Conselheiro da 2ª Turma da 3ª Câmara da 1ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) cumprindo seu primeiro mandato, Cleucio Santos Nunes é graduado em Direito pela Universidade Católica de Santos (UniSantos), tem pós-graduação em Direito Tributário e Processo Tributário pela PUC – SP, mestrado em Direito Ambiental pela UniSantos e é doutor em Direito pela UnB.
Cleucio Santos Nunes afirma encarar com naturalidade, e considera essencial, o fato de que em um órgão colegiado as opiniões divirjam, especialmente se tratando de discussões jurídicas. O conselheiro diz que, quando a opinião da maioria reflete uma solução consensual, altera seu entendimento para seguir os demais membros da Turma. Em outras ocasiões, quando entende que sua opinião é a mais adequada para resolver o caso, mantém suas conclusões.
Mesmo estando há pouco tempo no conselho, Cleucio Santos Nunes pôde proferir o voto que prevaleceu nas decisões de quando o contribuinte alega matéria referente a controle de constitucionalidade da lei, devendo o recurso ser conhecido para, em seguida, fundamentar se é o caso de aplicação da súmula Carf nº 2. Depois do voto que o conselheiro apresentou, o colegiado passou a adotar o entendimento nas discussões.
Em seu tempo livre, Cleucio Santos Nunes gosta de tocar violão e compor canções. Os livros que não saem da sua mesa são “O negro no mundo dos brancos”, de Florestan Fernandes, “Memórias póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis e “A Short History of Distributive Justice”, de Samuel Fleischacker. (Leia todos os perfis e entrevistas de conselheiros do Carf).
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Ficha técnica de Cleucio Santos Nunes
Formação e vida acadêmica: Graduado em Direito pela Universidade Católica de Santos – UniSantos, pós-graduação em Direito Tributário e Processo Tributário pela PUC/SP; mestre em Direito Ambiental pela UniSantos e doutor em Direito pela UnB.
Alma matter: Universidade Católica de Santos (UniSantos), Pontifícia Universidade Católica (PUC – SP) e UnB.
Origem da indicação: Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF)
Hobby: tocar violão e compor canções
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Sobre as decisões de Cleucio Santos Nunes
Qual foi o voto mais inovador que proferiu?
No ano passado, logo após ingressar no Carf, apreciei um caso em que conclui pela não incidência de IRRF sobre reembolso de despesas realizado por empresa coligada no Brasil à sua controladora situada no exterior, porque o valor pago decorreu de ressarcimento de despesas com empregados expatriados da controladora estrangeira à controlada brasileira.
Nesse tipo de caso, entendi que não se configura prestação de serviços de uma empresa em favor da outra, mas simples retorno de capital, razão pela qual o tributo não incide. Para mim, a questão era nova, pois não havia participado de nenhum julgamento em que esse assunto tivesse sido abordado.
Qual foi o caso mais importante em que seu posicionamento se tornou o entendimento do colegiado?
Estou há pouco mais de um ano no Conselho e, considerando as restrições de julgamento em razão da pandemia, não tive ainda a oportunidade de me deparar com casos muito relevantes que pudessem demandar estudos aprofundados. Seja como for, apresentei um voto em que prevaleceu o entendimento de que quando o contribuinte alega matéria referente a controle de constitucionalidade da lei, deve o recurso ser conhecido para, em seguida, fundamentar se é o caso de aplicação da súmula Carf nº 2.
De acordo com o enunciado dessa súmula, o Carf não é competente para se pronunciar sobre constitucionalidade de lei. No voto, enfatizei que o recurso deve ser primeiramente conhecido, até porque pode ser o caso de se aplicar precedente em que o Poder Judiciário, no exercício do controle de constitucionalidade, declarou a lei inconstitucional. Assim, se o recurso não for conhecido não haverá como, logicamente, aplicar-se tal precedente.
Qual foi o caso mais difícil de formar sua convicção?
A questão referente à decadência do direito de a Fazenda revisar a base de cálculo do IRPJ ou da CSLL sem lavratura de auto de infração nos procedimentos de compensação. A primeira vez que votei sobre esta matéria em um caso que não era da minha relatoria, fiquei muito em dúvida. Em princípio, cheguei a entender que a Fazenda poderia revisar tanto o crédito quanto a base de cálculo do tributo compensado, pois, na compensação, crédito e débito possuem uma certa unicidade lógica. Assim, se a Fazenda pode analisar as parcelas que compõem o crédito quando aquelas ocorreram há mais de cinco anos do momento em que estão sendo analisadas, o mesmo raciocínio deveria ser aplicado para a base cálculo do tributo confessado e que foi extinto com a compensação.
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Em seguida, mas na mesma oportunidade daquele julgamento, convenci-me de que a base de cálculo do tributo confessado pertence logicamente ao débito do contribuinte com a Fazenda, de modo que esta deverá observar as regras relativas à decadência para rever a base de cálculo, caso contrário, as normas sobre decadência de constituição do crédito tributário seriam afastadas em razão da compensação.
A norma do art. 74 da Lei nº 9.430, de 1996, não faz essa concessão à Administração Tributária e nem poderia fazer, pois decadência do crédito tributário é matéria reservada à Lei Complementar, conforme prevê o art. 146, III, “b” da Constituição Federal. No mesmo sentido, orienta a súmula vinculante nº 8. Além disso, nos termos do art. 10 do Decreto nº 70.235 de 1972, para alterar a base de cálculo de um tributo confessado pelo contribuinte a Fazenda terá que fazê-lo mediante auto de infração para assegurar a ampla defesa mediante impugnação contra ato praticado pela autoridade fazendária. Na compensação, por outro lado, assegura-se ao contribuinte o contraditório e a ampla defesa mediante manifestação de inconformidade, em razão de o contribuinte ter tomado a iniciativa de exercer o direito à compensação e este não ter sido deferido ou homologado.
Embora possa parecer uma questão meramente formal, fundamentalmente, não é. Isso porque, seguindo as regras estabelecidas, na compensação o contribuinte apresenta um crédito e confessa um débito que, no seu entendimento, é o valor que acredita ser o devido. Se a Fazenda entende que este valor não está certo em razão de apontamentos na base de cálculo do tributo, deverá instaurar procedimento à parte para que o contribuinte possa se defender desse fato específico e isso tem que ser feito em cinco anos, nos termos dos arts. 150, §4º ou 173, I ambos do CTN. Não pode a Fazenda se valer da boa-fé do contribuinte que requer a compensação de um crédito com um débito e glosar parcelas da base de cálculo do tributo confessado no âmbito do procedimento compensatório, que foi instaurado pelo próprio contribuinte. Enfim, essa é uma questão difícil em que tanto a decisão favorável à Fazenda quanto ao contribuinte possui bons argumentos.
Qual foi o caso em que seu voto teve mais força para pacificar uma discussão?
Faço parte de uma turma julgadora em que todos os seus membros são muito competentes, experientes e profundos conhecedores da matéria. Além disso, são extremamente acolhedores e respeitosos. As discussões nos momentos de julgamento visam alcançar a melhor decisão para o caso concreto, com elevado espírito público e com as melhores intenções de prestar um bom serviço à sociedade. Por isso, acredito que algum voto meu, ainda que tenha se valido de bons argumentos, não serviu para pacificar uma discussão, mas para contribuir com a melhor solução ao caso concreto
Qual foi o caso mais marcante em que você foi voto vencido?
Nenhum voto em que saí vencido me marcou sentimentalmente. Isso porque, em um órgão colegiado, é natural que as opiniões divirjam, especialmente tratando-se de discussões jurídicas. Assim, ainda que possa em princípio ter me convencido de que a solução que encontrei seria a melhor, nem sempre esse entendimento prevaleceu na opinião dos demais membros da Turma. A meu ver, é muito importante que as decisões do Conselho primam pela colegialidade.
Dessa forma, algumas vezes em que verifiquei que a opinião da maioria refletia uma solução consensual, alterei meu entendimento para seguir os demais membros da Turma. Em outras ocasiões, especialmente quando entendi que os meus fundamentos eram os mais adequados para resolver o caso, mantive minhas conclusões ficando vencido, ora acompanhado de outros colegas conselheiros, ora isoladamente. Enfim, a divergência de opiniões é essencial e, como na frase atribuída ao economista John Galbraith: “sem a divergência, correríamos o risco de todos estarmos errados”.
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De que discussão adoraria ter a oportunidade de participar como julgador?
Respondendo objetivamente à pergunta, gostaria de participar de julgamentos em que as decisões administrativas fossem “definitivas”, mas sei que isso, por enquanto, está muito distante e, provavelmente, não participarei desse tipo de julgamento enquanto estiver no Carf.
Explico porque. Sou autor do livro Curso Completo de Direito Processual Tributário, que está em sua 4ª edição pela editora Saraiva. Nessa obra e na disciplina Direito Processual Tributário Contemporâneo, que leciono no Mestrado em Direito da Universidade Católica de Brasília, uma das questões teóricas que suscito acena para medidas que permitam tornar o Processo Administrativo Brasileiro um instrumento em que suas decisões convençam os contribuintes de que a solução encontrada foi a mais adequada possível, evitando-se, desta forma, pedidos de sua anulação ou revisão perante o Poder Judiciário.
Daí porque, tenho defendido a possibilidade de as decisões do Processo Administrativo Tributário serem definitivas, isto é, não poderem ser rediscutidas no Judiciário. Para que isso seja viável, é necessário se observar algumas condições, sob pena de a proposta esbarrar na norma do art. 5º, XXXV da Constituição Federal, que assegura o direito fundamental de acesso ao Poder Judiciário nos casos de ameaça ou lesão a direito. Entendo que, se for facultado ao contribuinte “optar” entre o processo administrativo com decisão definitiva ou o processo judicial, não haveria ofensa ao inciso XXXV do artigo 5º, pois a garantia constitucional estará assegurada, podendo o contribuinte escolher uma ou outra via. Daí por que, penso que seria inconstitucional impor-se ao contribuinte que o processo administrativo fosse a única instância de discussão da matéria controvertida, sem possibilidade de “optar” pela via judicial.
Por outro lado, ficando claro ao contribuinte que quando fizesse a opção pelo processo administrativo a decisão seria definitiva, acredito que haveria vantagens importantes no descongestionamento do Poder Judiciário com discussões tributárias. Evidentemente que questões referentes a nulidades do julgamento administrativo devem permanecer sendo discutidas na Justiça. No entanto, para atrair os contribuintes a optarem pelo Processo Administrativo, explico no livro que algumas alterações estruturais tanto no rito dos processos quanto na formação dos tribunais administrativos deveriam ser implementadas.
Visão de mundo do conselheiro
Qual é o papel do Estado e do seu trabalho no desenvolvimento da nação?
Em um país como o Brasil, com um lastro histórico de desigualdades, penso que o Estado é fundamental para a correção desse problema. Nesse sentido, o art. 3º da Constituição Federal foi preciso fixar os objetivos da República visando o atendimento de necessidades coletivas imprescindíveis que configuram a ideia de justiça distributiva e respeito às diversidades. Dentre os objetivos, costumo dar destaque a dois. O primeiro, a erradicação da pobreza, da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais. O segundo, é a promoção do bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Estes e outros objetivos constituem o nosso pacto social, a demonstrar que vivemos em sociedade e não isoladamente, e o sofrimento do outro em razão da falta dos bens essenciais que conformam uma vida digna de ser vivida é um problema da sociedade e não de alguém individualmente.
A pandemia escancarou ainda mais isso que todo mundo sabia. Daí por que entendo que quatro direitos básicos integram essa ideia de dignidade, quais sejam saúde, segurança alimentar, educação e moradia. Em uma economia capitalista, o ideal seria que o mercado assegurasse a todos uma renda digna, capaz da aquisição desses bens. Ocorre que, quando o mercado falha (não importa agora discorrer sobre os motivos), é papel do Estado impedir que a sociedade ingresse em uma zona de tensão diante da ausência desses direitos.
Para a correção desses problemas, a história comprovou que o Estado, quando bem gerido, é capaz de promover as condições para que esses objetivos sejam alcançados com menos perdas de expectativas realizáveis. Os tributos, por sua vez, devem servir de suporte financeiro para a asseguração desses objetivos. Cumprir as finalidades da república não é uma visão ideológica, mas o atendimento de um fundamento constitucional.
Quanto ao meu trabalho, penso que contribuo com as minhas aulas no Mestrado em Direito na Universidade Católica de Brasília e na graduação do Centro Universitário de Brasília (UniCeub), em pesquisar soluções sobre como o sistema de tributação pode auxiliar no alcance desses objetivos. Como conselheiro, acredito que posso contribuir, ainda que minimamente, com soluções justas sobre os conflitos tributários, permitindo que contribuintes e Fazenda sejam atendidos, dando a cada um o que lhe cabe.
Quais julgamentos e decisões de que você não participou como julgador marcaram sua vida profissional até hoje?
Nas duas primeiras décadas dos anos 2000, o país experimentou avanços na construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Antes que isso possa ser interpretado como um discurso político – e não haveria nenhum problema moral se assim o fosse – é, sobretudo, uma questão jurídica radicada no artigo 3º da Constituição Federal, que dentre outros princípios, formam o nosso pacto social.
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal exerceu função institucional importante reconhecendo o “direito à igualdade de direitos” de diversas populações a quem se impôs a categoria de serem minoritárias. Foi assim para negros e negras, comunidade LGBTQIA+, indígenas e quilombolas. Por isso, marcou a minha vida profissional de forma positiva, assistir aos julgamentos históricos do Supremo Tribunal Federal em que se legitimou a política de cotas para negros nas Universidades Públicas e no serviço público.
A mesma impressão senti quando a Suprema Corte equiparou ao crime de racismo a homofobia e demarcou as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, no caso Raposa Serra do Sol. Tive também essa boa sensação quando o Tribunal afastou a tese de marco temporal para o reconhecimento de terras quilombolas. Com essas decisões alinhadas ao texto constitucional, o Supremo Tribunal Federal ajudou a sociedade brasileira a tentar se reconhecer mais plural, democrática e, portanto, justa. Isso me marcou como profissional e cidadão. No entanto, pelo que se tem visto ultimamente, é necessário avançar mais na conscientização pela igualdade.
Quem são as pessoas que te inspiram (pessoalmente e profissionalmente)?
São algumas e, certamente, serei injusto por não mencionar todas essas pessoas. De qualquer forma, gostaria de citar um artista por quem tenho admiração pessoal desde quando eu era adolescente. Refiro-me ao Caetano Veloso, de quem sou fã por sua obra musical repleta de letras belíssimas, profundas e influenciadoras, sem falar no seu timbre aveludado e tocante.
Quanto a um profissional, pessoalmente admiro o Ministro Luís Roberto Barroso, porque, antes mesmo de ser ministro, para mim era um exemplo de jurista, autor de obras e artigos na área do direito constitucional que inspiram a construção de uma sociedade melhor. Além disso, é um escritor muito culto e um orador elegante, a quem tenho muita admiração..
Quais são os livros e referências que não saem de cima da sua mesa?
“O negro no mundo dos brancos”, de Florestan Fernandes; “Brasil: uma biografia”, de Lilia Moritz Schwarcz e Heloisa Murgel Starling; “Formação econômica do Brasil”, de Celso Furtado; “Memórias póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis; “Uma Teoria de Justiça”, de John Rawls; e “A Short History of Distributive Justice”, de Samuel Fleischacker.