Vanessa Cecconello, conselheira do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) desde 2015, diz acreditar que as posições definidas pelo órgão, a última instância administrativa relacionada a imbróglios tributários, dão segurança jurídica para estabilizar as relações no país e, consequentemente, preservar pilares da nação – educação, saúde e segurança pública, ela cita como exemplos.
“O trabalho que desenvolvemos como conselheiros do Carf no julgamento dos litígios tributários em âmbito federal, com celeridade e imparcialidade, contribui de forma direta com a segurança jurídica para o Fisco e contribuintes e também para a estabilidade das relações”, avalia Vanessa Cecconello.
A conselheira atualmente é a vice-presidente da 3ª Seção de Julgamento do Carf e, ao longo da atuação no órgão, vinculado do Ministério da Economia, elenca como voto mais inovador o que proferiu sobre a “demanda relativa ao reconhecimento do direito ao creditamento de PIS/Cofins não-cumulativo de indústria do ramo fonográfico”.
Os pares acompanharam o posicionamento de Vanessa Cecconello pela possibilidade de o contribuinte apropriar-se dos créditos dos dispêndios com o pagamento de aquisição de direitos autorais para a produção das obras. Esse entendimento, segundo a conselheira, se dá pela própria característica da atividade econômica em questão por envolver bens intangíveis.
“A decisão foi inovadora por trazer à luz o papel de destaque dos bens intangíveis na cadeia produtiva, o que tende a se intensificar com a digitalização da economia”, aponta Vanessa Cecconello em entrevista ao JOTA.
Indicada ao cargo pela Confederação Nacional do Comércio (CNC), a conselheira gaúcha também acumula citações em votos para além do Carf, a exemplo de posições de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) em casos tributários.
No julgamento do recurso que discute se os créditos presumidos de ICMS entram ou não na base de cálculo do PIS e da Cofins, o ministro Edson Fachin usou no voto um estudo da conselheira Vanessa Cecconello em co-autoria com o Lucas Bevilacqua sobre o tema.
- +JOTA: Matheus Soares Leite: meu trabalho não é mais importante que o de outras pessoas
- +JOTA: Estado tem o dever de simplificar a vida do cidadão, diz Daniel Ribeiro Silva
- +JOTA: Luiz Eduardo de Oliveira Santos: Carf não deve criar ou adotar novas teses jurídicas
Ficha Técnica de Vanessa Cecconello
Nome: Vanessa Marini Cecconello
Formação: Direito
Alma matter: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS)
Vida acadêmica: Mestranda em Direito Tributário Internacional e Comparado no Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT), sob orientação dos professores Sergio André Rocha e Marcus Lívio Gomes.
Pesquisadora do Observatório da Macrolitigância Fiscal & Aditus Iure (IDP), sob coordenação dos professores Cristiane Coelho, Janete Ricken, Lucas Bevilacqua, Paulo Mendes de Oliveira e Rafael Campos Soares da Fonseca.
Pesquisadora do NUPEM em parceria com o Observatório Iberoamericano de Tributação Internacional (OITI) no projeto “OITI: DIGITAL MISCELLANEOUS” (IBDT), sob coordenação do professor Luís Flávio Neto.
Especialização em Direito Público pela PUC-RS.
Graduação em Ciências Jurídicas e Sociais – Direito na PUC-RS.
Origem da indicação: Contribuintes – Confederação Nacional do Comércio de Bens e Turismo (CNC)
Time do coração ou hobby: Leitura e momentos em família
- +JOTA: Laércio Cruz Uliana Junior: impacto de julgamento influencia no interesse público
- +JOTA: Processo administrativo de 14 anos foi encerrado no Carf depois de um email
As decisões da conselheira
Qual foi o voto mais inovador que proferiu?
No julgamento de demanda relativa ao reconhecimento do direito ao creditamento de PIS e Cofins não-cumulativo de indústria do ramo fonográfico (Acórdão nº 9303-006.604, de 11 de abril de 2018). A 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf acompanhou meu voto pela possibilidade de o contribuinte apropriar-se dos créditos dos dispêndios com o pagamento de aquisição de direitos autorais para a produção de suas obras em razão da peculiaridade da sua atividade econômica. Considero que a decisão foi inovadora por trazer à luz o papel de destaque dos bens intangíveis na cadeia produtiva, o que tende a se intensificar com a digitalização da economia.
Qual foi o caso mais importante em que seu posicionamento se tornou o entendimento do colegiado?
Todas as demandas submetidas a julgamento perante o Carf são relevantes. Destaco entendimento recentemente convertido na Súmula Carf nº 184, aprovada pela 3ª Turma da CSRF em sessão de 6 de agosto de 2021, consignando ser aplicável o prazo decadencial de cinco anos previsto no Regulamento Aduaneiro para aplicação de penalidade por infração aduaneira.
Qual foi o caso mais difícil de formar sua convicção?
A complexidade da matéria tributária faz-se presente nos julgamentos envolvendo as discussões submetidas ao Carf, traço que se acentua nas demandas envolvendo conceitos de ramos afins do direito tributário. No caso da responsabilização do agente marítimo pela representação do armador no Brasil, matéria relevante no Direito Marítimo, exigiu a interpretação conjunta dos conceitos de direito civil quanto à figura do mandatário e das disposições constantes no Regulamento Aduaneiro (Decreto-Lei nº 37/66) para se determinar a responsabilização pela infração praticada.
O meu entendimento pela exclusão da responsabilização do agente marítimo decorrente da representação do armador restou vencido, conforme resultado do julgamento espelhado no acórdão nº 9303-010.295 em que apresentei declaração de voto, sendo que atualmente a matéria encontra-se sumulada e vinculante para todos os conselheiros (Súmula CARF nº 185: O Agente Marítimo, enquanto representante do transportador estrangeiro no País, é sujeito passivo da multa descrita no artigo 107 inciso IV alínea “e” do Decreto-Lei 37/66).
- +JOTA: Junia Roberta Sampaio: Judiciário não oferece a mesma segurança técnica do Carf
- +JOTA: Fernando Brasil de Oliveira Pinto: Estado ainda necessita ser mais evidente no Brasil
Qual foi o caso em que a decisão teve mais força para pacificar uma discussão?
A discussão relativa à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS foi pacificada, no âmbito do Carf, pelo julgamento definitivo dos embargos de declaração da chamada “tese do século” (RE nº 574.706, tema 69).
Qual foi o caso mais marcante em que você foi voto vencido?
No julgamento do recurso especial interposto pelo contribuinte SKY Brasil Serviços LTDA (acórdão nº 9303-004.149), no qual se discutia a possibilidade de incidência de Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) sobre os pagamentos remetidos ao exterior pela aquisição de conteúdo, ficou vencido meu posicionamento pela impossibilidade de tributação pela CIDE desses valores. Tratam-se de quantias pagas pelo contribuinte às programadoras estrangeiras pelos direitos autorais, e que não estariam abrangidos no art. 10 do Decreto nº 4.195/02, por não terem como objeto o fornecimento de tecnologia ou a utilização de conhecimento tecnológico.
No colegiado, prevaleceu o entendimento de que o rol do art. 10 do Decreto nº 4.195/02 é taxativo, sendo passíveis de tributação pela CIDE os pagamentos a título de direitos autorais efetuados às programadoras estrangeiras.
Qual é a discussão que adoraria ter a oportunidade de participar como julgador?
Considero relevantes todas as discussões submetidas à apreciação da 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais, cada uma delas sendo interessantes devido às suas particularidades.
‘Não há nada mais relevante para a vida social que a formação do sentimento da justiça’, como disse Rui Barbosa.
- +JOTA: Carf contribui para o desenvolvimento da sociedade, diz Tatiana Migiyama
- +JOTA: Wesley Rocha: Carf muitas vezes é responsável por inaugurar discussões tributárias
Visão de mundo de Vanessa Marini Cecconello
Qual é o papel do Estado e do seu trabalho no desenvolvimento da nação?
Tem-se o Estado como imprescindível para incentivar o desenvolvimento da nação, por meio da prestação de serviços públicos adequados, da regulamentação das relações e incentivando a iniciativa privada. Para que possam ser preservados os pilares de uma nação, quais sejam a educação, a saúde e a segurança pública, têm papel relevante a segurança jurídica e a estabilidade das relações, seja na esfera pública ou privada.
O trabalho que desenvolvemos como conselheiros do Carf, no julgamento dos litígios tributários em âmbito federal, com celeridade e imparcialidade, contribui de forma direta com a segurança jurídica para o Fisco e contribuintes e também para a estabilidade das relações.
Quais julgamentos e decisões de que você não participou como julgador marcaram sua vida profissional até hoje?
Há dois julgados proferidos pelos Tribunais Superiores que tem grande representatividade para minha vida profissional até hoje. O primeiro deles é o julgamento proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, no recurso especial nº 1.221.170, tratando da controvérsia relativa ao conceito de insumos, no qual a ministra Regina Helena Costa adotou como entendimento os critérios da essencialidade e relevância, citando em sua fundamentação o acórdão nº 9303-004.192, julgado pela 3ª Turma da CSRF em 6 de julho de 2016, no qual fui relatora.
Igualmente importante foi o voto proferido, no Supremo Tribunal Federal, pelo ministro Edson Fachin, no recurso extraordinário nº 835.818, processo que ainda se encontra em análise, estando afetado à sistemática da repercussão geral. Ao manifestar o seu posicionamento pela impossibilidade de inclusão dos créditos presumidos de ICMS na base de cálculo das contribuições para o PIS e para a COFINS no regime da não-cumulatividade, o ministro Edson Fachin citou na fundamentação do seu voto o estudo que publiquei em coautoria com o professor Lucas Bevilacqua sobre o tema.
Quem são as pessoas que te inspiram (pessoalmente e profissionalmente)?
Acredito que durante a nossa trajetória encontramos diversas pessoas que nos inspiram e nos oferecem novas perspectivas perante a vida pessoal e profissional, e eu tenho a alegria de contar com muitas pessoas e profissionais inspiradores que se fazem presentes na minha caminhada.
Mas destaco duas pessoas, em especial, que me inspiram todos os dias, pelo amor, pela perseverança e pela capacidade de fazer a diferença, e a quem tenho a felicidade de chamar de mãe e pai.
Quais são os livros e referências que não saem de cima da sua mesa?
Imprescindíveis as obras “Processo Administrativo Fiscal” e “Fundamentos do Direito Tributário Brasileiro”, ambos de autoria do professor Sergio André Rocha, que traz importantes contribuições para o direito tributário. Também destaco as obras de “Processo administrativo fiscal federal comentado”, de Marcos Vinícius Neder e Maria Teresa Martínez López; “Planejamento tributário”, do Marco Aurélio Greco; “Direito Tributário Internacional do Brasil”, do Alberto Xavier e a coleção de “Direito Tributário Internacional”, coordenada por Heleno Taveira Torres.
O livro “O Poder do Agora”, escrito por Eckhart Tolle, foi uma agradável surpresa nas leituras pessoais.