Reforma trabalhista

Estudo divulgado pelo governo propõe que trabalhador deixe de receber multa do FGTS

Especialistas sugerem também que liberação de seguro-desemprego esteja vinculado a empresas estarem em dia com INSS

contrato de trabalho verde e amarelo
Crédito: Pexels

Divulgada na última semana pelo governo federal e alvo de críticas de sindicatos, uma proposta de especialistas convidados pelo Ministério da Economia para pensar em mudanças no mercado de trabalho e na legislação trabalhista sugere alterações no FGTS e no seguro-desemprego. Há sugestões de que a multa por demissão deixe de ser depositada para o trabalhador e que a liberação do seguro dependa de as contribuições previdenciárias pelas empresas estarem em dia.

As recomendações estão nos relatórios do Grupo de Altos Estudos do Trabalho (Gaet), criado em 2019 pelo Ministério da Economia para propor mudanças que contribuíssem para a “modernização das relações trabalhistas e para o futuro do trabalho no país”. O grupo foi dividido em quatro frentes, que apresentaram propostas próprias: economia e trabalho; Direito do Trabalho e segurança jurídica; trabalho e previdência; e liberdade sindical. Leia a íntegra do relatório.

No estudo, lê-se que “os documentos não contam, necessariamente, com a concordância, integral ou parcial, deste Ministério do Trabalho e Previdência ou mesmo do governo federal”.

O eixo de economia e trabalho, coordenada pelo economista Ricardo Paes de Barros, professor do Insper, aborda a necessidade de aumentar produtividade. Para isso, um dos obstáculos seria a alta frequência de interrupções de vínculos trabalhistas, que impedem o acúmulo de experiência na empresa.

“No caso do acesso por parte do trabalhador a alguns benefícios financeiros (saldo do FGTS, seguro-desemprego e multa) serem condicionados à demissão, são gerados incentivos a comportamentos que aumentam a frequência de demissões”, afirmam os pesquisadores no relatório.

Mudanças no FGTS

Além do fim do pagamento de multa rescisória para o trabalhador, uma das propostas seria unificar o FGTS e o seguro-desemprego com a constituição de um fundo individual. Em vez de o seguro ser pago após a demissão, os recursos públicos passariam a ser depositados ao longo dos primeiros meses de trabalho do empregado (30 meses seria a sugestão).

“Dessa forma, os recursos do seguro-desemprego passariam a subsidiar a formação da poupança precaucionaria do trabalhador e, na medida em que é proporcional a duração da relação de trabalho, representa um incentivo ao trabalho e à formalização”, explicam. Essa proposta cria, portanto, incentivos para o trabalhador permanecer no emprego, e não necessariamente para as empresas.

Para trabalhadores que recebem um salário-mínimo essa contribuição seria de 16%, ou seja, o dobro da contribuição dos empregadores para o FGTS. A proporção cairia conforme as faixas salariais aumentam. Assim, os subsídios públicos, no entender dos pesquisadores, beneficiariam exclusivamente os trabalhadores em situação mais vulnerável, o que contribuiria para a redução na desigualdade de renda.

Hoje, um trabalhador que recebe um salário-mínimo, se é demitido pela primeira vez, recebe igual valor, R$ 1,1 mil mensais, ao longo de quatro meses se trabalhou entre 12 e 23 meses ou durante cinco meses se esteve no emprego formal por pelo menos 24 meses. Assim, o benefício total variaria de R$ 4,4 mil a R$ 5,5 mil. Nos moldes da proposta, 24 meses de trabalho dariam ao trabalhador dispensado sem justa causa R$ 4,2 mil no seguro.

Em relação ao FGTS, seria alterado o formato de retiradas atual. Seria estipulado um teto (como a sugestão de 12 salários mínimos) e todas as contribuições que levassem o fundo a superar esse valor poderiam ser retiradas pelo trabalhador, a qualquer momento. Essa seria uma forma de “limitar os desincentivos que a existência do fundo passa dar ao trabalhador para permanecer no mesmo emprego, uma vez que trocar de trabalho é uma das formas como pode liquidar os recursos acumulados em seu fundo”.

Porém, segundo a Lei 8.036/1990, que trata do FGTS, hoje a forma de o trabalhador ter acesso ao FGTS por demissão é nos casos de justa causa ou força maior – além de exceções, como para compra de moradia própria, se tiver mais de 70 anos, caso fique fora da CLT por três anos ou na modalidade de saque de aniversário.

“Quando se fala em alta frequência de demissões, esse não é o motivo. O mercado de trabalho brasileiro é muito flexível, menos de 40% dos trabalhadores estão na CLT não por isso. O FGTS é um seguro de caráter coletivo para o rompimento de contrato sem uma causa justa e que ainda ajuda a financiar políticas públicas, como saneamento básico”, comenta o economista Denis Maracci Gimenez, diretor do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) do Instituto de Economia da Unicamp.

Além disso, a multa por demissão sem justa causa deixaria de ser “apropriada em parte pelo trabalhador e passa a ser paga integralmente ao governo”. A explicação dos pesquisadoras é que esse dispositivo, “além de assegurar a possibilidade de um aumento nos subsídios públicos, a poupança precaucionaria dos trabalhadores retira deles qualquer eventual incentivo que a apropriação da multa possa lhe dar para trocar de trabalho”.

Atualmente, ainda de acordo com a lei do FGTS, a multa rescisória sobre o valor acumulado no fundo referente ao tempo de trabalho em determinada empresa é paga nas hipóteses de demissão sem justa causa (que seria de 40%) ou por culpa recíproca e força maior (20%). Não há multa no caso de o trabalhador decidir trocar de trabalho.

Em sua totalidade, as propostas foram rechaçadas por organizações de trabalhadores. Nesta segunda-feira (6/12), presidentes de seis centrais sindicais lançaram nota conjunta. “Agora, [o governo federal] propõe mudanças imensas na legislação trabalhista, de novo em prejuízo da classe trabalhadora. Ao invés de modernizar estão restabelecendo a mentalidade da República Velha, a perversa lógica escravista, e o predomínio da força ao invés do entendimento nas relações de trabalho”, diz um trecho.

Apesar de o grupo ter sido instalado pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, o documento traz impresso em destaque que as propostas são de “exclusiva e inteira responsabilidade dos autores”, e não necessariamente correspondem ao ponto de vista do governo.

Propostas para a legislação trabalhista

No eixo sobre direitos trabalhistas, liderado por Ives Gandra Filho, ministro do Tribunal Superior do Trabalho, há uma sugestão de alteração da Lei 7.998/1990, que trata do seguro-desemprego. A ideia é incluir dispositivos criando uma dependência entre a liberação do benefício e as contribuições previdenciárias da empresa.

“O recebimento da assistência financeira do Programa de Seguro-Desemprego fica condicionado ao prévio recolhimento das contribuições previdenciárias referentes ao período de recebimento salarial”, estabeleceria o texto alterado. Caso o empregado não receba o benefício em face dessa ferramenta, o empregador arca com indenização equivalente.

A justificativa dos autores é que “são corriqueiras, no Judiciário Trabalhista, ações de reconhecimento de vínculo de emprego e de reversão de dispensas motivadas, nas quais se firma conciliação pela qual o ex-empregador, reclamado, entrega ao ex-empregado formulários para habilitação ao recebimento do benefício previdenciário”. Segundo eles, esse seria um dos “ralos” do benefício, pois “é comum que nenhum recolhimento previdenciário seja feito pelo ex-empregador”.

“É bem verdade que nem sempre a culpa pela ausência de registro do contrato de trabalho é exclusiva do empregador. Há relatos vários de empregados que se recusam a entregar sua CTPS para anotação no prazo e forma devidos”, continuam. Pela alteração proposta na legislação, o empregado poderia ter de esperar indenização na Justiça para obter os valores devidos. Para as empresas, a proposta também não é vista com bons olhos.

“O que o Estado estaria fazendo seria transferir uma obrigação dele para o empregador. Não fica claro se é referente à contribuição previdenciária individual ou sobre a folha. Assim, qualquer descuido de uma empresa ou discussão judicial com o INSS vai ensejar uma nova obrigação pela empresa e o empregado ficará sem benefício”, avalia Antonio Carlos Frugis, sócio do escritório Soto Frugis Advogados, em São Paulo, e membro do conselho de relações trabalhistas da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp).

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