Efeito da pandemia

IPCA ou IGP-M? Lojistas processam shoppings para alterar reajustes de aluguéis

Projeto de Lei na Câmara prevendo mudança de índice é nova tônica na disputa para alterar locação na pandemia

Foto: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil

A pressão pela queda do Índice Geral de Preços-Mercado (IGP-M) como parâmetro padrão no reajuste de aluguéis chegou ao Congresso. Nesta quarta-feira (7/4), a Câmara dos Deputados aprovou urgência para tramitação do Projeto de Lei 1.026/21, do deputado Vinícius Carvalho (Republicanos-SP), prevendo que o índice de reajuste previsto nos contratos não ultrapasse o Índice de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA).

Ainda não há previsão de quando a matéria deve ser votada em Plenário, mas o desfecho interessa em especial lojistas e locadores, principalmente shoppings, que têm disputado na Justiça mudanças nos aluguéis em meio à pandemia e à aceleração do IGP-M. Até agora, o tema rendeu decisões divergentes.

Advogados que atuam no setor imobiliário entendem que o PL esbarra em barreiras constitucionais por interferência na livre iniciativa, ou seja, na garantia de que um cidadão poderá atuar no mercado de forma autônoma, sem que haja aval estatal. A livre iniciativa é um princípio previsto na Constituição Federal, cuja competência para analisar, quando questionada, é do Supremo Tribunal Federal (STF).

O Supremo deve analisar o tema da substituição dos índices em ação ajuizada no dia 5 de abril pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (CNTM). A entidade de classe diz que a crise econômica “decorrente da má gestão da pandemia do coronavírus vem dificultando o equilíbrio das contas e o adimplemento dos compromissos assumidos” (ADPF 818).

Ainda de acordo com os especialistas, o projeto de lei contraria o Código Civil que, no parágrafo único do artigo 421, prevê o princípio da intervenção mínima do Estado nos contratos particulares. Eles afirmam que o Código Civil já fornece ao juiz e às partes os instrumentos para pedir a revisão contratual com base teoria da imprevisão e da onerosidade excessiva, prevista nos artigos 478 a 480.

A preocupação é que essa substituição, se aprovada, será determinada por lei, o que não é saudável, segundo o advogado José Nantala Bádue Freire, do escritório Peixoto & Cury. Para ele, a medida “poderá representar uma intervenção excessiva do Estado nos contratos privados” ao tornar constante o uso de um instituto que deve ser aplicado em situações de desequilíbrio contratual.

Já o advogado Luis Peyser, sócio do I2a Advogados, critica o PL ao apontar que ao contrário de relações de consumo ou de trabalho, não é possível dizer que nos contratos de aluguel há necessariamente uma relação de hipossuficiência do locatário em relação ao dono do terreno. “É muito possível que um proprietário do imóvel sendo o hipossuficiente em uma relação com o locatário. É possível um caso de uma pessoa física dona de um imóvel locando para um McDonald’s. Nesse caso o hipossuficiente é o proprietário”, afirma.

Alta demanda

A pandemia abalou as vendas presenciais em shoppings. Em São Paulo e Rio de Janeiro, centros de compras ficaram fechados três meses no início da crise sanitária, somados a esquemas de horários reduzidos no restante do ano e, agora, mais um período de contingência sem data certa para acabar. Ao mesmo tempo, o IGP-M, calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), disparou. Até março deste ano, em 12 meses houve aumento de 31,1% no índice, com alta de 8,26% só em 2021. No ano anterior à pandemia, até março, a variação havia sido de 6,81%. A soma dessas circunstâncias gerou uma corrida das lojistas à Justiça. 

De modo geral, eles alegam onerosidade excessiva do valor do aluguel vigente, sobretudo após reajuste, considerando que não usaram o espaço plenamente para suas atividades. Por outro lado, os shoppings afirmam que, ainda fechados, mantiveram custos. Apenas nos Tribunais de Justiça de São Paulo (TJSP) e do Rio de Janeiro (TJRJ), o JOTA contou ao menos 25 casos em segunda instância neste ano discutindo alterações nos custos de aluguel comercial por conta da situação, envolvendo sobretudo lojas e os centros de compras — e com decisões liminares favoráveis ora para um lado ora para outro. Há situações semelhantes também em outros estados. 

Uma das mudanças buscadas tem sido a adoção, no cálculo dos reajustes, do IPCA, que apresentou alta de 6,1% nos últimos 12 meses até março. O contraste com a inflação oficial gerou a discussão sobre a necessidade de se abandonar o IGP-M nos aluguéis. Isso já tem acontecido nas locações residenciais, indicado pelo aumento menor no custo de habitação, de 4,63%, nos 12 meses até março, como indica esse item no Índice de Preços ao Consumidor (IPC). O índice é um dos itens a compor o IGP-M, correspondente a 30% dele; somam-se ainda o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA), com peso de 60% e que leva em conta variações das commodities e é impactado pelo dólar; além do Índice Nacional de Custo da Construção (INCC), com 10%. 

Andrea Navarro, sócia da Alario Navarro – Soluções por Acordo, está conduzindo diversas negociações de forma extrajudicial e contou ao JOTA que existe um movimento forte das empresas varejistas para renegociação, como forma de não depender de decisões judiciais. “Tem sido a forma mais eficiente de encontrar soluções que sejam equilibradas e sustentáveis no longo prazo, preservando o relacionamento das partes”, afirma. Ela acredita que a pandemia trouxe “valor de bons relacionamentos comerciais cultivados entre locador e locatário”.

Buscar negociar antes de buscar a Justiça tem sido a orientação da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) aos seus membros. “Como os contratos são firmados de forma privada, a ideia é que as partes resolvam entre si se pretendem mudar do IGP-M para o IPCA”, diz Karoline Lima, especialista em Relações Institucionais e Governamentais da CNDL. A entidade tem como uma das prioridades que o projeto de lei 1.026/21 seja aprovado. 

Decisões divergentes

A tentativa de lojistas na Justiça tem sido estender a alteração do IGP-M para o IPCA para os aluguéis comerciais de forma mais ampla, como tem acontecido via negociação em aluguéis residenciais. Assim, o Sindicato dos Lojistas do Comércio de Porto Alegre ajuizou uma ação civil pública no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) para que fosse feita a mudança em contratos firmados entre lojistas e três shoppings da cidade. Liminar favorável a eles determinou que os shoppings modificassem o índice usado. Os centros de compras recorreram, destacando que, devido ao cenário pandêmico, adotaram medidas de redução dos aluguéis e encargos dos lojistas, “sempre considerando a liberalidade e autonomia de cada relação e as peculiaridades de cada operação comercial”. O relator do caso, desembargador Érgio Roque Menine, da 16ª Câmara Cível do TJRS, assinou decisão desfavorável aos lojistas em 1º de abril.  

De modo geral, nos casos recentes observados, baseados na alta expressiva dos índices inflacionários, essa tem sido a postura de desembargadores, não acatando a alteração. Em caso envolvendo a lojista Antix contra Jundiaí Shopping e a rede de shoppings Multiplan, foi negada a mudança de índice de reajuste. Desembargadores da 5ª Vara Cível da Comarca de Ribeirão Preto do TJSP entenderam não haver “ilegalidade aparente na aplicação do índice de reajuste previsto em contrato”, em decisão de 15 de março.

O caminho oposto também tem sido tomado. Em decisão colegiada da 40ª Vara Cível do Foro Central do TJSP, ficou determinada a substituição dos reajustes pelo IPCA, de modo a ser “mais condizente com a situação atual no Brasil, como forma de composição do poder de compra da moeda”, como escreveu a relatora Maria Lúcia Pizzotti, em disputa entre Martins da Costa & Cia e JK Iguatemi. Também ficou determinado desconto de 50% no valor dos aluguéis até que a matéria tenha julgamento definitivo. A substituição temporária também foi autorizada para loja de calçados (TL Faria Lima) no shopping Iguatemi, em São Paulo, pelo desembargador Francisco Occhiuto Júnior, na 32ª Câmara de Direito Privado, em fevereiro. 

Evidentemente, a situação é atípica e não prevista em contrato, por isso a negociação prévia para revisão contratual entre lojistas e locadores têm sido mais aconselhável, sobretudo no que se refere a pedidos de alteração dos índices de correção inflacionária. “Ainda mais neste momento, não se pode dizer que contratos devam ser imutáveis. Mas, inclusive para haver maior segurança jurídica, já há alguns pontos que são pacíficos em não conceder a revisão, como perda de emprego ou mesmo inflação”, explica o advogado especialista em contratos Angelo Prata de Carvalho, sócio do Ana Frazão Advogados. 

Em relação ao IGP-M especificamente, também há algumas convergências. Uma das decisões nessa linha a pautar tribunais é do ministro Carlos Alberto Menezes, da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de 2002 (Recurso Especial 403.028), entendendo que o índice é um parâmetro justo para aluguéis.

Além disso, a Lei 8.245/91 — que trata de locações de imóveis urbanos e seria alterada pelo PL 1.026/21 — estabelece, em seu artigo 18, como “lícito às partes fixar, de comum acordo, novo valor para o aluguel, bem como inserir ou modificar cláusula de reajuste”; mas, em seguida, afirma que, se não houver acordo, a revisão judicial poderá ser pedida após três anos de vigência do contrato. A questão é que, não apenas o tempo passou, como a pandemia criou uma situação excepcional e que desafia o que vinha sendo convencionado. 

Em artigo publicado pelo JOTA em março, Ana Beatriz de Alcantara e Caiã Lopes Caramori, do MAMG Advogados, afirmam: “O reajuste contratual foi pensado como uma forma de manter o contrato equilibrado, contextualizado e vivo. Porém, o que se tem observado nos últimos meses é o encerramento de contratos em razão do aumento atípico do IGP-M”. Eles recomendam que a revisão contratual parta dos caso concretos, e citam como alternativas a um aumento substancial desde a revisão contratual ampla até renegociação específica de cláusulas econômicas ou remodelagem da estrutura financeira dele. 

Descontos em meio à pandemia

Além dos pedidos de alterações nos índices de reajuste, há também decisões que preveem redução dos aluguéis em períodos em que os shoppings estavam fechados ou então descontos referentes à 2020. A isenção total, pedida em alguns casos, não têm se sustentado.

No Rio de Janeiro, desembargadores da 27ª Câmara Cível do TJRJ aceitaram, em 24 de março, recurso da BPS Shopping Center, responsável pelo Botafogo Praia Shopping, após uma lojista de brinquedos (Safira e Esmeralda Comércio de Brinquedos) ter obtido redução de 50% no valor do aluguel da loja em meio à pandemia. Inicialmente, ela havia pedido a isenção completa dos valores, embora o shopping já houvesse oferecido descontos nos aluguéis de abril a outubro de 2020, chegando a 90%. Assim, o lojista voltou aos pagamentos propostos para o período. 

Há situações semelhantes em São Paulo. A administradora de shoppings Praiamar, de Santos, litoral de São Paulo, após pedido de lojista, deverá receber metade do valor do aluguel no segundo semestre de 2020, segundo decisão de desembargadores da 27ª Câmara de Direito Privado do Tribunal, em 23 de março. A relatora Angela Lopes menciona que a decisão “atendeu aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, sem que onerasse em demasiado as partes, e possibilitou a continuidade da atividade comercial”. Agora, estaria em disputa a continuidade do desconto para 2021.

Também após pedido de isenção de aluguéis durante a pandemia, a 32ª Câmara de Direito Privado do TJSP determinou a redução de 50% do pagamento de locação — a disputa era entre Casa de Animais Santa Clara São Francisco e a administradora Vipasa. O argumento para não zerar o aluguel considera que o “locador foi igualmente atingido pela situação imprevista”, conforme afirma o relator Luis Fernando Nishi, em decisão de 19 de março.

Em linhas gerais, nas decisões paulistas nos primeiros meses deste ano, os shopping centers têm obtido situações, senão no meio termo, mais favoráveis, sob o argumento de que a pandemia afetou a todos os agentes. 

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