Entrevista

Presidente do TST: ‘Acho engraçado quando falam que a reforma não trouxe emprego’

Maria Cristina Peduzzi diz não ver ‘nenhum aspecto negativo’ na reforma e fala sobre mudanças nas ações com a pandemia

presidente do tst
Maria Cristina Peduzzi é presidente do TST / Créditos: Giovanna Bembom/SECOM-TST

A presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Maria Cristina Peduzzi, disse, em entrevista ao JOTA, que, embora deva ser analisado caso a caso, a regra geral é a possibilidade de o empregador exigir o comprovante de vacinação contra a Covid-19 ou o teste substitutivo do empregado.

Ela afirmou que ainda não chegou ao TST nenhum recurso relativo à discussão sobre demissão por justa causa dos funcionários que recusam a imunização, mas lembrou as orientações que vieram do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a compulsoriedade da vacinação contra a Covid-19 e da decisão do ministro Luís Roberto Barroso que suspendeu uma portaria do governo federal contra a exigência do comprovante. “Por isso que nós não temos dúvidas sobre a diretriz”, afirmou.

A ministra expôs sua opinião sobre reforma trabalhista e listou aspectos que analisa como positivos: “Até acho engraçado quando falam que a reforma não trouxe emprego porque a geração de emprego depende de múltiplos fatores”. A presidente do TST apontou o tema da reforma que é o mais importante entre os que ainda faltam ser julgados pelo Supremo: o alcance da negociação coletiva. (Entenda o que o STF ainda precisa decidir sobre Reforma Trabalhista).

A presidente do TST falou ainda sobre as demandas para o reconhecimento de vínculo de motoristas e entregadores com as plataformas: “Não posso aqui também falar genericamente, preciso examinar, mas a minha impressão é no sentido de que é uma forma realmente nova de prestar o trabalho onde não se identifica de imediato elementos que caracterizem o vínculo de emprego”.

Leia abaixo a entrevista:

Pandemia e vacinação na visão da presidente do TST

Qual foi o maior desafio que a pandemia trouxe no âmbito trabalhista?

Temos um reflexo imediato nas matérias que foram trazidas para a Justiça do Trabalho. Em 2020, esse foi o ranking: em primeiro, foi aviso prévio; em segundo, a multa de 40% do Fundo de Garantia; e, em terceiro, multa do artigo 477 da CLT, que é a rescisória.

Já no ano de 2021, temos um quadro alterado em relação à natureza das demandas: validade da exigência de certificado de vacinação para ingresso em ambiente de trabalho, possibilidade ou não de rescindir o contrato por justa causa, havendo recusa injustificada do empregado em apresentar o atestado ou em se submeter a um teste, a necessidade ou não da utilização do equipamento de proteção. 

Por falar sobre a obrigatoriedade de apresentação do comprovante de vacinação pelo empregado, há previsão para julgamento de alguma ação nesse sentido no TST?

Temos decisões já de tribunais regionais de trabalho, temos uma que circulou nos sites jurídicos, que tratava de uma auxiliar de limpeza em um hospital infantil. E o tribunal considerou a recusa injustificada da vacinação como justa causa para a rescisão do contrato. Temos decisão de primeiro grau nesse sentido. Mas o TST ainda não definiu, ainda não chegou nenhum recurso. Mas não é difícil avaliar, porque o STF já se manifestou sobre a questão. 

Tivemos aquela primeira lei, a lei geral que disciplinou essa situação temporária da pandemia, a Lei 13.979/2020, e o STF julgou três Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIs) que tratavam da constitucionalidade daqueles dispositivos. O STF firmou uma tese dispondo sobre a compulsoriedade da vacinação.

Mais recentemente, tivemos uma segunda manifestação do STF, já concreta, sobre a portaria que foi editada pelo ministro do Trabalho e que sustentava ser discriminatória a exigência [do comprovante de vacinação]. Houve uma medida liminar que foi deferida pelo relator, ministro Luís Roberto Barroso, suspendendo a eficácia de dispositivos dessa portaria para, justamente, reconhecer a exigência do atestado de vacinação. Já temos decisões do STF, essas últimas em três Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs). 

Temos em ADIs e ADPF a reafirmação, primeiro, da obrigatoriedade da vacinação e, segundo, da constitucionalidade da exigência do certificado de vacinação. Claro, quando houver causa justificável, não será exigível. Mas, a regra geral é, justamente, a possibilidade de o empregador exigir o atestado ou o teste substitutivo. Por isso que nós não temos dúvidas sobre a diretriz. E vou além: o STF internamente aprovou uma resolução exigindo para os servidores do STF e para quem ingressa na Corte a exibição do atestado de vacinação ou equivalente. E nós aqui no TST editamos também um ato na mesma linha de entendimento do STF.

Entendo que a senhora, pessoalmente, não tem muitas dúvidas de que o empregador pode demitir por justa causa o funcionário que se recusar a receber a vacina?

Eu nem poderia aqui fazer uma afirmação genérica de uma questão que amanhã eu terei de julgar. Eu tenho a convicção de que cada caso é um caso. E que temos que examinar o caso concreto. O próprio ministro Barroso, na decisão liminar que proferiu a propósito da suspensão da eficácia de artigos da portaria, diz que é em última instância.

Temos outras formas de exigir e apenar. Temos advertência. Antes da advertência, precisamos que uma campanha de esclarecimento sobre a vacinação seja produzida no âmbito daquela empresa. Não é uma questão simples: há justa causa ou não há justa causa.

Temos que cumprir esses requisitos prévios, fazer a campanha, mostrar a campanha da vacinação, aplicar uma penalidade maior, uma advertência. Temos que considerar sempre o caso concreto e identificar naquela situação a existência ou não de uma justa causa. 

A reforma trabalhista na visão da presidente do TST

Das mudanças trazidas pela última reforma trabalhista, que estão sendo questionadas no STF, quais são as mais significativas na sua avaliação?

Todas as questões são importantes, mas diria que um tema da maior importância é sobre o alcance da negociação coletiva. Todos sabemos que o grande foco da reforma trabalhista foi a valorização da autonomia da vontade individual e coletiva.

A segurança jurídica também é muito importante porque, se não existir segurança jurídica na aplicação da lei e na celebração dos acordos das convenções coletivas, vamos acabar tornando o instrumento da negociação coletiva uma quimera. 

A reforma é de 2017. Estamos no final de 2021. Qual é o impacto dessa demora dos julgamentos pendentes no STF?

Enquanto não julgar, claro, sempre fica uma situação indefinida. Mas, pela análise que se faz das decisões do STF já produzidas em vários temas, alguns da reforma e outros de fora da reforma, a reforma tem sido valorizada, tem sido afirmada preponderantemente constitucional. 

Como alguém que está no comando do tribunal mais importante da estrutura da Justiça do Trabalho, qual é a avaliação da senhora sobre a reforma trabalhista na prática? 

Até acho engraçado quando falam que a reforma não trouxe emprego porque a geração de emprego depende de múltiplos fatores. Em 2008, tivemos uma grande crise econômica no mundo. Os países europeus produziram reformas nas suas legislações, sobretudo focando em dois aspectos: flexibilização da jornada de trabalho e facilitação nas admissões e rescisões dos contratos de trabalho, para enfrentar uma crise econômica. O Brasil, depois dessas reformas que se produziram nesses países, aprovou a sua reforma trabalhista. Então, não é uma novidade. 

Quais são os aspectos negativos da reforma trabalhista?

Não me ocorre nenhum aspecto negativo. Acho que a reforma trabalhista, como outras leis que vieram, acompanharam as necessidades da revolução tecnológica 4.0. 

E o que ela trouxe de avanços, na sua opinião?

Não tínhamos aqui estabilidade legal, mas a reforma deixou clara a flexibilização das jornadas, que está envolvida com a questão do alcance da negociação coletiva.

A reforma disciplinou institutos que passaram a existir na nossa prática diária de trabalho, disciplinou o teletrabalho, o trabalho intermitente, trouxe para o bojo de uma relação de emprego relações que antes se produziam na informalidade.

O trabalho autônomo já existia, porque a disciplina está no Código Civil desde sempre, mas veio para o bojo da CLT a disciplina do trabalho autônomo porque, hoje, temos a contratação por meio das plataformas digitais, temos uma prestação de serviços que não é, necessariamente, derivada de uma relação de emprego porque é uma forma nova de arregimentar trabalho por meio de plataformas digitais e de aplicativos com o auxílio dos algoritmos.

Veja o sistema de iFood. Você não viu os entregadores querendo o vínculo de emprego. Não. Eles postularam, por meio de uma negociação coletiva, condições dignas de trabalho. Então, o trabalho autônomo não é um trabalho à margem da lei. É um  trabalho que tem garantias legais – e todo trabalho tem que ter uma garantia e tem que ter como resposta a base de direitos que eu digo que é o patamar civilizatório mínimo, que deve ser assegurado a todo aquele que trabalha, mas não necessariamente o vínculo subordinado de emprego. 

Plataformas digitais

O MPT tem entrado com ações para que a Justiça trabalhista condene plataformas como Uber, iFood, 99 a reconhecer o vínculo empregatício com motoristas e entregadores. Qual é sua posição sobre o tema?

Já temos decisões pontuais em duas turmas do TST sobre relação do motorista do Uber com a plataforma. São decisões no sentido de negar o vínculo a esses trabalhadores. Inclusive, o STJ julgando conflito de competência para saber se a competência era da Justiça do Trabalho ou da Justiça comum, firmou a competência da Justiça comum fundado em que não havia vínculo de emprego.

O fato de não haver o vínculo de emprego regido pela CLT, de haver uma relação autônoma não descaracteriza a competência da Justiça do Trabalho. Mas o certo é que há decisões do STJ e de duas turmas do TST de negar o vínculo de emprego. 

E isso deve ser levado a Plenário no TST?

Certamente, será e creio que isso não deve tardar porque já tem processos aqui. 

A senhora, como presidente do TST, tem alguma previsão?

Não tenho, mas creio que não vamos tardar. 

Sua posição é mais no sentido de negar o vínculo?

Não posso aqui também falar genericamente, preciso examinar, mas a minha impressão é no sentido de que é uma forma realmente nova de prestar o trabalho, em que não se identifica de imediato elementos que caracterizem o vínculo de emprego. Mas só poderei decidir no caso concreto. 

Esse entendimento exime a plataforma de uma ajuda em caso de acidente de trânsito ou de afastamento por contaminação por Covid-19, por exemplo?

O tema da responsabilidade civil, independentemente de ser derivado de uma relação de emprego ou não, é o Código Civil que rege. Qual é a teoria que prevalece? Eu, juiz, só posso condenar a esses ressarcimentos se houver provas de que o agente agiu com culpa.

Então, teria que se comprovar que a plataforma agiu com culpa, com negligência, imprudência ou imperícia em relação àquele trabalhador. Se isso ficar comprovado, não precisa ter vínculo de emprego, haverá responsabilização subjetiva de quem responde pela culpa, quem produziu o dano. E tem que haver um nexo de causalidade. 

Outros temas abordados pela presidente do TST

A senhora entende ser possível uma contrarreforma no Direito do Trabalho na hipótese de mudança de governo e com um novo Congresso eleito?

Isso é muito subjetivo, prefiro pensar que as reformas que foram introduzidas buscaram adequar a disciplina das relações de trabalho às novas demandas da economia. 

Como presidente do TST, o que a senhora apontaria como os principais desafios de 2022?

O desafio persistente é colocar em dia o serviço, é julgar com celeridade. Temos mecanismos que estão sendo implementados e que foram importantes durante a pandemia. Um deles é a teoria dos precedentes. Cada vez mais, compreendemos a importância dos precedentes. Temos aqui o instituto dos incidentes dos recursos repetitivos, em que o Tribunal forma teses que vão ser aplicadas em todas as instâncias. Esta prática dos precedentes é importante para corrigir esse problema da falta de celeridade. Estamos muito empenhados em aplicar a teoria dos precedentes.  

Qual é sua opinião a respeito da ADC 58, que tratou sobre os índices de correção monetária nas demandas trabalhistas?

Este foi um julgamento muito importante. O STF fixou ali balizas relevantes. A correção monetária e os juros de mora dos débitos trabalhistas geraram muitos questionamentos no âmbito do próprio TST.

Achei muito adequada essa fixação porque o crédito trabalhista tinha realmente uma valorização maior do que os de outra natureza. Isso ficou muito claro no voto do ministro Gilmar.

No voto que proferi sobre o tema, aqui no TST, no julgamento que ficou suspenso e, depois prejudicado, da nossa Arguição de Constitucionalidade, argumentei num sentido muito similar àquele que, depois, o STF adotou, que foi no sentido de que a demora no pagamento dos débitos trabalhistas atrai não apenas a incidência da correção monetária, mas também a de juros de 1% ao mês e que isso gera um percentual muito acima dos demais, daí a incompatibilidade das duas correções, como veio a ser afirmado no voto do ministro Gilmar. 

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