
Não é de hoje que se debate sobre o peso máximo por eixo no transporte rodoviário de cargas, especialmente pela importância assumida por referido modal de transporte no País, que responde pela movimentação de mais de 60 % das cargas via terrestre, segundo dados da Confederação Nacional dos Transportes (CNT). Os problemas são inúmeros e podem ser assim resumidos: falta de investimento em infraestrutura de rodovias; alto custo logístico; e idade média da frota de veículos – o que influencia, diretamente, a forma que a carga se comporta no interior dos veículos.
No agronegócio a discussão ganha relevância: quase toda a produção de grãos é escoada por transporte terrestre. Com efeito, tendo em vista que o embarque dos produtos ocorre no interior das fazendas em todo o território nacional, muitas vezes trafegando em estradas em péssimo estado de conservação – e relembrando que a frota de veículos de transporte no país é antiga, com veículos não adaptados para reduzir a movimentação de mercadorias em seu interior –, está havendo um número significativo de multas aplicadas aos embarcadores em virtude de alterações verificadas nos pontos de pesagem dos veículos de carga.
Apontadas penalizações têm gerado um cenário de insegurança jurídica. Os embarcadores, apesar de realizar um rigoroso controle pelo peso bruto total nos embarques rodoviários de carga, acabam sendo multados pelo excesso de peso por eixo verificados nos pontos de pesagem no país. O fato é inconteste e esbarra em importante e sensível ponto, uma vez que a maioria esmagadora das multas aplicadas ocorrem por variação no peso por eixo (PPE) e não no peso bruto total (PBT) que, majoritariamente, encontra-se dentro dos limites regulamentares. O exposto leva à conclusão de que as variações de peso são pontuais e, mais, ocorrem, em sua maioria, por movimentação da carga ou em decorrência de características da própria mercadoria transportada.
A celeuma é tão grande que, recentemente, o Governo Federal, por meio da Medida Provisória nº. 1.050 de 2021, convertida na Lei nº. 14.229 de 2021, alterou o disposto no artigo 1º da Lei nº. 7.408, de 1985, aumentando a tolerância máxima de 10% para 12,5% sobre os limites de peso bruto transmitido por eixo de veículos à superfície das vias públicas. A situação desenhada, por seu turno, gerou diversas críticas de entidades representativas do setor produtivo, dos embarcadores e, ainda, de entidades envolvidas na preservação das vias terrestres no País. Alia-se a isso o fato de a variação no peso bruto total permanecer inalterada, o que reforça não ser o problema desenhado uma tentativa fraudulenta do embarcador de transportar carga superior ao limite legal.
Apesar dos esforços do Governo Federal e do Congresso Nacional na aprovação da recente alteração, fato é que, do ponto de vista do Direito Regulatório, a solução não é a ideal, posto que resolve um problema pontual, sem atacar o cerne da discussão, muito mais complexo que a simples movimentação da carga no interior de veículos de transporte.
Do ponto de vista do Direito Regulatório, o cenário ideal considera o mínimo de previsibilidade, ou melhor, de segurança jurídica que, de acordo com José Afonso da Silva[1], ” consiste no ‘conjunto de condições que tornam possível às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das consequências diretas de seus atos e de seus fatos à luz da liberdade reconhecida’. Uma importante condição da segurança jurídica está na relativa certeza que os indivíduos têm de que as relações realizadas sob o império de uma norma devem perdurar ainda quando tal norma seja substituída”.
Em suma, o princípio da segurança jurídica pressupõe previsibilidade e coerência na interpretação e aplicação das leis sobre os jurisdicionados, influenciando toda a cadeia produtiva que é extremamente necessária para o desenvolvimento do país. Sendo impossível esquecer que os investimentos são diretamente proporcionais à previsibilidade e estabilidade das relações jurídicas que permeiam e alicerçam a cadeia.
A definição acima é de fundamental relevância para a compreensão da causa, uma vez que a adoção de soluções pontuais, por melhor que seja a intenção, quase sempre é incapaz de dar cabo ao problema e culmina em consequências negativas e injustas para algumas (se não todas) das partes envolvidas, que se deparam com mudanças nas regras do jogo no meio de uma relação iniciada sob a égide de um ordenamento jurídico já não mais existente.
Assentadas tais premissas, é preciso se admitir que, para que o assunto seja tratado com a seriedade que merece, a demanda não mais deve ser tratada como política do Governo, mas sim, observada pela ótica de política de Estado, com continuidade e consistência, agindo sempre ao lado do Governo, mas sem alterações substanciais em sua essência, eis que se trata da busca de uma melhoria contínua nos processos e procedimentos.
Dito isso, uma vez identificados os problemas, cabe ao Poder Público chamar representantes de todas as categorias envolvidas, de forma a se buscar a melhor solução possível ao caso. Com efeito, uma vez que o assunto envolve produtores rurais, embarcadores, transportadores autônomos, transportadores vinculados a cooperativas de transportes, transportadores empresários, representantes de concessionárias de rodovias, entre outros, é imprescindível a participação de todos esses na busca de uma solução definitiva.
Soluções “fáceis” como aplicação indiscriminada de multas ou proibição de circulação de determinadas categorias se mostram injustas e desarrazoadas, servindo apenas para aumentar, ainda mais, os custos logísticos na produção agrícola do País, reduzindo a competitividade, encarecendo o alimento destinado ao consumidor interno e majorando os custos dos produtos destinados à exportação que, há anos, vem sendo a pedra de salvação da economia nacional.
______________________________________________________________________________________________
[1] (SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 133)