Veículos de carga

Agronegócio e os desafios de logística no Brasil

Ao responsabilizar o embarcador pelo excesso de peso por eixo, a lei o encarrega da fiscalização que deveria ser do estado

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Gabriel Santos/Unsplash

O Brasil é um país de dimensões continentais, isso é um lugar comum, ainda assim muito verdadeiro. Favorecido por um relevo amigável, um extenso litoral e cortado por rios navegáveis, o país teria todas as condições para criar um sistema de logística favorável ao escoamento e exportação dos produtos do agronegócio, mesmo quando produzidos no interior do território brasileiro.

Em um cenário ideal, os desafios das áreas de logística das companhias envolvidas no agronegócio, da indústria de insumos às trading companies, deveria ser buscar as melhores rotas e negociar os melhores fretes.

Todavia, o Brasil fez historicamente uma opção pelo modal rodoviário desde o governo Vargas (1932), com a criação do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, passando pela atração e implantação da indústria automobilística nos anos 50 e os incentivos para modernização da frota nos anos recentes.

O transporte rodoviário de cargas representa aproximadamente 60% de toda a carga transportada no país e mesmo os demais modais, ferroviário e aquaviários, acabam sendo dependentes, em certa medida, do transporte rodoviário dado que aqueles modais anteriores não tem malha pulverizada o suficiente para alcançar os vários centros produtores.

Assim, levar a soja, o milho, o algodão, o café, da fazenda para o porto de onde essas commodities serão exportadas para o mercado internacional, implica em buscar também a melhor composição dos diferentes modais, acrescentando mais um item ao desafio para as áreas de logística. A prevalência do modal rodoviário, no entanto, é inquestionável e inafastável, mas também é o mais ineficiente e caro, à exceção do transporte aéreo que não se presta ao transporte de outros produtos agropecuários senão aqueles que se estragam rapidamente, como flores e frutas.

Ainda que o Brasil continue competitivo no agronegócio em comparação com seus competidores diretos (EUA, Austrália, Argentina e Canadá), esse custo logístico no Brasil no final do dia diminui a rentabilidade do produtor.

Não fora o bastante, o estado brasileiro parece ainda se esforçar para tornar a situação ainda mais desafiadora.

Ignorando, por ora, as falhas do Poder Executivo, no que se refere à questão da conservação das principais estradas brasileiras como a BR 163, por exemplo, ou da falta de estrutura de apoio aos caminhoneiros, como locais de parada e descanso ao longo das principais vias, outros fatores tornam o transporte rodoviário ainda mais complicado do ponto de vista dos embarcadores, fatores estes que podem ser resumidos na transferência para esses embarcadores da responsabilidade que deveria ser do Estado ou das próprias transportadoras, o que vem sendo realizado de forma impensada e imprudente pelos Poderes Legislativo e Judiciário.

Um bom exemplo disso trata-se do art. 257, parágrafos 4º e 6º, do Código de Trânsito Brasileiro (“CTB”), que, ao estabelecer a responsabilidade solidária do embarcador nos casos de excesso de peso por eixo, ou peso bruto total, também transfere ao embarcador a responsabilidade pela fiscalização que deveria ser do estado.

A essa disposição específica da legislação, há que se fazer referência à atuação do Ministério Público Federal e do Poder Judiciário como ampliadores dos desafios para os embarcadores, na medida em que, ampliando a interpretação da legislação, vêm penalizando as empresas com decisões que criam novas e inusitadas, quando não inconstitucionais, obrigações aos embargadores.

Com efeito, desde o ano de 2012, o Ministério Público Federal vem instaurando inquéritos civis e ajuizando ações civis públicas contra as empresas que se servem das rodovias federais para escoar sua produção e produtos, que, inicialmente ajuizadas no Distrito Federal, se proliferaram pelos mais diversos estados da Federal, objetivando o pagamento de milionárias indenizações por danos materiais e morais, em função de supostos danos ocasionados às rodovias federais decorrentes do tráfego com excesso de peso bruto e/ou por eixo. A par disso, referidas ações contém em seus pedidos o pagamento de uma multa judicial, que tem variado de R$ 10 a R$ 50 mil reais, estipulada sem qualquer critério técnico e/ou jurídico, a ser aplicada, de forma eterna, a cada nova autuação por excesso de peso cometida pelas empresas. 

Não contente com o valor das multas administrativas previstas pelo CTB para o tráfego com excesso de peso, seja ele bruto ou por eixo, o Ministério Público encontrou uma forma alternativa de majorar de forma exponencial o valor de referidas multas, em clara ofensa aos princípios da separação dos Poderes e da segurança jurídica. De se observar que os valores das multas judiciais estabelecidas tanto pelo Ministério Público, quanto pelo Poder Judiciário, além de totalmente arbitrárias e sem respaldo em critérios minimamente objetivos, se mostram infinitamente mais gravosas que as próprias multas previstas no CTB. 

Mais grave do que a forma pela qual o Ministério Público vem atuando, fazendo uso dos inquéritos civis e das ações civis públicas como forma transversa de criar uma legislação paralela e própria, é o aval que vem sendo dado a referida conduta pelo Poder Judiciário. No caso das ações civis públicas por tráfego com excesso de peso, a despeito da total ausência de prova dos alegados danos às rodovias federais e, sobretudo, do nexo de causalidade de referidos danos com qualquer conduta que possa se atribuir às empresas, o Poder Judiciário tem dado mostras de sua simpatia com a tese, sobretudo com relação à aplicação da multa judicial a cada nova infração por excesso de peso.

O que parece passar desapercebido, é que o tráfego com excesso de peso, seja ele bruto ou nos eixos, não representa nenhuma vantagem para os transportadores e embarcadores. Pelo contrário, gera apenas desvantagens, na medida em que: (i) paga-se pelo tanto que se transporta, de modo que eventual prática sistemática de excesso de peso não implicaria qualquer economia de custos; (ii) quase a totalidade das autuações decorre de excesso de peso por eixo, a revelar que não existe a intenção de se transportar quantidade maior de carga do que o globalmente permitido; (iii) comparativamente ao total de saídas, que chega à ordem das milhares por semana, é irrisório o número de autuações (1,5%), também se evidenciando, com isso, que o excesso de peso não traduz um modus operandi empresarial, tampouco a causa para as condições inadequadas das rodovias federais.

O desgaste das rodovias já foi objeto de inúmeros estudos técnicos, que apontam para uma multiplicidade de fatores, dentre eles: (i) falhas na elaboração dos projetos; (ii) falhas na execução das obras; (iii) ausência de manutenções preventiva e corretiva; (iv) aferição periódica de balanças; (v) frota de caminhões diversificadas; e (vi) fatores climáticos e temporais.

De se destacar igualmente que são dois os tipos de infração por sobrecarga: o excesso de peso pela carga total bruta (PBT) e o excesso de peso por eixo (PPE), sendo que na grande maioria dos casos os embarques acontecem com todas as cautelas, respeitando-se ambas as determinações normativas. As empresas – notadamente as grandes – costumam ter balanças na saída de suas instalações, mas fatores alheios aos transportadores e embarcadores, como é o caso, por exemplo, do tipo de carga, do deslocamento da carga, de irregularidades nas estradas e de condições climáticas, acabam por propiciar, em casos percentualmente isolados ou pontuais, o excesso de peso por eixo. 

A sensibilidade do tema se comprava pelo fato de que no ano de 2021 foi promulgada a Lei nº. 14.229, que adotou duas importantes medidas: (i) liberou a pesagem de caminhões de até 50 t, que representam grande parte da frota brasileira; e (ii) aumentou a tolerância do excesso de peso no eixo em 25%, subindo-a de 10% para 12,5%. 

O que se tem verifica, portanto, é a demonização do setor privado, sem bases efetivas, concluindo-se, a partir daí, que qualquer conduta infracional no âmbito administrativo constitui medida dolosa e imbuída de intenção de causar danos a direitos privados e coletivos.  

Referidas ações são apenas um pequeno exemplo da indevida e nefasta interferência que os diversos setores da economia veem sofrendo por parte do Ministério Público e do Poder Judiciário, sem contar os problemas advindos dos Poderes Executivo e Legislativo, a criar incertezas ainda maiores sobre a capacidade de o setor privado, já tão assolado pela crise política e econômica do país, se manter em desenvolvimento.