Veículos de carga

Metodologia do MPF sobre excesso de peso de eixos superestima danos, diz parecer

É necessário aprimorar, conceitual e empiricamente, a análise econômica apresentada nesses documentos, afirma pesquisador

Crédito: Gervásio Batista / Agência Brasil

A responsabilidade dos danos provocados por veículos de carga que trafegam com excesso de peso em rodovias federais não deveria recair apenas sobre os caminhoneiros, embarcadores e empresas do agronegócio. Para especialistas do setor, é consenso de que os cálculos feitos pelo Ministério Público Federal (MPF) para embasar ações contra essas empresas têm problemas metodológicos e deveriam passar, antes de mais nada, por uma análise econômica detalhada sobre o tamanho das malhas rodoviária e ferroviária no país, além do tamanho da frota de veículos de cargas pesadas e evolução dos investimentos públicos feitos ao longo dos anos.

Para Armando Castelar Pinheiro, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV-IBRE) e professor do Instituto de Economia da UFRJ, as metodologias utilizadas pelo MPF para calcular esses danos não colocam em perspectiva a falta de investimentos em infraestrutura das rodovias, que data desde a década de 1970. 

A título de exemplo, a Justiça de Campinas, no interior de São Paulo, condenou em 2019 duas empresas a arcar com os danos materiais e morais pelo tráfego de veículos de carga com excesso de peso em rodovias federais entre 2010 e 2014. As empresas foram condenadas a pagar R$ 3 milhões em danos materiais e morais  – com base nos pedidos do MPF.

O documento ”A Questão do Peso por Eixo no Transporte Rodoviário de Cargas”, de dezembro de 2020, do qual Castelar é autor, afirma que o Parecer Técnico nº 73/2015, do MPF, superestima, por exemplo, o quanto o excesso de peso aumenta a probabilidade de acidente. ”Basta ver que, mesmo que todos os acidentes fatais em rodovias federais tivessem sido causados por veículos pesados, o que é um claro exagero, ainda assim a probabilidade de uma viagem realizada por um veículo pesado em rodovia federal em 2014 resultar em um acidente com vítima fatal seria de 0,00096%”.

O autor ainda coloca em xeque os três tipos de danos mapeados pelo MPF que supostamente o excesso de peso desses veículos nas rodovias causaria, são eles:

  • dano material, resultante do impacto sobre a qualidade do pavimento; 
  • dano à segurança de tráfego, pelo maior risco de acidentes;
  • dano concorrencial, devido ao sobrepeso poder acirrar um tipo de concorrência nociva entre os transportadores;

Em relação ao dano concorrencial, o MPF propõe o seguinte cálculo: 

𝐷𝑎𝑛𝑜 𝑐𝑜𝑛𝑐𝑜𝑟𝑟𝑒𝑛𝑐𝑖𝑎𝑙 = 𝑡𝑎𝑚𝑎𝑛ℎ𝑜 𝑑𝑜 𝑒𝑥𝑐𝑒𝑠𝑠𝑜 𝑑𝑒 𝑝𝑒𝑠𝑜 ሺ𝑒𝑚 𝑡𝑜𝑛ሻ ∗ 𝑅$182 ∗ 𝑚𝑢𝑙𝑡𝑖𝑝𝑙𝑖𝑐𝑎𝑑𝑜𝑟 𝑑𝑒 𝑡𝑎𝑚𝑎𝑛ℎ𝑜 𝑑𝑎 𝑒𝑚𝑝𝑟𝑒𝑠𝑎

Esse cálculo proposto pelo MPF, afirma Castelar, não oferece uma razão econômica para se medir o dano que afirma existir. Ou seja, não define quem incorre no dano, como ele afeta as partes, se é uma perda de bem-estar do consumidor, destruição de capital, despesas que precisam ser incorridas pelo setor público. O que os dados mostram, porém, é que nos últimos anos ocorreu uma retração da frota dos transportadores autônomos, entre os quais a informalidade é maior e os veículos são mais antigos. Sendo assim, uma lógica inversa à retratada pelo órgão público.

A raíz do problema: a falta de investimentos

Mesmo que os relatórios do MPF levantem questões interessantes sobre o tema, escreve o autor, a conclusão principal do parecer é que, para avaliar os danos causados pelo excesso de peso no transporte rodoviário de cargas, e para avaliar a conformidade das penalidades previstas em lei com esses danos, seria necessário aprimorar, conceitual e empiricamente, a análise econômica apresentada nesses documentos. Mais uma vez, retornamos à raiz do problema: a falta de investimentos.

Assim como Thiago Pera, da Esalq/Log, e Gesner Oliveira, da FGV, Castelar acredita que a falta de investimentos explicam a lenta expansão e a má qualidade das rodovias. ”Fica claro que já há bastante tempo há uma tendência de regressão na disponibilidade de infraestrutura de rodovias, quando considerada como proporção do tamanho da economia, de outra forma já evidente na comparação entre as evoluções da extensão da malha rodoviária e do PIB e dos indicadores do setor de transporte rodoviário de carga”.

Nesse sentido, o autor, além de criticar a metodologia utilizada pelo MPF, também traça um importante histórico sobre a utilização das rodovias pelas empresas do agronegócio, com a crescente necessidade do setor em transportar a produção agrícola, seja ela processada, vendida ou exportada. Segundo ele, em estados mais a Oeste e a Norte do Brasil o setor ferroviário é ainda menos desenvolvido do que em outras regiões. Entre 1980 e 2019, a malha rodoviária federal pavimentada teve expansão média de apenas 0,8% ao ano, de 47,5 mil para 65,4 mil km, – no mesmo período, o PIB brasileiro cresceu em média 2,2% ao ano.

Os números reforçam o fato de que enquanto o agronegócio cresceu expressivamente nos últimos anos, o mesmo fenômeno não ocorreu com a infraestrutura rodoviária. Entre 1997 e 2018, a malha pavimentada administrada pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) foi expandida em apenas 0,96% ao ano. E não para por aí: estudos mais recentes mostram, ainda, que a pandemia da Covid-19 reforçou a necessidade brasileira por investimentos em infraestrutura. Agora, para dar um salto de competitividade, o país precisa dobrar o valor aplicado em melhorias.

Além de expandir o tamanho das rodovias, é necessário aprimorar a manutenção das já existentes. Estima-se que a malha rodoviária federal deprecia 0,083% do PIB ao ano, contra um gasto médio anual com manutenção e conservação de apenas 0,071% do PIB ao ano. Ou seja, afirma Castelar, o gasto não compensa a depreciação, de forma que não é possível reparar os problemas antigos e muito menos fazer frente à expansão do transporte rodoviário de cargas e da frota de veículos.

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