Conselheiro titular na 1ª Turma da 3ª Câmara da 1ª Seção de Julgamento do Carf, Rafael Taranto Malheiros exerce seu primeiro mandato representando a Receita Federal do Brasil (RFB). Bacharel em Engenharia Mecânica e Direito, Malheiros é especialista em Direito Tributário pela Escola de Direito de São Paulo (FGV) e mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).
Rafael Taranto Malheiros foi indicado pela Delegacia de Julgamento da RFB, órgão responsável pelo contencioso de primeira instância, e está em seu primeiro ano de Carf, percorrendo a fase de transição de julgador para conselheiro. Considera que a questão que mais demanda reflexão para julgamento é a caracterização de dolo na conduta do sujeito passivo, pois requer bastante experiência e sensibilidade dos julgadores.
O conselheiro é criador de um canal do YouTube em que analisa, em vídeos curtos, súmulas e processos controvertidos no Carf a partir de informações públicas e, além disso, dedica seu tempo livre a esportes e leitura.
Uma decisão que marcou sua vida profissional até hoje foi a sessão do Pleno e da Primeira Turma da Câmara Superior do Carf no mês de agosto de 2021, em que se debateu a aprovação, ou não, de diversas propostas de súmulas. Assistindo ao evento, Malheiros ficou “muito orgulhoso de fazer parte do corpo de Conselheiros do Tribunal: mesmo com os posicionamentos dos julgadores devendo serem resumidos três minutos, viu-se o nível altíssimo dos debates na defesa dos argumentos prós e contras às propostas”.
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Ficha-técnica de Rafael Taranto Malheiros
Formação: Engenharia Mecânica e Direito
Alma matter: Instituto Militar de Engenharia (IME) e Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)
Vida acadêmica: Bacharel em Engenharia Mecânica (2003) e Direito (2011), especialista em Direito Tributário pela Escola de Direito de São Paulo (FGV/SP) (2013) e mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) (2019)
Origem da indicação: Receita Federal do Brasil (RFB)
Time do coração ou hobby: torço para o Fluminense, sem o mesmo vigor da juventude. Em relação a hobbies, praticar esportes (musculação, corrida e futevôlei) e leitura. Atualmente, também me dedico a meu canal no YouTube em que analiso, em vídeos curtos (de 4 a 7 minutos, para alcançar, inclusive, estudantes de Direito, Contabilidade etc.), súmulas e processos controvertidos no Carf a partir de informações públicas, bem como ministro curso de Processo Administrativo Tributário sob a ótica deste Tribunal, sem, por óbvio, falar em nome dele.
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As decisões do conselheiro
Qual foi o voto mais inovador que proferiu?
Na verdade, este caso que vou comentar foi surpreendente para mim, que tenho origem fazendária. Como estou no meu primeiro ano de Carf, posso dizer que ainda atravesso a fase de transição de julgador (minha origem na RFB é a Delegacia de Julgamento, órgão responsável pelo contencioso de primeira instância) para conselheiro. A jurisprudência do Pleno e da 1ª Seção, em que exerço mandato, é vasta e, para ser bem absorvida, deve ser estudada de modo diuturno por algum tempo.
No julgamento do Acórdão nº 1301-005.279, apliquei, em relação à compensação de estimativas não homologadas, o entendimento da RFB, contido no conhecido Parecer Normativo Cosit nº 2, de 2018, que entende que estas podem compor o saldo negativo do IRPJ, espécie de direito creditório que o contribuinte pode solicitar.
Pensei: ora, se a própria Receita Federal tem essa opinião vinculante em seu âmbito – e que eu já aplicava tranquilamente na DRJ, mesmo sendo contrária à arrecadação –, por que este órgão de segunda instância, que não se subordina aos atos da RFB, não teria? Qual não foi minha surpresa quando me vi vencido nesta votação: o voto foi “inovador”, mas sua interpretação não prosperava no âmbito da Turma!
O curioso é que, em julgamentos posteriores, o entendimento teve que ser revisto, pois foi editada a súmula do Carf (nº 177) que adota o mesmo posicionamento do Parecer Normativo da RFB.
Qual foi o caso mais importante em que seu posicionamento se tornou o entendimento do colegiado?
De logo, me lembro do voto vencedor que proferi no acórdão nº 1301-005.336. A questão debatida neste caso era o dolo específico para fins de qualificação de multa. A análise desta matéria é quase sempre tortuosa porque demanda prova bastante robusta por parte do Fisco, a ponto de infundir convicção da ocorrência da conduta dolosa no espírito do julgador, a ponto de tomar a acusação como procedente.
Concluí que houve omissão de informações obrigatórias com o objetivo de suprimir tributos e impedir o conhecimento, pela fiscalização, acerca da localização da empresa e da ocorrência dos fatos geradores, caracterizando o dolo.
Qual foi o caso mais difícil de formar sua convicção?
A maioria dos processos que chegam para serem julgados no Carf possuem certo grau de dificuldade. Digo isso baseado em mais de 15 anos de RFB, tendo “passado” por todo o Decreto nº 70.235, de 1972, que rege o processo administrativo fiscal: Análise, Gabinete, Fiscalização, Consulta e Julgamento, finalizando, agora, no Conselho.
Então, retomando o fio da resposta anterior, as questões que mais demandam reflexão para julgamento são as pertinentes à caracterização de dolo na conduta do sujeito passivo – matéria de prova, enfim. São casos que requerem bastante experiência e sensibilidade dos julgadores.
Qual foi o caso em que seu voto teve mais força para pacificar uma discussão?
Recentemente, a Turma Ordinária a que pertenço conseguiu atingir o quorum de oito conselheiros titulares. Então, pacificando algumas questões, principalmente de incidentes processuais, penso que conseguiremos imprimir mais celeridade ao julgamento de determinados casos.
Havia certa polêmica quanto ao resultado de processos que deveriam voltar às unidades de origem, sob forma de diligência ou de provimento parcial ao recurso do contribuinte, para análise de questões probatórias – sempre elas. Sim, é uma filigrana, mas que levava a discussões que consumiam o tempo dos julgadores.
Enfim, em voto a ser publicado, pacificou-se a discussão no âmbito na Turma, seguindo o que já era o entendimento da maioria, de que haverá conversão quando novos elementos forem trazidos e será dado parcial provimento quando forem superados óbices opostos pelas unidades de origem ou DRJs, neste caso, retomando-se o rito ordinário de julgamento.
Qual foi o caso mais marcante em que você foi voto vencido?
Como disse, ainda estou no início de minha caminhada no Carf. Mesmo assim, já fui vencido em casos marcantes, pelo menos pessoalmente.
De logo, posso citar o Acórdão nº 1301-005.380, que versava, dentre outros assuntos, sobre prescrição. Tendo-se por norte o § 2º do art. 18 da Lei nº 10.833, de 2003, na redação vigente à época dos fatos, que prescrevia que a multa teria “[…] como base de cálculo o valor total do débito indevidamente compensado” e que o débito foi considerado prescrito, não se pode falar em imposição de multa isolada em face de compensação indevida, pelo que deveria ser cancelado o crédito tributário objeto destes autos.
Todavia, minha posição ficou isolada na Turma. Prevaleceu o entendimento de que, tendo havido a transmissão da declaração de compensação, tendo sido esta considerada não declarada, os débitos objeto de compensação tornaram-se exigíveis e passaram a ser cobrados. Neste momento, teve-se por consumada a ocorrência do fato gerador da multa, sendo a base de cálculo da mesma os débitos objeto de compensação. A ocorrência da prescrição desses mesmos débitos, em momento posterior, não teve o condão de modificar o fato gerador anteriormente consumado.
Por fim, digo que, hoje, após reflexão sobre o voto vencedor, acedo à posição nele consubstanciada, o que demonstra o contínuo aprendizado por que passamos no Conselho.
Qual é a discussão que adoraria ter a oportunidade de participar como julgador?
Os processos de planejamento tributário que chegam às barras do Carf são muito interessantes, pelo motivo de se analisar o “filme”, não cada evento de modo isolado. São casos que demandam bastante análise e ponderação para se verificar se foram preenchidos todos os requisitos legais. No meu canal do YouTube, são campeões de presença e de audiência.
Geralmente, são processos que ostentam valores mais elevados. Como cheguei no Conselho em tempos de pandemia e há restrições a julgamento de feitos em sessões virtuais que ultrapassem determinados montantes de crédito tributário, ainda não tive a oportunidade de estudar e de me manifestar em sede de casos do tipo. Mas haverá sua hora, certamente.
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Visão de mundo de Rafael Taranto Malheiros
Qual é o papel do Estado e do seu trabalho no desenvolvimento da nação?
Meu Mestrado em Direito foi voltado à cidadania e às políticas públicas. Então, acredito que um dos principais papéis estatais é promover a justiça social, com a efetivação dos direitos econômicos, sociais e políticos advindos do modelo de Estado adotado pela Constituição de 1988.
Nesse caminhar, trabalhar no Carf, tribunal administrativo especializado no julgamento das questões tributárias federais, contribui para que estas sejam avaliadas com mais celeridade e tecnicidade e com menos dispêndio de recursos do que se esperaria de um julgamento feito no Poder Judiciário. Os magistrados, pela natureza de suas obrigações, não possuem a especialização de um órgão desta espécie, que opera uma legislação (aí incluídas leis, portarias, instruções normativas etc.) que se encontra em diuturna (sem exagero) mudança.
Assim, se o contencioso fiscal terminar em âmbito administrativo com base em uma decisão colegiada que proveja às partes a esperada justiça, saber se ingressarão, ou não, o quanto antes recursos nos cofres públicos, permite uma atuação estatal racional e planejada para a realização de programas governamentais que envolvam a adoção de medidas complexas e heterogêneas, por meio de sua atuação na ordem econômico-social, voltadas à promoção dos direitos fundamentais.
Quais julgamentos e decisões de que você não participou como julgador marcaram sua vida profissional até hoje?
De modo particular, cito o julgamento de que decorreu a aprovação da Súmula 11 do Carf, que dispõe sobre a inaplicabilidade da prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal, tema controverso até os dias de hoje. A aplicação parece tranquila: ora, decorrido o prazo para interposição do recurso administrativo, sem que ela tenha ocorrido, ou decidido recurso administrativo interposto pelo contribuinte, há a constituição definitiva do crédito tributário, a que alude o art. 174 do Código Tributário Nacional, começando a fluir, daí, o prazo de prescrição da pretensão do Fisco.
Todavia, observando-se seus precedentes, vê-se que não há nenhum da 3ª Seção de Julgamento do Carf, provavelmente devido à inexistência de diploma legal que verse especificamente sobre o processo administrativo dos tributos aduaneiros, de sua competência. Só teria certeza dos argumentos então utilizados e do resultado da votação se tivesse participado dos debates que antecederam a conversão da proposta em súmula.
De modo genérico, posso me referir à última sessão do Pleno e da Primeira Turma da Câmara Superior do Carf, ocorrida no mês de agosto de 2021 de modo virtual, em que se debateu a aprovação, ou não, de diversas propostas de súmulas. Assistindo ao evento, fiquei muito orgulhoso de fazer parte do corpo de Conselheiros do Tribunal: mesmo os posicionamentos dos julgadores devendo serem resumidos três minutos, viu-se o nível altíssimo dos debates na defesa dos argumentos prós e contras às propostas.
Quem são as pessoas que te inspiram (pessoalmente e profissionalmente)?
Pessoalmente, quem mais me inspirou para me tornar a pessoa que sou, sem dúvida, foi meu pai, já falecido. Profissionalmente, hoje, no âmbito do Carf, é a Conselheira Edeli Pereira Bessa, a quem conheço desde os tempos em que ela ministrava cursos de reconhecimento de Direito Creditório pelo Brasil. Edeli é justa vaidade da RFB e do Carf, ostentando muito conhecimento e ânimo para transmiti-lo.
Quais são os livros e referências que não saem de cima da sua mesa?
Profissionalmente, gosto do livro de processo administrativo fiscal dos professores Marcos Vinicius Neder e Maria Teresa López, ex-conselheiros, bem como do professor Gilson Michels, ex-auditor-fiscal. Sobre imposto de renda, gosto muito do livro do professor Ricardo Mariz, “Fundamentos do Imposto de Renda”: não concordo com tudo, mas é boa fonte de reflexão. Mas não sai de cima da mesa de trabalho o “Impôsto (sic) de Renda”, de José Luiz Bulhões Pedreira, a quem recorro sempre que desejo saber a origem de institutos deste tributo.
Fora do âmbito profissional, gosto muito dos filósofos alemães, Schopenhauer, Nietzsche… Deste, não sai da mesa o “Além do bem e do mal”, que recomendo muito. De romance, estou relendo “Dr. Fausto”, de outro alemão, Thomas Mann, cuja obra também recomendo (“Montanha mágica”, “Os Buddenbrook” etc.). Não posso deixar de referenciar também autores brasileiros a quem sempre retorno, como Machado de Assis e Nelson Rodrigues.