Rol da ANS

O que está em jogo no julgamento do STJ sobre o rol da ANS?

Ministros decidem na quarta-feira (8/6) se rol é taxativo ou exemplificativo, o que impacta planos de saúde e pacientes

rol taxativo da ans
Crédito: Unsplash

A 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) retoma nesta quarta-feira (8/6), às 14h, o julgamento que definirá se o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que é conhecido simplesmente como rol da ANS, é taxativo ou exemplificativo.

Na prática, o tribunal vai decidir se os planos de saúde devem cobrir apenas os procedimentos que constam na lista da ANS, ou se a cobertura deve ser mais ampla, e abarcar também outros tratamentos. O julgamento teve início em setembro do ano passado, e dois ministros já votaram: um pelo rol taxativo e outra pelo rol exemplificativo.

O que é rol taxativo

Rol taxativo significa que aquilo que está listado no rol é o que deve ser observado pelos planos de saúde. O que está na lista não comporta exceções.

O que é rol exemplificativo

Rol exemplificativo significa que a listagem funcionaria como exemplos do que podem ser coberto pelas empresas, abrindo espaço para o custeio de tratamentos não listados.

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O processo do rol da ANS no STJ

De um lado, os planos de saúde sustentam que o rol taxativo garante segurança jurídica e possibilita convênios a preços mais acessíveis. Do outro, grupos que atuam em defesa do direito do consumidor, associações ligadas a pessoas com deficiências e autismo e pacientes com doenças complexas defendem que o rol exemplificativo garante o amplo acesso a tratamentos essenciais para garantir o direito à saúde dos usuários.

O STJ vai julgar embargos de divergência em dois recursos especiais envolvendo a Unimed Campinas.

No EResp 1.889.704, a Unimed busca não ser obrigada a cobrir o tratamento da Terapia ABA para uma criança com Transtorno do Espectro Autista. Já no EResp 1.886.929, a seguradora tenta não ser obrigada a disponibilizar a Terapia Transcraniana (ETCC) para paciente com esquizofrenia paranoide.

Nos dois casos, a 3ª Turma negou o recurso da Unimed Campinas, sob o entendimento de que o rol é exemplificativo. Mas a empresa interpôs embargos de divergência porque, em um julgamento ocorrido em dezembro de de 2019, a 4ª Turma fixou a taxatividade do rol.

Agora, caberá à 2ª Seção dirimir a questão. Como não se trata de um recurso repetitivo, a decisão não terá caráter vinculante, mas advogados da área acreditam que ele deve servir como um precedente importante para nortear tanto os julgamentos no próprio STJ quanto as decisões nas instâncias inferiores do Judiciário.

Previsibilidade x amplo direito à saúde

Para as advogadas Caroline Salerno e Raissa Soares, que representam o menino com autismo, entender pelo caráter taxativo do rol da ANS significará a “fragilização da proteção do direito à saúde” e “acentua a hipervulnerabilidade dos consumidores frente às operadoras de saúde”.

Além disso, elas avaliam que essa interpretação pode sobrecarregar o Sistema Único de Saúde (SUS) porque “os pacientes que não conseguissem o atendimento pelas operadoras, sendo este essencial, passariam a exigi-lo do Poder Público, inclusive por meio de demandas judiciais”.

“O entendimento de que o rol é exemplificativo garante ao paciente o direito de realizar o tratamento eleito por seu médico, após avaliá-lo, como o mais adequado ao seu quadro de saúde, não transferindo a escolha às operadoras de saúde que, infelizmente priorizam o afastamento de prejuízos econômicos frente ao bem-estar e saúde do segurado”, opinam. Consultado pelas advogadas, o professor Daniel Sarmento, professor titular de Direito Constitucional da UERJ, produziu um parecer em que defende que o rol da ANS é exemplificativo. Leia a íntegra.

Por outro lado, para Guilherme Valdetaro, sócio do escritório Sergio Bermudes Advogados, afirma que, do ponto de vista jurídico, a Lei dos Planos de Saúde (Lei 9656/98) “não deixa outro espaço se não a taxatividade”, porque prevê que é a ANS que vai definir a amplitude das coberturas das operadoras e quais tratamentos os seguros não precisam oferecer.

“Se o rol fosse exemplificativo, ele não teria os milhares de tratamento que ele tem. E mais: se ele for meramente exemplificativo, a própria atuação da agência perde a razão de ser. Para que a agência vai gastar fortunas com pesquisas, com estudos, para incluir ou não incluir tratamentos? O rol é fundamental”, destaca.

Segundo ele, a interpretação pelo rol exemplificativo seria uma coisa “inventada só aqui no Brasil”, e que os limites de cobertura dão segurança, trazem previsibilidade e são mais justos para todos os consumidores, que podem ter acesso a planos mais baratos. Além disso, ele diz que o amplo direito à saúde previsto na Constituição é uma obrigação do Estado, e que quando uma pessoa faz um tratamento caro fora do rol do plano de saúde “o custo não é pago pela operadora, é pago pelos outros segurados”.

Segundo dados da ANS, pouco mais de 49 milhões de pessoas no país são beneficiárias de planos de saúde, cerca de 25% da população brasileira.

A advogada Camila Varella,  secretária da Comissão de Direito das Pessoas com Deficiência da OAB-SP, opina que a decisão pelo rol exemplificativo seria benéfica para os mais diversos usuários dos planos.

“Para pessoas que têm tratamento de câncer, por exemplo, às vezes há uma terapia nova que não entrou ainda no rol da ANS, porque há drogas que são autorizadas pela Anvisa, mas não necessariamente entram no rol. O rol exemplificativo vai garantir tratamentos para pessoas com câncer, com autismo, paralisia cerebral, para todos os usuários do plano de saúde”, avalia.

Em março, foi sancionada a Lei 14.307/2022, que determinou que a ANS deve analisar a inclusão de novos procedimentos, tratamentos e terapias em até seis meses – antes, o tempo médio era de dois anos.

Para Valdetaro, essa lei reforça a taxatividade do rol. “Antes ele era defasado, mas a Lei 14.307/2022 resolveu este problema, mudando de dois anos para seis meses. No Chile este tempo é de um ano. Em  quase todos os outros países, este período é de um ano. O Brasil tinha um prazo muito longo, mas agora nós temos uma das atualizações mais rápidas do mundo”, afirma.

Já para Varella, essa diminuição é insuficiente e a lista segue “totalmente defasada”. “Até aparecer a evidência científica, ficar devidamente comprovado e entrar no rol, é muito tempo. E às vezes há pedidos para inclusão no rol, e há a negativa, a terapia ABA é uma delas”, acrescenta.

A Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), por sua vez, afirma que o rol taxativo traz “segurança jurídica e previsibilidade na atenção à saúde do conjunto de beneficiários” e explica que a lista de procedimentos previstos é inclusive utilizada para calcular os preços dos convênios médicos.

“Formular o preço de um produto sem limite de cobertura, que compreenda todo e qualquer procedimento, medicamento e tratamento existente, pode tornar inviável o acesso a um plano de saúde e colocar a continuidade da saúde suplementar no Brasil em xeque”, diz a entidade.

Entenda como está o julgamento do rol da ANS

Em setembro de 2021, o ministro relator Luis Felipe Salomão votou pela taxatividade do rol e fez uma defesa da legislação que rege o setor da saúde suplementar. Para o ministro, é preciso haver equilíbrio econômico contratual e os tratamentos precisam de comprovação científica, o que depende do aval da agência, e não de decisões judiciais.

O ministro argumentou ainda que é preciso preservar o equilíbrio financeiro das operadoras de saúde, para que elas possam seguir prestando os serviços para toda sua base de clientes.

Entretanto, no voto, ele admite exceções, que poderiam ser analisadas pelos Natjus, grupos especializados em saúde nos tribunais que dão pareceres técnicos para auxiliar nas decisões sobre fornecimento de tratamentos e medicamentos. Esses grupos já atuam em processos nos quais cidadãos acionam a Justiça para pedirem remédios ao Poder Público que não estão disponíveis no SUS, por exemplo.

Em fevereiro deste ano, a ministra Nancy Andrighi abriu a divergência e votou no sentido de que o rol é exemplificativo, sob o fundamento de que o acesso à saúde deve ser amplo pois é previsto pela Constituição como um direito básico de todos.

A ministra ainda destacou que os planos de saúde devem seguir o Código de Defesa do Consumidor (CDC), portanto não podem recusar os procedimentos só porque não constam na lista da agência reguladora. Para ela, se é possível haver exceções, não há como considerar o rol taxativo porque isso justamente retiraria a possibilidade das ressalvas.

O próximo a votar é o ministro Villas Bôas Cueva, que pediu vista em fevereiro. Além dele, ainda faltam os votos de outros seis ministros.

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