória historicamente mais intensa, como é o caso do setor sucroenergético” explica.

Quem também deve passar a viajar menos é o gerente de assuntos governamentais da Volkswagen do Brasil, Luiz Henrique Maia Bezerra, que mora em Brasília: “Era comum eu entrar em um avião para ir para uma reunião de uma hora em São Paulo e vice-versa, o pessoal da fábrica vir aqui para reunião de uma hora. Os assuntos eram simples, não exigiam presença física nos locais. Isso com certeza vai mudar. Vamos ter um aumento significativo de reuniões online”.

A mesma expectativa é compartilhada pelo head de Relações Institucionais em Brasília do Santander, Marcelo Sperandio. “Eu ia para São Paulo semanalmente e acho que isso vai reduzir muito”, diz. “Acho que as empresas, no geral, vão começar a usar mais nas reuniões internas o recurso da videoconferência, o que não quer dizer que vão acabar as idas a São Paulo, no meu caso, onde está a sede da empresa”, avalia. “Algumas reuniões são estratégicas e é preciso estar presente para poder avaliar o cenário, trocar mais informações. Isso é importante e vai continuar”.

Já os profissionais de relações governamentais que são de fora de Brasília não devem ter a rotina de viagens muito alterada, uma vez que o corpo a corpo com tomadores de decisão vai continuar sendo fundamental. O superintendente de comunicação corporativa e relações governamentais do Itaú Unibanco, Leandro Modé, mora em São Paulo e, antes da pandemia, ficava dois dias por semana na capital do país, em contato direto com parlamentares. “As empresas em São Paulo tendem a ter menos reuniões presenciais do que elas tinham, mas não acredito que quando as coisas voltarem ao normal passaremos a ter menos presença no Congresso do que a gente tinha”, avalia. “Logo, a tendência é que eu volte a ir para Brasília com a mesma frequência de antes, já nossos colegas de Brasília provavelmente terão que vir menos para São Paulo”.

Modé revela que a pandemia, que forçou o home office e reuniões à distância, serviu como quebra de paradigma para ele em algumas práticas. “Eu sempre disse que, seja em comunicação corporativa, seja em relações governamentais, a gente está falando de áreas em que a base é relacionamento”, diz. “Por essa base ser de relacionamento, sempre resisti à adoção, por exemplo, de ferramentas como o home office”, lembra. “Acho que nada substitui o contato pessoal, especialmente para algumas atividades, mesmo para a parte comercial. Imagina você comprar um imóvel virtualmente. Acho que ainda carece do contato pessoal, do olho no olho”, destaca. “Essa pandemia me mostrou que eu estava parcialmente errado. Porque a minha atividade, seja ela em relações governamentais, seja ela em comunicação corporativa, continuou fluindo normalmente”.

Por enquanto, os contatos com tomadores de decisão, que antes eram feitos predominantemente presencialmente, ocorrem de forma remota. “Um novo hábito para mim são as reuniões virtuais com stakeholders políticos, uma prática que era incomum e que agora se tornou comum entre os profissionais da área”, conta Larissa Menezes, gerente de Relações Institucionais na Cervejaria Ambev. Antes, Menezes viajava ao menos uma vez por semana para algum estado ou município presente em seu escopo de atuação. Embora as reuniões à distância estejam funcionando, ela entende que certos temas exigem tratamento presencial. “Em temas mais complexos, que precisam de interlocução com vários atores, maior tempo de debate, envolvimento profundo do stakeholder na discussão, celeridade e impacto de decisão, é fundamental o contato presencial, olho no olho”.

Embora os parlamentares se mostrem abertos para diálogo, há respostas na interlocução digital que deixam mais dúvidas do que conclusões. “Às vezes você fala com o parlamentar por WhatsApp e ele simplesmente manda aquela mãozinha de ‘tá ok’, e você não sabe se ele gostou, se ele não gostou, se foi bom, se foi ruim”, diz Luiz Henrique Maia Bezerra, gerente de assuntos governamentais da Volkswagen do Brasil.

Bezerra lembra também que, no atual formato, as discussões no Congresso estão reduzidas e a maior parte dos parlamentares não participa dos debates. “Os parlamentares precisam se sentir atores vivos do processo, e eles não vão querer ser relegados ao segundo plano e ficarem à reboque dos líderes partidários”, explica. “Eles vão querer ter papel de destaque no processo. Esse papel de interlocução direta e franca continuará sendo muito necessário”.

A Nestlé Brasil tem buscado nos encontros digitais manter os protocolos que adota para marcar reuniões fisicamente com tomadores de decisão. “Estabelecemos todos os nossos contatos durante a quarentena com base nos contatos oficialmente divulgados”, destaca Helga Franco, gerente executiva de Assuntos Públicos da Nestlé. “Acredito que a mecânica para os ambientes virtuais deva também ser seguida como fazemos no formato de reuniões físicas, com agendamento formal, registros oficiais e interação com transparência”.

Para quem costuma ficar no corpo a corpo com deputados e senadores, a falta de contato nos corredores das comissões tem feito falta. “Quando estamos com o tomador de decisão, conseguimos colher muitas impressões na linguagem corporal, no tom de voz, na maneira como a pessoa fala. Virtualmente, isso é mais difícil”, afirma Andrea Hoffmann Formiga, sócia fundadora da Strozzi & Hoffmann Advogados. “Não imagino uma frequência menor no Congresso depois da pandemia. Tem sido muito difícil ficar longe, porque você não consegue chegar no parlamentar no corredor quando você às vezes precisa falar um minuto com ele. E às vezes ele não te dá atenção pelos meios digitais”.

Marcelo Sperandio, head de Relações Institucionais do Santander em Brasília, também entende que o calor do contato nos corredores do Congresso vai continuar sendo fundamental. “O Congresso vai continuar sendo o Congresso que era de antes, com muita gente circulando, as pessoas participando do processo, audiências públicas cheias, comissões com manifestações”, diz. “Isso é uma demonstração de força da democracia, as pessoas querem participar, os representantes da sociedade civil querem estar presentes, e eles vão estar presentes, acredito nisso”.

Atividades no Congresso

A Câmara dos Deputados e o Senado seguem sem uma previsão formal de quando vão voltar a ter trabalhos presenciais e deliberação em comissões.

Parlamentares, assim como profissionais de relações governamentais e institucionais, não preveem mudanças na dinâmica do Congresso no retorno.

“Acredito que as sessões presenciais não sofrerão nenhum tipo de refugo. Acho que quando reiniciadas, elas vão ganhar fôlego e vão tornar o debate no Congresso ainda mais aceso do que normalmente costuma ser”, diz o senador Fernando Collor de Mello (PROS-AL).

A deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) sente falta das articulações presenciais. “Tem coisas que só a atividade presencial pode suprir. A distância dificulta muito a articulação, fora que a participação em comissões é muito importante para quem tem pautas específicas como eu, com temas de mulheres”, destaca. “Há muita perda política nessas atividades online, onde se faz tudo à distância, porque nossa capacidade de intervenção e obstrução é muito reduzida”.

A expectativa do deputado Zeca Dirceu (PT-PR) é que as atividades presenciais no Congresso só sejam retomadas no ano que vem. O parlamentar pretende manter por tempo indeterminado as reuniões à distância de seu gabinete. “Eu vou com certeza mudar a forma das minhas atividades, já mudei e isso vai se manter por muito tempo, todas elas à distância, jamais com aglomeração de pessoas”, afirma.

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