
Se o sistema de multas por excesso de peso de eixos no transporte de carga acompanhasse a opinião de especialistas, a realidade para os embarcadores de agronegócios e caminhoneiros seria bastante diferente. Isso porque, na visão desses profissionais, há uma série de fatores externos que devem ser levados em conta na hora de reconhecer um culpado para essa questão, como a precariedade das rodovias na qual esses veículos de carga transitam, a heterogeneidade da frota e, principalmente, uma mudança urgente nas políticas públicas e investimentos em infraestrutura.
Gesner Oliveira, coordenador do Centro de Estudos de Infraestrutura e Soluções Ambientais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), explica que muitos dos desgastes nas rodovias brasileiras ocorrem por falta de investimentos no modal. ”Essa questão envolve uma mudança nas políticas públicas, com um sistema mais adequado de pavimentação e controle de peso”, afirma.
O ”Parecer Econômico Acerca da Questão do Excesso de Peso por Eixo no Transporte Rodoviário de Cargas”, de março de 2021, que tem Oliveira como um dos autores, afirma que o posicionamento do Ministério Público Federal no parecer nº 73/2015, ao apontar o excesso de peso por eixo como o principal causador das más condições das rodovias, desconsidera uma série de aspectos relevantes para a análise do caso em questão, ”dentre eles a condição das rodovias federais, a ausência de investimentos em infraestrutura rodoviária, a complexidade operacional do controle de peso por eixo pelo embarcador e os inúmeros fatores de influência no sobrepeso”.
“É substancialmente restrita a forma de controle por parte dos embarcadores sobre a pesagem dos veículos carregados. Tal controle se dá principalmente via verificação das notas fiscais e tickets de pesagem das operações de transporte, além das atividades relacionadas à constante aferição e à calibração dos equipamentos de pesagem. Tais fatores foram totalmente desconsiderados pelo MPF e são evidências contrárias às premissas adotadas no PT MPF nº 73/2015”.
O Ministério Público Federal chegou a apontar que o excesso de peso por parte dos embarcadores configuraria um ilícito antitruste, argumento que, como mostrou a GO Associados, não se sustenta. A conduta não se enquadra no que está disposto no artigo 36 da Lei de Defesa da Concorrência. ”Não há, portanto, que se falar em dano à concorrência pela prática de excesso de peso no transporte rodoviário de carga”, afirma.
Oliveira, assim como Thiago Péra, da Esalq/Log, acredita que uma saída viável para o problema seria um aumento considerável nas concessões e parcerias público-privadas para se ter um avanço no sistema e na capacidade rodoviária do país. ”Quando comparamos a qualidade das estradas de São Paulo com outras regiões do país fica evidente a eficácia desse modelo [de concessões público-privadas]”, diz. Essas mudanças, se adotadas, prevê Oliveira, diminuem o desgaste no pavimento e reduz o perigo de acidentes nas rodovias.
Brasil necessita de investimentos em infraestrutura
O setor de agronegócios é um dos principais dependentes da malha rodoviária no país: boa parte dos produtos utilizados na alimentação dos brasileiros, como café, cana-de-açúcar, milho e feijão viajam longas horas nas estradas para chegar até as centrais de abastecimento. Além disso, o apetite estrangeiro pelas commodities agrícolas do país vem crescendo ano a ano, o que mais uma vez reforça a dependência logística.
Apesar da importância do modal para o setor, há uma baixa oferta de rodovias pavimentadas no país, que chegam a 13,5%, segundo dados da Confederação Nacional de Transportes (CNT). Ao todo, a oferta de infraestrutura de transporte no Brasil apresenta 1,563 milhão de quilômetros de rodovias, 30 mil quilômetros de ferrovias e 41,6 mil quilômetros de hidrovias navegáveis. Desse total de ferrovias apenas um terço se encontra em operação comercial e dos mais de 41 mil quilômetros de hidrovias, apenas 52,9% são navegáveis.
Como agravante desse cenário, um estudo elaborado pela consultoria Pezco Economics, mostrou que os investimentos em infraestrutura recuaram de R$ 122,4 bilhões para R$ 115,8 bilhões em 2020 em razão da pandemia de coronavírus – o que representa uma fatia, proporcional, de 1,55% do Produto Interno Bruto (PIB). O levantamento também mostrou que, para suprir os gargalos logísticos e colocar a infraestrutura do Brasil entre as 20 melhores do mundo, o país precisaria desembolsar cerca de R$ 339 bilhões por ano.
É consenso entre especialistas em Economia e Logística do Agronegócio que a saída para que o país siga crescendo é a de aumentar os investimentos em infraestrutura. O documento ”Parecer Econômico Acerca da Questão do Excesso de Peso por Eixo no Transporte Rodoviário de Cargas”, que contou com Oliveira entre os autores, mostra que ainda que a introdução de boas práticas e investimentos em tecnologia seja benéfica para os embarcadores e caminhoneiros, a solução depende acima de tudo, de política pública: ”Desde 2014, note-se importante mudança no patamar de desembolsos do governo federal. A CNT considera que a questão fiscal foi decisiva para o agravamento do déficit de investimentos. As ineficiências de gestão, no entanto, também contribuíram para esse cenário por dificultarem a execução física das intervenções e a execução orçamentária dos recursos”, escrevem.
Ao se levar em conta a restrição fiscal do país, a CNT detalhou algumas propostas para a melhoria da malha rodoviária do país:
- Remodelagem de concessões rodoviárias;
- Aumento dos recursos disponíveis no orçamento para investimentos em infraestrutura rodoviária;
- Promoção de projeto de aumento de segurança nas rodovias brasileiras, com recursos do Fundo Nacional de Segurança e Educação de Trânsito (Funset);
Com a adoção de tais mudanças, explica Oliveira, o papel do governo e dos embarcadores se torna mais claro, com o estabelecimento de normas para que haja uma correta alocação de responsabilidades dos agentes responsáveis pela manutenção da segurança no tráfego e pela utilização da via. É uma saída em que todos saem ganhando, o que, também, reduz a atual insegurança jurídica.