SAÚDE SUPLEMENTAR

Cobertura de quimioterapia oral sem análise da ANS é aprovada no Congresso

Lei excluirá etapa de avaliação de tecnologia e registro na Anvisa será suficiente para cobertura obrigatória por planos de saúde

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Com a aprovação do PL 6330/19 na Câmara dos Deputados nesta quinta-feira (1/7), planos de saúde estão mais perto de serem obrigados a fornecer todos os antineoplásicos orais registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O texto já havia sido aprovado no Senado em junho de 2020 e não teve alterações, portanto segue para sanção da Presidência da República. 

Embora a proposta tenha como objetivo ampliar e agilizar o acesso aos tratamentos, o que representa ganho social, exclui uma etapa considerada primordial ao equilíbrio dos sistemas de saúde, tanto públicos quanto privados: a avaliação de tecnologia em saúde (ATS), um processo que considera, além da qualidade, segurança e eficácia garantidas pela Anvisa impactos clínicos, econômicos e sociais. 

Para o fornecimento de medicamentos no sistema público, essa análise é feita pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, a Conitec. No privado, fica por conta da área técnica da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que estabelece qual é a cobertura obrigatória mínima para as operadoras de planos de saúde. 

A relatora do PL na Câmara, deputada federal Silvia Cristina (PDT-RO), afirmou em seu parecer que os planos cobrem apenas uma parcela de medicamentos orais, fazendo com que beneficiários se desloquem até hospitais para fazerem quimioterapia endovenosa. 

“A administração de antineoplásicos pela via oral permite, em muitos casos, a melhora do bem-estar do paciente. Além disso, enseja o seu protagonismo em seu tratamento. E, no cenário atual, pode representar uma estratégia protetiva contra a contaminação pela Covid-19. A mudança da legislação, portanto, é imprescindível”, escreveu a parlamentar.

No momento, planos de saúde oferecem 58 medicamentos orais contra o câncer, em 115 indicações terapêuticas. A partir da publicação da lei, pelo menos outros 12 que já foram reprovados na análise técnica da ANS passarão a ter a cobertura obrigatória. 

A agência tentou acelerar a mudança no processo de atualização do rol de procedimentos e eventos de cobertura obrigatória, publicado a cada dois anos, para tentar frear a aprovação do PL. A proposta, tratada com prioridade no alto escalão, prevê a submissão contínua de pedidos de incorporação, sem uma janela específica, com um ciclo próprio de avaliação. O tempo médio estimado para a análise é de 18 meses. Nesse caso, a atualização do rol passa a ser semestral.

A reguladora também reformulou a estrutura interna para fortalecer o processo de ATS. A Gerência de Assistência à Saúde recebeu o nome de Gerência de Cobertura Assistencial e Incorporação de Tecnologias em Saúde. Vinculada a ela, passou a existir a Coordenadoria de Avaliação Econômica em Saúde.

A presidente do Instituto Oncoguia, Luciana Holtz de Camargo Barros, avalia que a reguladora tem falhado nessa atuação. Mesmo a nova proposta, na visão dela, mantém a lentidão da análise. 

“Neste momento, a gente vê com muita expectativa o PL ter passado e, obviamente, do nosso lado, a gente também vai batalhar muito para que o Brasil consiga ter uma decisão, ter uma discussão madura e responsável pra gente ter, sim, uma ATS. Precisa de ATS, mas neste momento pela ausência de um processo claro, ágil e transparente é o paciente que está pagando o preço. Então, o PL é a melhor saída”, afirmou.

Com discussões técnicas em andamento na Comissão de Seguridade Social e da Família da Câmara (CSSF), a aprovação da votação do projeto de lei em regime de urgência foi criticada pelas entidades representativas dos planos de saúde. 

A diretora-executiva da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), Vera Valente, avalia que o trâmite mais curto atrapalhou o esclarecimento da matéria. Segundo ela, era consenso entre as partes interessadas a necessidade de avaliação de tecnologia para fornecimento dos tratamentos desde que houvesse mais agilidade no processo, o que já vem sendo trabalhado pela ANS.

“Isso estava alinhado com todos os atores. De repente, houve uma mudança que ninguém conseguiu entender. Traz mais prejuízo e risco do que benefício. Foi uma medida aprovada contrariando todos os elementos técnicos, de interesse de algumas indústrias farmacêuticas. O que se conseguiu no Brasil foi algo inédito. Quem se coloca no plenário contra dar um medicamento para câncer para alguém? Ninguém. A premissa é equivocada. No SUS tem ATS, na saúde suplementar não precisa?”, questionou.

O superintendente-executivo da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), Marcus Novais, avalia que o país retrocede com a aprovação. “A maioria dos países desenvolvidos e em desenvolvimento possuem agência especializada para fazer avaliação de tecnologia em saúde. O Brasil vai na contramão. Com a aprovação do projeto de lei, você elimina essa fase de avaliação. É colocar qualquer medicamento que seja. A gente não pode ser uma jabuticaba brasileira, totalmente diferente do mundo”, disse.

A exclusão do processo de ATS, segundo Vera Valente, pode ampliar o acesso de medicamentos sem evidências que comprovem benefícios significativos à saúde dos pacientes, prejudicando também a sustentabilidade financeira do setor. 

“Você tem de um lado um benefício questionável, para um grupo pequeno de pessoas, e um malefício para um conjunto grande de pessoas. Esses produtos muitas vezes não trazem benefícios, não prolongam a vida ou qualidade de vida do paciente. Outro lado é o malefício para todo mundo que faz parte do mutualismo. Essa conta vai ser paga por todos os beneficiários”, afirmou.

A presidente do Oncoguia argumenta, por outro lado, que o alto custo dos medicamentos reprovados na última avaliação do rol de 2021 foram decisivos para a exclusão por parte reguladora. “Não dá pra gente afirmar que foi ausência de benefício. Tudo indica que foi custo-benefício. Então, foi uma questão relacionada também ao preço da tecnologia. Para todas as tecnologias, sem nenhuma exceção, a primeira coisa que o plano de saúde falava era: ‘é muito caro’”.

Durante a discussão do rol atual, em vigor desde abril, um levantamento desenvolvido a pedido da FenaSaúde e outras associações estimou o impacto da incorporação automática. Em uma lista de 29 antineoplásicos orais, para as indicações selecionadas, o custo poderia chegar a R$ 14 bilhões em 2021, o que representaria um aumento de 8,2% nas despesas médico-hospitalares de 2020. Dos 29 medicamentos, 12 foram rejeitados e 11 ainda são avaliados.