O governo federal quer enviar ao Congresso Nacional o projeto de lei sobre as novas normas de preços de transferência ainda em 2022. A afirmação foi feita nesta sexta-feira (20/5) pela coordenadora-geral de tributação da Receita Federal, Cláudia Pimentel. De acordo com ela, o governo já tem uma minuta pronta, mas ainda discute o assunto com representantes do setor privado.
“O prazo para apresentarmos a minuta ao ministro [da Economia, Paulo Guedes] é julho deste ano e a previsão é de encaminharmos o PL ao Congresso ainda este ano”, afirmou a coordenadora-geral. A representante da Receita apresentou a previsão durante um painel dedicado a discutir o tema no VI Congresso Internacional de Direito Tributário do Rio de Janeiro, promovido pela Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF).
Os preços de transferência são uma forma de calcular a tributação incidente em operações realizadas entre empresas de um mesmo grupo econômico, mas que operam em países diferentes. Um dos objetivos é evitar a redução indevida das bases de cálculo em operações entre partes ligadas, como controladas ou coligadas. Por exemplo, esse cálculo busca evitar a manipulação de preços voltada a transferir lucro a países com tributação favorecida.
O alinhamento das normas brasileiras de preços de transferência ao modelo internacional é um dos requisitos para que o Brasil entre na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). O Brasil formalizou em 2017 o seu pedido de adesão à OCDE, mas ainda precisa cumprir uma série de requisitos para ser aceito.
Cláudia observou que a legislação brasileira sobre preços de transferência é de 1996 e que, deste então, o cenário no Brasil mudou, com operações muito mais amplas e complexas entre as empresas.
“O Brasil estava em outro momento, em outro cenário, mas o que a gente já identificou desde 2018 é que temos outro cenário hoje, operações se tornaram muito mais complexas, são muito mais amplas, e depois há necessidade de o Brasil se inserir nas cadeias globais de valor”, disse Cláudia ao ressaltar a importância de se rever a legislação.
Boa-fé
Durante o evento, advogados ressaltaram a necessidade da boa-fé na relação entre contribuintes e a Receita Federal, uma vez que as empresas precisarão se adaptar às novas regras. A advogada Luciana Rosanova Galhardo, sócia do Pinheiro Neto Advogados e conselheira da ABDF, afirmou que o objetivo dos contribuintes é de adesão total às novas regras, mas que eles estão saindo de um sistema de total simplicidade para um regramento que precisarão aprender.
“Precisamos ter um ambiente de boa-fé tanto por parte do fisco quanto dos contribuintes. Os contribuintes, já no dia 1º [das novas regras], precisarão fazer os cálculos, e o fisco terá até cinco anos [prazo prescricional para a cobrança do crédito tributário] para se adaptar”, afirmou Luciana.
“O fisco deve encarar o contribuinte como seu parceiro de negócios, mas não como seu algoz ou concorrente. Devemos estar nesse novo sistema, no qual todos estaremos aprendendo, numa tentativa de erros e acertos, mas sempre pautados pela boa-fé”, disse a advogada.
O sócio de preços de transferência da EY (Ernst & Young), Márcio R. Oliveira, ressaltou a necessidade de se estabelecer confiança na relação entre contribuinte e fisco.
“Sabemos que existe uma relação de desconfiança mútua entre o contribuinte e o fisco. A empresa senta à mesa da autoridade fazendária, abre o seu coração para o fisco, mas, a partir do momento em que o contribuinte não tem relativa confiança de que essas informações não serão utilizadas de maneira que possa prejudicá-lo, essa relação de confiança fica prejudicada”, disse Oliveira.
Ele reforçou que a velocidade da resolução de disputas envolvendo preços de transferência no Brasil é lenta, tanto na esfera administrativa quanto na Judicial. Oliveira afirmou, por exemplo, que há casos que se arrastam há anos no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) envolvendo Preço de Revenda Menos Lucro (PRL).
“A celeridade, no âmbito da OCDE, para a resolução dessas disputas terá de receber um foco importante por parte da Receita Federal”, disse Oliveira.
“Certamente, ocorrerão divergências de julgamento sobre determinada matéria relacionada aos preços de transferência. Isso é fato. O que precisamos é desenhar um instrumento para resolução rápida dessas disputas”, enfatizou.
*A reportagem viajou a convite da organização do VI Congresso Internacional de Direito Tributário do Rio de Janeiro