1ª Turma da 4ª Câmara da 3ª Seção

Carf: conselheiros dos contribuintes se dizem coagidos por presidente de turma

Após debate sobre aplicação de súmula presidente de turma afirmou que representaria conselheiros dos contribuintes

sessões virtuais, carf
Foto: André Corrêa/Agência Senado

Uma discussão sobre aplicação de súmula levou o presidente da 1ª Turma da 4ª Câmara da 3ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) a afirmar que representaria contra conselheiros dos contribuintes que atuam no colegiado. Como consequência, eles podem perder o mandato.

Lázaro Soares disse ter “dever de lealdade a todos os colegas”, e antes que fossem proferidos todos os votos, interrompeu a sessão para comunicar que a consultou a administração do Carf sobre a situação e foi orientado a fazer uma representação. “Caso o voto seja contrário ao conteúdo da súmula, a questão deve constar em ata de forma mais detalhada possível e, em seguida, o presidente do colegiado deve fazer uma representação à presidência do Carf dando notícia do ocorrido, que é exatamente o que eu irei fazer”.

No centro da discussão está a Súmula 11 do Carf, que prevê a não aplicação da prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal. A prescrição existe para garantir a duração razoável do processo e, no caso de processos administrativos, a União tem até três anos para analisar os pedidos feitos pelas partes.

Ao analisar o julgado, os conselheiros dos contribuintes votaram pelo reconhecimento da prescrição intercorrente porque o caso concreto tratava de multa aduaneira. Eles entendem que a Súmula 11 restringe-se apenas a matéria tributária, e não aduaneira.

Como efeito prático, caso fosse formada maioria no colegiado, seriam declaradas prescritas as multas cobradas em processos pendentes de movimentação a três anos.

“Me sinto coagida”

A manifestação do presidente o colocou em rota de colisão com os representantes dos contribuintes Leonardo  Branco, Fernanda Kotzias e Mariel Orsi Gameiro. Eles alegaram não haver descumprimento da súmula, mas sim uma distinção ao não aplicá-la no caso concreto.

“Se o senhor consignar em ata dizendo que eu descumpri súmula, o senhor está dizendo que eu não tenho direito a fazer um distinguishing, nos termos do manual do próprio conselho”, disse a conselheira Fernanda, que considera a atitude do presidente “um cerceamento muito grave às atribuições dos conselheiros”.

Ela defendeu que não era o caso de representação e complementou: “Esse é o meu trabalho, dependo disso para sobreviver, por isso estou me sentindo, sim, coagida. Não é o caso de agir dessa forma”. A conselheira também apontou diferença de tratamento, já que os representantes do fisco, se afastados do Carf, serão “simplesmente recolocados com salário integral e todos os benefícios” à Receita Federal.

Em uma de suas réplicas, o presidente disse que não ter feito ameaças, mas sim um alerta. “Muitas vezes a gente tenta fazer um alerta, avisar de uma situação como uma preocupação e ser entendido como ameaça. Essa decisão [apresentar a representação] não foi minha e não será minha.”

Apoio interno

O conselheiro Leonardo Branco destacou os efeitos da falta de apoio institucional para proferir voto: “o apoio é determinante para atividade do julgador, que precisa ser imparcial. A imparcialidade só existe se a gente tiver segurança que as nossas decisões vão estar nos autos.”

“Eu preciso de serenidade, tranquilidade para dizer que a esse caso a súmula não se aplica. Estou contrariando a regra do Carf que diz que há perda de cargo se violar a súmula? De modo nenhum, ninguém aqui está fazendo revolução, estamos seguindo as regras. O manual do presidente diz: se houver distinguishing, basta consignar no voto e pronto”, afirmou o julgador.

Além disso, Branco chamou a atenção para o peso de uma representação contra conselheiros, ainda que ao final do processo eles sejam inocentados. “A representação está feita. O achaque está feito, o eventual crime contra a honra está feito. É injurioso dizer: ‘Você descumpriu uma norma, o que vai custar o seu emprego, seu salário, o mandato, a caneta'”.

Já ao final, o relator do processo, conselheiro Ronaldo Souza Dias, afirmou que o presidente não cerceou a discussão técnica, e defendeu que a representação “é juízo do presidente”. Para evitar constrangimento, ele sugeriu debater na turma qual seria a punição aplicável para descumprimento de súmula. No entanto, o presidente afirmou que isso é de competência da administração do Carf.

Passadas três horas de debate, o presidente encerrou a sessão e retirou o processo de pauta. A sessão aconteceu pela manhã do dia 25 de março, e todos os demais processos sobre o tema e que estavam previstos para julgamento à tarde foram adiados.

Desdobramentos em breve

O presidente da Associação dos Conselheiros Representantes dos Contribuintes (Aconcarf) afirmou ao JOTA que apoia e se solidariza com os conselheiros que se sentiram coagidos. Segundo Laércio Cruz Uliana Jr., além de os conselheiros serem experientes, a conduta deles “foi coesa com o que determinam as normas internas no Carf”.

“A ameaça, por si só, reflete uma interferência indevida e contrária ao livre convencimento dos conselheiros, que independente da bandeira de representação – fisco ou contribuinte, devem pautar suas decisões em entendimentos técnicos e fundamentos legais; e não em arguições de cunho pessoal”, defendeu a associação em nota de repúdio. 

JOTA apurou que o Conselho Federal da OAB e algumas Confederações também analisam o assunto em regime de urgência. O advogado tributarista Igor Mauler Santiago, que integra a Comissão de Direito Tributário da OAB, afirmou que o grupo já está estuda quais medidas poderão ser tomadas.

Processo citado na notícia: 10280.722093/2011-42

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