Kalleo Coura

O advogado e professor Arnoldo Wald, de 84 anos, além de ser um dos mais respeitados civilistas em atividade, é considerado o pioneiro na arbitragem no país.
Ele fundou em 1954 o escritório Wald e nos últimos 63 anos atuou no contencioso, em arbitragens ou como parecerista em inúmeros casos envolvendo direito societário, bancário, administrativo e constitucional.
Perguntado pela reportagem do JOTA sobre qual foi a causa mais impactante de sua vida, ele citou, contudo, um caso de direito penal. “Trata-se da primeira vez em que foi concedida no direito brasileiro a medida de liminar em habeas corpus. Foi emocionante e de extrema importância”, diz.
Até 1964, relembra Wald, nem a jurisprudência, nem a doutrina, nem a prática haviam previsto a concessão de liminar em habeas corpus.
Leia o relato de Arnoldo Wald sobre o caso:
"A concessão de medida liminar em habeas corpus, pelo Tribunal Superior Militar em 1964, foi a minha causa mais impactante.
A instauração de Inquéritos Policiais Militares (IPM) para apurar crimes contra o Estado, era um procedimento comum no período do regime militar.
Um dos meus clientes, foi intimado para comparecer ao Inquérito Policial da Caixa Econômica Federal do Paraná, onde foi Procurador.
Acontece que tal inquérito, envolvendo a administração da Caixa, já tinha sido julgado e arquivado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que chegou a conceder habeas corpus ao meu cliente.
Era evidente que o processo fora inspirado em vingança política do novo grupo do poder do Estado, o que era bastante comum.
Tendo em vista que tal intimação ameaçava o direito de locomoção do paciente, e questionando a extensão aos civis do foro especial da Justiça Militar, solicitei liminarmente, ao Supremo Tribunal Militar (STM), o não comparecimento do meu cliente para o depoimento, devendo finalmente que fosse concedida a ordem de habeas corpus.
É importante destacar que a liminar só foi prevista pelo nosso legislador no mandado de segurança, sem que nem a jurisprudência, nem a doutrina, nem a prática, a tivessem estendido, até 1964, ao remédio em defesa da liberdade de ir e vir.
O então ministro de esquadra José Espíndola, atendendo ao meu pedido, concedeu, em 31 de agosto de 1964, a liminar alegando incompetência da Justiça Militar por se tratar de matéria já transitada em julgado.
Poucos meses depois, em 23 de novembro de 1964, o ministro Gonçalves de Oliveira, do Supremo Tribunal Federal, concedeu medida liminar em habeas corpus, em favor do então governador de Goiás, Mauro Borges, tendo como precedente a decisão da Justiça Militar, concedida pelo Almirante José Espínola e impetrada por mim.
A decisão do Superior Tribunal Militar acabou influenciando e justificando, pela existência de um precedente, a posição do Supremo Tribunal Federal e, daí por diante, tornou-se um procedimento banal e corriqueiro em favor da liberdade individual.
Considerando as condições existentes na época, a concessão de medida liminar em habeas corpus, pelo STM e pelo STF, representou tanto uma construção jurídica necessária e fecunda quanto uma importante contribuição para a defesa do Estado de Direito.
É uma prova inequívoca da independência e da coragem cívica da nossa magistratura, evidenciando a necessidade de adaptação dos tribunais às circunstâncias que enfrentam construindo as teses jurídicas em favor da liberdade individual".

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JOTA

Advogado conta como conseguiu a primeira liminar em habeas corpus do país

Casos marcantes: Arnoldo Wald

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