COVID-19

Empresas vão à Justiça pedir a liberação de valores bloqueados via BacenJud

Companhias alegam que o bloqueio é prejudicial no cenário de crise gerado pela Covid-19

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Crédito: Marcos Santos/USP Imagens

Empresas têm buscado na Justiça a liberação ou substituição de valores bloqueados via BacenJud para pagamento de créditos tributários no intuito de gerar fluxo de caixa para quitar outras despesas, como o pagamento da folha de salário. As companhias têm alegado queda de faturamento devido à crise gerada pela pandemia da Covid-19.

No entanto, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) defende que o levantamento dos valores contraria a legislação, que nem sempre as empresas conseguem comprovar a necessidade do dinheiro e que a quantia já está no Tesouro Nacional e pode ser usada para políticas públicas. Segundo a PGFN são, pelo menos, 60 ações do gênero em todo o país.

Criado em 2001, o BacenJud é um sistema eletrônico que conecta o Judiciário ao setor financeiro. Juízes de todo o país utilizam o instrumento virtual para fazer bloqueios de quantias em contas bancárias de pessoas e empresas, cujos créditos tributários estão sendo executados ou são objeto de medidas fiscais cautelares.

“O BacenJud é um medida requerida pelo credor e determinada pelo juiz, que alcança diretamente a conta do devedor, indisponibilizando o valor do crédito. Diferentemente do depósito judicial voluntário, em que o contribuinte opta por oferecer o valor do crédito tributário para garantir a sua discussão”, explica Lana Borges Câmara, coordenadora de estratégias judiciais da PGFN.

Os tribunais têm decidido de formas distintas aos pedidos dos contribuintes. Segundo dados extraídos pela procuradora Sara Mendes Carcará, responsável pelo Laboratório de Jurimetria da Coordenação-Geral de Representação Judicial da PGFN, dos 60 processos sobre o tema, 22 estão em 2ª instância, isto é, em trâmite nos Tribunais Regionais Federais (TRFs). Desses, 14 tiveram decisão favorável à Fazenda Nacional e dois foram favoráveis ao contribuinte. Segundo ela, o levantamento feito pela PGFN usa dados de processos cadastrados por procuradores de todo o Brasil e é atualizado em razão do dinamismo da propositura de ações e de novas decisões judiciais.

Decisões

Entre as decisões pró-contribuinte está uma proferida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região em 28 de abril, garantindo à empresa paranaense Comercial Matelândia Ltda a substituição da penhora sobre valores depositados em banco para a penhora de um imóvel em um processo de execução fiscal. A contribuinte alegou que precisava do dinheiro para quitar a folha de pagamento dos funcionários.

Em 1ª instância o juiz negou a tutela de urgência para substituir os valores bloqueados por meio do BacenJud por outras garantias por entender que a contribuinte não conseguiu demonstrar que os valores constritos nas contas bancárias seriam usados para quitar a folha de pagamento. No entanto, a empresa agravou e obteve êxito. A União fez um pedido de reconsideração, que também foi negado.

“Neste momento de excepcional crise econômica, na análise da preponderância dos interesses da União e do executado, não é legítimo que este sofra uma restrição, que atinge o núcleo essencial do princípio do livre exercício da atividade econômica, mais do que a necessária para que o crédito tributário continue protegido, ainda que com bens de menor liquidez, mas não de menor garantia”, diz a decisão assinada pelo juiz Alexandre Rossato da Silva Ávila.

Entre as decisões pró-Fazenda Nacional estão, por exemplo, uma proferida pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região em 13 de abril. O desembargador Antônio Cedenho negou a tutela de urgência pedida pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) em uma execução relativa à Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ). A empresa alegou que, em tempos de pandemia, a penhora em dinheiro coloca em risco a atividade econômica e os postos de trabalho. A companhia propôs trocar o bloqueio por seguro garantia e bens imóveis.

Entretanto, para o desembargador, os efeitos da pandemia não podem levar à paralisação e inefetividade da execução fiscal. Na decisão, ele alega que “a companhia, para enfrentar o risco de paralisação da atividade econômica e de perda de empregos, deve recorrer aos programas governamentais de cooperação”. O magistrado destacou ainda que os bens oferecidos não garantem suficientemente os créditos tributários, uma vez que o seguro garantia cobre apenas uma parte da penhora e os demais ativos propostos apresentam baixa liquidez.

“A União executa crédito tributário próximo a um bilhão de reais, cuja insatisfação prejudica o orçamento fiscal e as próprias ações voltadas ao combate do Covid-19 – programas de saúde e de preservação de emprego, vistos sob a perspectiva da totalidade da população e da economia”, diz o texto da decisão.

Caso a caso

Na análise do tributarista Eduardo Arrieiro, do escritório Arrieiro, Dilly & Papini Advogados, a decisão de liberar os valores penhorados via BacenJud vai depender muito do caso a caso. Ele ressalta que é importante a companhia provar a necessidade do dinheiro para a sua sobrevivência e manutenção de compromissos como os salários dos funcionários, que, neste caso sobressai às questões tributárias. Arrieiro ainda destaca que a apresentação de outras garantias, como o seguro ou outros bens podem auxiliar na decisão positiva ao contribuinte.

“O dinheiro que é penhorado via BacenJud fica lá preso em garantia a uma discussão judicial. Esse bloqueio, neste momento de pandemia, afeta demais a empresa que já está fragilizada. Essa situação pode resultar até no fechamento da empresa. Esse recurso pode ser a última salvação para ela honrar o compromisso para se manter ativa”, defende Arrieiro.

“A gente tem toda a situação de preservação da empresa, da fonte produtora, geradora de emprego, renda e tributos. O Estado tem interesse na preservação da empresa. Então seria um contrassenso não liberar esse valor agora, sendo que a empresa está impedida de funcionar por um ato estatal”, complementa o advogado.

Gustavo Vita, advogado do escritório Ogawa, Lazzerotti e Baraldi Advogados, defende que, se empresa está pedindo a liberação do valor do BacenJud para quitar a folha de funcionários, ela pode ser atendida por conta da natureza trabalhista. Para ele, a substituição do valor bloqueado via BacenJud por outras garantias não gera prejuízo ao fisco. “A folha de pagamentos pode ser equiparada a uma natureza alimentícia. É um argumento plausível o contribuinte comprovar a queda de receita da atividade dele e pedir a substituição do valor penhorado quando tem por finalidade quitar a folha de pagamento”.

Já Lana Borges, da PGFN, defende que a legislação dá preferência ao dinheiro. Ela argumenta ainda que, em regra, as empresas não oferecem seguro-garantia na totalidade da execução, uma vez que o valor do seguro deve ser 30% superior à dívida. Além disso, nem sempre os contribuintes oferecem bens com liquidez suficiente. “Os valores [bloqueados via BacenJud] ficam indisponíveis para o contribuinte. Eles não podem constar no ativo circulante do contribuinte como se fossem receitas do contribuinte”.

Ações citadas na matéria:

501221-77.2020.4.04.0000
5007290-58.2020.4.03.0000