Pandemia

“União se negou a assumir seu papel desde o início”, afirma presidente do Conass

Para representante dos secretários de Saúde, atitude de Bolsonaro é lamentável e incentiva guerra de narrativas

Carlos Lula, presidente do Conass
Carlos Lula, presidente do Conass (Foto: Divulgação Conass)
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No início de julho de 2020, quando o Brasil enfrentava quase cinco meses de pandemia, registrando mais mil mortes por dia pela Covid-19, o advogado e professor universitário Carlos Eduardo de Oliveira Lula foi eleito presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). O pleito (fora de época) que o elegeu aconteceu após a renúncia do então presidente Alberto Beltrame — ex-secretário de Saúde do Pará, investigado por suposta fraude na compra de respiradores.

Desde que assumiu a presidência do Conass, Carlos Lula vem dividindo as tarefas do conselho com o cargo de secretário de Saúde do estado do Maranhão, o que, segundo ele, “tem sido um enorme desafio”. Em contato direto com os secretários dos estados, ele tem sido a ponte e o porta-voz das demandas junto ao Ministério da Saúde.

Em conversa com o JOTA, o presidente do Conass fez críticas à atuação do governo federal frente à pandemia, classificou a postura do presidente Jair Bolsonaro como “lamentável”, e disse que a “União se negou a assumir seu papel”.

Carlos Lula disse ainda que a versão de que só o Ministério da Saúde teria sido ineficiente no processo de compra de vacinas não se sustenta, e que deu conselhos ao ex-ministro Eduardo Pazuello para a compra do imunizante da Pfizer. Confira os principais trechos da entrevista:

O senhor assumiu a presidência do Conass em um momento conturbado. Como tem sido tocar as tarefas do conselho e as relações com os entes municipais e federal?

É um enorme desafio. A gente nunca teve um conflito federativo tão evidente. E essa guerra de versões contribui para o estado que nós estamos vivendo. A gente não consegue controlar. Como a União se retirou desse papel de ente que coordena o sistema, o sistema meio que se esfacelou. A gente tenta estabelecer um diálogo com a União, mas sempre com muita dificuldade.

Quais dificuldades a União impõe nesse processo? A postura individual do presidente Jair Bolsonaro também prejudica?

A União se negou a assumir seu papel desde o início da pandemia. Algumas ações e a constante troca de ministros, tudo isso só contribuiu. Com relação ao presidente, a postura dele é lamentável. Essa guerra de narrativas, de longe, é a pior coisa que a gente enfrentou. Esses dias cheguei no interior do Maranhão e ouvi de autoridades que o principal problema que eles tinham que lidar era que as pessoas chegavam para atendimento médico e queriam dizer o remédio que tinham que tomar [se referindo ao coquetel de medicamentos, entre eles a cloroquina, defendido pelo governo como tratamento precoce]. Quer dizer, não é a pessoa que tem estudo para recomendar o melhor tratamento, é o trabalhador rural que discute com o médico qual conduta tinha que ser adotada. Isso tem dificultado muito o combate à pandemia.

E quanto aos outros procedimentos, como isolamento social, uso de máscara, e até as vacinas? 

Nós temos feito campanhas, mas se o ministério fala uma coisa e o presidente faz outra, as pessoas confundem. Infelizmente, o presidente tem usado o cargo para essa guerra de narrativas. O país tinha que estar unificado.

Em entrevista à revista Veja, o ex-secretário de comunicação da presidência, Fabio Wajngarten, afirmou que “houve incompetência e ineficiência” do ex-ministro Eduardo Pazuello e que por isso a compra das vacinas oferecidas pela Pfizer ao Brasil no segundo semestre de 2020 não prosperou. Como o senhor avalia essa declaração? O ministério foi ineficiente?

Essa versão não se sustenta. Não se trata de ineficiência do ministério, trata do presidente da República conduzir o seu trabalho. Quantas declarações ele já deu desmerecendo a vacina, dizendo que não poderia assumir as cláusulas [do contrato de venda da Pfizer]? Não se sustenta. Essa declaração é confortável diante da situação que a gente está vivendo.

O Conass, como membro da comissão tripartite e responsável pela gestão do SUS junto ao ministério, foi consultado sobre a oferta e possível compra de vacinas da Pfizer?

Ele (o ministro Pazuello) comunicou a gente quando estava em negociação com a Pfizer, me perguntou o que eu achava de algumas cláusulas do contrato. Eu disse para ele verificar se essas cláusulas estavam sendo impostas para outros países também ou só para o Brasil. Disse que, a não ser que houvesse algum problema jurídico, valeria a pena comprar a vacina porque o risco de não ter o imunizante era muito pior.

Nesse tempo em que o senhor está à frente do Conass, nas reuniões e tratativas que tem com o ministério, já sentiu que havia alguma interferência ou intervenção política vinda de fora?

A gente esteve com o ministério o tempo inteiro, desde o início da pandemia. O que a gente sentia é que havia um boicote de instâncias superiores, embora não fosse expressamente falado. Muitas coisas eram feitas e depois eram desfeitas.

O seu estado, o Maranhão, é um dos entes que está pleiteando a compra da vacina russa Sputnik V. O fato de a vacina não ter sido aprovada pela Anvisa não causa preocupação?

A vacina já está sendo aplicada em muitos países. É claro que a gente tem que respeitar essa autonomia da Anvisa, mas muitas vezes a agência não tem tido a ideia da emergência que a gente tem. A Anvisa não é obrigada a dizer que sim, mas ela tem que ter velocidade para analisar.