Estúdio JOTA

Juristas, especialistas e vítimas do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), em 2015, se reuniram em Brasília, nesta terça-feira (10/9), para discutir as ações que se desenrolam após o desastre. 
Eles participaram do evento “Justiça sem Fronteiras: a busca por reparação pelo desastre de Mariana”, promovido pelo Pogust Goodhead. O JOTA foi apoiador de mídia, com transmissão ao vivo das discussões. 
Hoje, a busca por indenizações corre tanto na Justiça brasileira quanto na inglesa. Isso porque a barragem que rompeu, de propriedade da Samarco, era controlada pela brasileira Vale e pela BHP Billiton, empresa anglo-australiana.
Uma ação foi movida no Reino Unido pelo Pogust Goodhead, que representa cerca de 620 mil atingidos pelo rompimento da barragem – entre eles, indígenas, quilombolas, empresas, autarquias e instituições religiosas.
O processo é alvo de questionamentos no Supremo Tribunal Federal (STF), mas, para os juristas ouvidos, ele é legítimo e um direito das pessoas impactadas pela tragédia. 
Na Inglaterra, a indenização demandada é de cerca de R$ 230 bilhões de reais para as vítimas da tragédia — um valor superior aos cerca de R$100 bilhões de reais propostos pela União, os estados de Minas Gerais e Espírito Santo, em um acordo com as empresas no Brasil.
O plano de repactuação nacional prevê o pagamento aos estados e à União ao longo de 20 anos. A mesa de discussão foi criada em 2021 e era prevista para durar 120 dias, mas completou três anos ainda sem conclusão.
Recentemente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o acordo poderá ser fechado ainda em outubro, mesmo mês em que a Justiça inglesa pretende julgar o caso. No Reino Unido, o julgamento está previsto para o dia 21, com duração prevista de 14 semanas.  
<h3>A reparação aos atingidos</h3>
Nesta terça-feira, estavam presentes juristas como José Eduardo Cardozo, ex-AGU e ministro da Justiça; Tom Goodhead, CEO e sócio administrador do Pogust Goodhead; o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay; Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do grupo Prerrogativas; além de vítimas do rompimento da barragem.
A abertura teve uma palestra do escritor e jornalista Fernando Morais, que nasceu em Mariana. "O que vai, de alguma maneira, impedir que tragédias como essa se repitam é a busca pela reparação do desastre", opinou.
Ao falar sobre as ações no exterior em favor das vítimas de Mariana, o jornalista elencou casos semelhantes na América Latina, citando duas ações que defenderam populações afetadas por empresas na questão ambiental: um deles, no Equador, quando atividades da petroleira Chevron contaminaram o solo com 650 mil barris de óleo descartável, comprometendo a vida e saúde de indígenas no local; e um segundo caso, na Bolívia, quando o abastecimento de água em Cochabamba foi privatizado. Para Morais, o êxito nesses casos "fazem renascer as esperanças e expectativa de que essa será uma batalha vitoriosa para nós", concluiu.
Durante os três painéis propostos, foram defendidos os direitos dos atingidos de procurarem a Justiça inglesa. Esse tipo de ação é questionado no STF pelo Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), na <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/ibram-vai-ao-stf-para-barrar-participacao-de-municipios-em-processos-no-exterior">Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1.178, que tem o ministro Flávio Dino como relator</a>. 
O objetivo da ação é impedir que municípios brasileiros possam mover processos no exterior por desastres ambientais ocorridos no país. A entidade alega que a ação tem como objetivo resguardar a soberania brasileira, e argumenta ainda que é competência privativa da União tratar assuntos internacionais. O caso irá ao plenário da Corte. 
No painel “Ação inglesa de Mariana e as alternativas transnacionais de litígio”, José Eduardo Cardozo defendeu o direito dos municípios de procurarem por indenizações no exterior. 
“As empresas querem o mundo sem fronteiras para explorar, para oprimir, mas querem fronteiras para não pagar os danos que efetivamente causam aos pobres”, afirmou. O ex-AGU atua na defesa das vítimas no processo movido na Justiça inglesa. 
A jornalistas, ele ainda disse que espera que o julgamento de outubro possa trazer justiça. “O dano é irreparável, mas eu acho que, neste momento, uma indenização justa, devida, ouvindo as vítimas, é de fundamental importância para que os direitos humanos sejam respeitados”, acrescentou. 
Cardozo ainda criticou a ação que tramita no STF ao afirmar que é um “golpe fortíssimo” na autonomia de municípios e estados.  “Isso [entrar com ação no exterior] não afeta em nada a soberania nacional”, defendeu. “Especialmente porque os direitos humanos, quando violados, não podem ter fronteiras para serem reparados”, concluiu. 
+ Leia também: <a href="https://www.jota.info/coberturas-especiais/julgamento-da-tragedia-de-mariana-na-inglaterra-eleva-termos-para-reparacao-no-brasil">Julgamento da tragédia de Mariana na Inglaterra eleva termos para reparação no Brasil</a>
Ao longo da manhã, os presentes também abordaram o acordo em negociação entre União com as empresas responsáveis pelo rompimento. Para eles, o acordo não ouviu as vítimas atingidas pelo desastre. 
No segundo painel do dia, intitulado de “David x Golias: financiamento de litígio como instrumento de acesso à Justiça”, o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, mais conhecido como Kakay, questionou a proposta de acordo — por ela “estar sendo feito sem que as vítimas estejam presentes”. 
“O que eles querem fazer é impedir que as pessoas tenham acesso à Justiça”, afirmou. “É um acordo vergonhoso porque só estão dispostos a pagar 100 bilhões porque sabem que devem 500”. 
Nesse sentido, um dos argumentos para a ação na Justiça inglesa é que, nas mesas de debate para uma reparação pelo desastre, os atingidos estariam de fora, sem possibilidade de representar os próprios interesses.
No Reino Unido, o litígio não foi custeado pelos clientes, mas com financiamento da captação de recursos junto a fundos de investimentos. Um processo como esse envolve despesas significativas com coleta de provas, consultoria de especialistas e honorários dos advogados, que são pagas pelos investidores.
<img class="wp-image-513884 size-large" src="https://portal.jota.info/wp-content/uploads/2024/09/whatsapp-image-2024-09-10-at-18-16-07-1024x682.jpeg" alt="" width="1024" height="682" /> Foto: Paulo Negreiros/ JOTA
Tom Goodhead, CEO e sócio administrador do Pogust Goodhead, explicou que o caso será decidido de acordo com a legislação brasileira. De acordo com ele, esta é a maior ação coletiva ambiental já presenciada pela Corte inglesa. O advogado ainda acrescentou que tem sido uma longa batalha, mas que esta é uma tentativa de obter justiça. “Estamos otimistas e confiantes”, afirmou. 
Ele também respondeu ao questionamento sobre a legitimidade da ação no Reino Unido, descartando o argumento sobre violação da soberania nacional.  “Ao invés de se tratar de um neocolonialismo, de um tribunal inglês trazendo jurisdição sobre casos brasileiros, trata-se do oposto. É um caso de pessoas ordinárias, de comunidades tradicionais, que estão lutando contra a BHP, e estão levando esse caso aos tribunais de Londres”, defendeu. 
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<h3>A voz das comunidades</h3>
O evento também contou com a participação de Gelvana Aparecida Rodrigues, mãe de Tiago, menino de 7 anos vítima do rompimento da barragem em 2015. Ainda participou a bióloga Wakrewa Krenak, líder feminina do povo Krenak, que vive às margens do Rio Doce e foi impactado pela contaminação de minério após o desastre. 
As duas uniram vozes para representar as vítimas da tragédia e alegaram que as famílias atingidas não foram ouvidas durante as discussões em torno de um acordo de reparação entre as empresas e a União. 
No painel “Desastres ambientais e violação de direitos humanos: caminhos jurídicos para reparar o passado e moldar o futuro”, Gelvana contou que busca Justiça não apenas para o filho, mas para as outras vítimas do rompimento. Sobre a ação que corre na justiça inglesa, ela foi categórica sobre o que espera do resultado: “que seja feita a justiça lá”.
Um sentimento compartilhado pela Wakrewa Krenak, que relatou os impactos do rompimento da barragem à comunidade indígena, que ainda tenta se adaptar ao impacto ambiental.
<img class="wp-image-513885 size-large" src="https://portal.jota.info/wp-content/uploads/2024/09/whatsapp-image-2024-09-10-at-18-15-21-1024x682.jpeg" alt="" width="1024" height="682" /> Wakrewa Krenak | Foto: Paulo Negreiros/ JOTA
“Antes de 2015, nosso povo vivia somente do Rio. E a gente sempre disse que o rio é como pai e como mãe, era de lá que tiramos nossos alimentos e água para consumo. Após o rompimento, nada disso pode ser feito por causa dos rejeitos de minérios”, disse. Sobre a expectativa para outubro, a líder afirmou que espera ser uma “reparação justa”. 
O rompimento da barragem ocorreu em 5 de novembro de 2015, e liberou mais de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos da mineração da Samarco, deixando 19 mortos. Ao todo, 41 cidades e três reservas indígenas foram afetadas, enquanto aproximadamente 670 quilômetros de rios foram contaminados, principalmente o Rio Doce. A tragédia foi considerada o maior desastre ambiental associado ao setor de mineração no Brasil. 
<h3>Assista ao evento na íntegra</h3>
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https://www.youtube.com/watch?v=mIJxEuIg0kQ&amp;t=35s

JoséEduardoCardozo

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JOTA

A discussão foi promovida pelo Pogust Goodhead, que representa 700 mil atingidos pelo rompimento da barragem

Ação por desastre de Mariana na Justiça inglesa mobiliza debate em Brasília

Este conteúdo é divulgado pelo JOTA como parceiro de mídia do evento.