Falácia comum no mundo dos negócios é aquela que preconiza que o individualismo é o valor mais prezado no ambiente corporativo. Este falso princípio desconsidera que a articulação de qualquer atividade comercial depende justamente do entrosamento e da convergência de interesses, o que não pode ser alcançado sem a colaboração efetiva entre os envolvidos no processo.
No entanto, a conclusão de que a filosofia individualista não é algo necessariamente intrínseco à cultura de negócios, além de ser pouco conhecida, vai em direção oposta ao senso comum. Foi justamente neste singular antagonismo, entretanto, que o escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados – o Mattos Filho – buscou a restruturação de seu modelo de governança e, em paralelo, da forma de remuneração dos seus sócios.
A banca começou a reformar seu modelo de gestão em 2009. Apesar do crescimento contínuo e estável desde a sua fundação em 1992, o Mattos Filho resolveu buscar no mercado internacional o elemento que pudesse dar um novo passo em direção ao pensamento de que a banca é um todo e que, de tal modo, a busca individual dos sócios por crescimento profissional e lucro deve passar pelo fortalecimento do espírito da empresa.
“Em time que está ganhando, pode, sim, se mexer”, provoca Mario Esequiel, diretor administrativo da banca. “Costumo dizer que contrariamos a velha máxima”.
A transição entre o “viés personalista” para a “ideia de sociedade única” encontra causas que têm origem no próprio perfil da empresa, conforme explica Esequiel, que é membro fundador e diretor executivo do Instituto Internacional de Gestão Legal (IGL). Foi com a chegada dele, em 2000, que a banca passou pelo processo de profissionalização de sua gestão.
O Mattos Filho é um escritório relativamente novo se comparado a bancas de mesmo porte. Pesquisas de mercado mostraram que, para clientes e mesmo para estudantes de Direito, a firma é associada a valores como inovação e criatividade, a despeito de a advocacia ser ainda uma profissão de contornos mais conservadores. Atualmente são 60 sócios, 365 advogados e estagiários e 328 funcionários na área administrativa.
“A advocacia é um mercado conservador e o advogado geralmente é um profissional conservador. Isso não é necessariamente ruim”, diz Esequiel. “Porém, historicamente, a estrutura de uma sociedade de advogados é a da ‘cooperativa de especialidades’. Cada um dos advogados atua em sua área, dividindo as despesas. Cada um cuidando do seu cliente”.
“Buscamos algo que fizesse o profissional ter que olhar para a sociedade ao invés de simplesmente ser dono do cliente”, complementa. “O Mattos Filho sempre teve essa cultura de inovação, de procurarmos alternativas além de recorrer às mesmas soluções cartesianas. Estendemos isso à parte de gestão”, complementa.
Não se trata, por outro lado, de a banca ter rejeitado simplesmente o modelo tradicional de sociedade, até porque foi ele que conduziu a empresa até o momento de reformar sua gestão. Em 22 anos, nunca ocorreram involuções significativas, tanto em termo de incremento do espectro de atuação como do ponto de vista de faturamento.
Então, por que mudar?, seria a pergunta a se fazer.
“One firm” 
Desde 2009, um sócio-diretor, responsável pela administração da empresa e um comitê executivo, composto por oito sócios, passaram a ser eleitos por todos os sócios para um mandato de três anos. O foco então voltou-se para referências de gestão na advocacia, sobretudo nos mercados jurídicos americano e britânico, que têm uma cultura mais sólida de modelo de negócios, principalmente no que toca à área administrativa. Foi contratada, assim, uma consultoria internacional de origem americana especializada em gestão legal, o que se desdobrou no contato de sócios do Mattos Filho com escritórios estrangeiros, com o fim de aferir os modelos de administração de bancas americanas e europeias.
Deste modo, surgiu a preocupação em instalar no escritório os fundamentos de uma cultura “one firm”, onde o trabalho dos sócios, advogados e demais profissionais tem de ser visto como um esforço coletivo na busca pela lucratividade do escritório. O primeiro passo foi substituir o modelo vigente na maioria das bancas, o de remuneração individual, que tem como base o percentual sobre a hora trabalhada.
Foi pensada, assim, no plano da sociedade, uma estrutura em lotes, com cada sócio sendo alocado nesses lotes e com cada lote tendo como base uma determinada pontuação. Essa pontuação é que servirá de parâmetro para se calcular a remuneração. Os lotes possuem uma espécie de hierarquia, do de menor pontuação ao de mais alta. A metodologia permite que se determine o nível total de pontuação do escritório, de forma que o lucro final da empresa seja dividido por esse total. Deste modo, se chega ao valor da unidade de pontuação. Supondo, por exemplo, que esse sócio esteja no lote de dez pontos, são dez vezes essa unidade de lucratividade, calculando-se, assim, o valor anual pago ao sócio.
Para além da fórmula, o modelo de remuneração põe o foco na valorização da lucratividade da empresa e não na corrida do advogado por faturamento, com a captação de um cliente por um determinado sócio se convertendo em rendimentos para todos. “O trabalho na empresa compõe a lucratividade do escritório como um todo. Todos participam da mesma lucratividade, todos contribuem para o resultado coletivo”, detalha Fábio Romero, gerente de Planejamento e Controle do Mattos Filho.
Para definir em que lote o advogado deve ser alocado, foi criado um comitê de remuneração, composto inclusive por membros do comitê executivo. Cabe ao comitê avaliar individualmente cada um dos sócios. O sócio é avaliado não só com base em horas faturadas e na captação de clientes, mas também por parâmetros e metas como o desempenho em ações institucionais - a participação em câmaras e a publicação de trabalhos, por exemplo. De acordo com as normas estabelecidas, um sócio pode avançar ou recuar até dois níveis de lotação, nem mais nem menos.
“A primeira grande mudança é que os sócios também passaram a ser avaliados. Até então os sócios avaliavam todos, mas não eram avaliados”, completa Mario Esequiel.
Não basta virar uma ‘chavinha’ 
O processo de mudança não foi “totalmente light” nas palavras de Mario Esequiel. “Não basta virar uma ‘chavinha’. Sabemos disso. Tivemos casos de sócios que não se adaptaram e decidiram seguir em frente em outra empresa. Ainda assim, foi um número muito pequeno. A maioria aceitou o modelo e comunga filosoficamente dessa ideia”, diz.
Esequiel e Romero observam também que não se trata de um modelo altruísta, já que o sócio, evidentemente, busca o lucro. Porém, o profissional entende que atua em conjunto e quanto mais essa sociedade produzir, maior será o seu retorno.
Outro ponto é que, no começo de todo ano, os sócios produzem relatórios sobre o que pretendem fazer, detalhando seus compromissos para os próximos meses. No período de um ano, o sócio passa por três avaliações e, dependendo do desempenho, avança ou não de lote. E, como mencionado, pode também recuar.
“O modelo é considerado inovador e criativo, mas também não deixa de ser conservador no melhor sentido: de o lucro ser apurado e distribuído entre todos que contribuíram para que se alcançasse o resultado”, conclui Esequiel.

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JOTA

Para a banca Mattos Filho, individualismo não é o mais importante no mundo corporativo

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