Estúdio JOTA

A regulamentação do aluguel por temporada e suas oportunidades econômicas.

Aluguel por Temporada

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) retoma, em 1º de outubro, o julgamento do recurso de um condomínio residencial, em Minas Gerais, contra uma decisão que permitiu o aluguel por temporada de um apartamento no estado. O caso em questão é o REsp 1.954.824. 
Anteriormente, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) havia decidido que é ilegal a proibição – imposta pelo síndico do condomínio – da locação temporária do imóvel, ainda que contabilizada por diárias. O entendimento era que a proibição privaria a proprietária do apartamento do seu exercício regular do direito de propriedade.
Já o condomínio alega que a convenção interna estabelece que o edifício é destinado exclusivamente para fins residenciais, e que é proibido o uso dos apartamentos para exploração de qualquer ramo de comércio. Ainda de acordo com o condomínio, a utilização de uma plataforma de locação caracterizaria natureza comercial e não se confundiria com locação por temporada.
O aluguel por temporada no Brasil é regulado pela Lei do Inquilinato (Lei 8.245/1991) e não configura atividade comercial hoteleira, que é regulamentada pela Lei Geral do Turismo (no artigo 23) e envolve essencialmente a prestação de serviços de hospedagem. 
O julgamento recomeçou com idas e vindas neste ano. Em junho, o relator do processo no STJ, ministro João Otávio de Noronha, votou dando provimento ao recurso do condomínio residencial. 
O ministro entendeu que a locação realizada pela proprietária é equivalente à locação residencial por temporada do artigo 48 da Lei do Inquilinato. E que, portanto, não fere a norma do condomínio que prevê destinação apenas residencial dos apartamentos. Contudo, o relator  entendeu que a alta rotatividade de pessoas tem potencial de afetar a segurança e o sossego dos condôminos, o que poderia justificar eventuais restrições impostas pelo condomínio
Na ocasião, o julgamento foi suspenso por um pedido de vista do ministro Marco Buzzi. No último dia 10 de setembro, Buzzi apresentou um voto para negar provimento ao recurso especial e manter a decisão do TJMG. O ministro concordou com o relator no sentido de que a locação realizada no caso é residencial e se enquadra como locação por temporada, mesmo com utilização de plataforma digital e com a oferta de comodidades. 
Além disso, o ministro Buzzi afirmou que a proibição violaria o direito constitucional à propriedade e frustraria as justas expectativas do adquirente do imóvel. Também disse que um condomínio somente poderia proibir a locação por temporada se houvesse alguma prova de que tal prática tem causado prejuízos recorrentes ao sossego, à salubridade e à segurança dos condôminos – o que não foi verificado no caso concreto.
<h3>O aluguel por temporada no STJ</h3>
O STJ já se debruçou sobre o assunto em casos específicos – com decisões aplicáveis somente a eles. Em novembro de 2021, por exemplo, a 3ª Turma do STJ negou recurso de um proprietário que pedia a anulação da convenção de condomínio residencial que proibiu o aluguel por temporada dos apartamentos por períodos inferiores a 90 dias. 
Os ministros concluíram que o condomínio pode, com 2/3 de todos os condôminos, proibir a locação de unidades por curto período, desde que observadas as formalidades  previstas na convenção condominial – REsp 1.884.483. O acórdão do caso teve sua ementa original modificada após julgamento dos embargos de declaração opostos pelo Airbnb em maio de 2022, destinados a aclarar o entendimento da Turma – EDcl no REsp 1.884.483.
Predominou na 3ª Turma o entendimento de que a modalidade de locação realizada naquele caso, inclusive mediante plataformas digitais, é compatível com a destinação residencial das unidades autônomas do condomínio. Também se entendeu que atividade consiste em locação por temporada, se enquadrando no artigo 48 da Lei do Inquilinato.
A questão é que há ainda o direito constitucional à propriedade – expresso no artigo 5º, inciso 12 da Constituição. “O condomínio só tem competência para limitar esse direito se houver prejuízo à saúde, à segurança ou ao sossego. Ou seja: os condomínios não podem proibir um proprietário de locar o próprio apartamento”, explica Jorge Cesa, advogado de Contencioso e Arbitragem do Souto Correa Advogados.
Além disso, a Lei do Inquilinato, que regula os alugueis por temporada, impõe prazo máximo de 90 dias para este tipo de locação. “Como não há qualquer menção a prazo mínimo, pode ser até mesmo por algumas horas. Em relação ao argumento de que a rotatividade de locatários representa risco à segurança do condomínio, essa possibilidade já existia antes das plataformas online, que exigem identificação dos locatários, com pagamentos antecipados por meios eletrônicos”, adiciona o especialista.
A 4ª Turma do STJ também já lidou com o tema em ocasiões passadas. Em abril de 2021, ela negou recurso de uma proprietária de três apartamentos (transformados em hostel) de um edifício contra decisão que proibiu o aluguel de quartos e prestação de serviços, como lavanderia e café da manhã, por temporada. O caso está no REsp 1.819.075. 
Mas, como se tratava de um caso específico de locação não residencial, a decisão não é definidora para outros julgamentos do STJ, por exemplo. “Essa não é a realidade usual da locação por temporada em plataformas como o Airbnb”, completa.
No julgamento deste ano, em seu voto, o ministro Marco Buzzi esclareceu que, nos dois Recursos Especiais já julgados, o STJ não proibiu o uso de plataformas digitais para locação de imóveis de caráter residencial. 
Ele ainda destacou que, sob o ponto de vista jurídico, é irrelevante o fato de os negócios terem sido firmados por meio de plataforma ou por qualquer outro meio. O ministro também esclareceu que, diferentemente do que chegou a ser noticiado por alguns veículos da imprensa, o STJ não considerou que as locações estabelecidas por intermédio da plataforma se equiparariam à atividade comercial hoteleira. 
“Nenhum dos julgados proferidos por essa Corte Superior sequer tangenciou eventual ilegalidade na utilização de plataformas digitais para locação, por temporada ou não, de unidades residenciais”, ressaltou o ministro.
Após o voto de Buzzi, o relator, ministro João Otávio de Noronha, pediu vista regimental para analisar um argumento de fato levantado por uma das defesas de que, no caso, o condomínio não chegou a aprovar alteração da convenção para proibir o aluguel por temporada mediante assembleia com mais de 2/3 dos condôminos.
<h3>O aluguel por temporada na lei</h3>
As locações de imóveis por temporada são regulamentadas pela Seção II da Lei do Inquilinato. No artigo 48, fica claro que a locação por temporada é aquela “destinada à residência temporária do locatário, para prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel, e outros fatos que decorrem tão-somente de determinado tempo, e contratada por prazo não superior a 90 dias, esteja ou não mobiliado o imóvel”. 
Nessa linha, a curta estadia é uma das premissas, mantendo o caráter residencial do imóvel. É isso o que propõe o aluguel por temporada via Airbnb, plataforma desenvolvida para que viajantes em busca de acomodação se conectem diretamente a pessoas interessadas em alugar seu quarto ou imóvel disponível. Neste tipo de locação, os hóspedes não dispõem de serviços oferecidos em hotéis, como serviços de copa, lavanderia, e recepção, por exemplo. 
“O curto período da estadia ou a alta rotatividade de locatários são fatores que não alteram a destinação do uso do bem, que continua a ser residencial. Somente haveria alteração da destinação se a unidade autônoma fosse afetada a uso distinto da moradia (transitória ou permanente) do seu ocupante, como na hipótese de locatário que instala ali um fundo de comércio ou uma indústria”, <a href="https://www.jota.info/coberturas-especiais/aluguel-por-temporada/aluguel-por-temporada-e-amparado-pela-legislacao-brasileira">explicou Anderson Schreiber, professor titular de Direito Civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), em entrevista ao JOTA</a>. 
Nos estados, tribunais de Justiça já se manifestaram no sentido de reconhecer que locações por temporada por meio de plataformas como o Airbnb não configuram serviço de hotelaria e não podem ser proibidas. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) decidiu que o proprietário não exercia serviço de hospedagem ao locar seu imóvel para um hóspede via Airbnb (acórdão 1014407-38.2021.8.26.0008). 
Em outra decisão, o TJSP deliberou que condomínios não podem impedir anfitriões no Airbnb de alugarem seus imóveis sob o fundamento de que seriam locações tipo hotelaria, visto que esta locação tem natureza residencial e não se confunde com serviços hoteleiros (processo 1009601-48.2016.8.26.0100).
O Tribunal de Justiça de Pernambuco resolveu que um condomínio não poderia proibir locação via plataforma por supostas questões de segurança (processo 0010415-72.2012.8.17.0810). A Justiça ponderou que a locação por  meio do Airbnb é segura, por ser possível identificar e responsabilizar hóspedes que causem problemas. 
Já o Tribunal de Justiça do Distrito Federal entendeu que um condomínio não pode convocar assembleia para proibir anúncios de imóveis no Airbnb, o que seria uma proibição desarrazoada e desproporcional (processo 0005572-71.2017.8.25.0000).

lotus-design-n-print-McmcjgGk8uM-unsplash

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Modalidade de locação é autorizada pela Lei do Inquilinato, pelo Código Civil e pelo direito à propriedade garantido na Constituição

STJ retoma julgamento sobre permitir aluguel de apartamento por temporada

Este texto foi elaborado e/ou editado pelo patrocinador