Pandemia

MPF reitera cobrança à Anvisa sobre nota do Ministério da Saúde que amplia uso de cloroquina

Procuradorias em SP, RJ, SE e PE enviaram três ofícios; um deles destaca que a recusa, retardamento ou omissão de dados constitui crime

O médico e contra-almirante Antonio Barra Torres durante sabatina ao cargo de diretor da Anvisa | Leopoldo Silva/Agência Senado - 10.07.2019

O diretor-presidente substituto da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres, ignorou um ofício assinado por procuradores do Ministério Público Federal em São Paulo, Rio de Janeiro, Sergipe e Pernambuco. O documento, do dia 21 de maio, dava prazo de cinco dias para que a agência reguladora se manifestasse sobre as orientações do Ministério da Saúde que ampliam o uso de cloroquina e hidroxicloroquina para tratar a Covid-19. 

Descritas na Nota Informativa 9/2020- SE/GAB/SE/MS, datada de 20 de maio, as recomendações da pasta incluem a prescrição da medicação para pacientes com sintomas leves e moderados. O ministério afirmou, em coletiva de imprensa no mesmo dia, que a ação se baseia no principio de equidade do Sistema Único de Saúde (SUS).

Um novo ofício com prazo de cinco dias, enviado na noite da última quinta-feira (28/5), inclui um trecho, em negrito, esclarecendo que a ausência de respostas pode ser considerada crime.

“Ressalta-se, na oportunidade, que a recusa, o retardamento ou a omissão de dados técnicos indispensáveis à propositura da ação civil, quando requisitadas pelo Ministério Público, constitui crime, nos termos do art. 10 da Lei n. 7.347/85”, destacam os procuradores.

Em síntese, as procuradorias perguntam: se a nota do Ministério da Saúde passou por apreciação da Anvisa; se a Anvisa reconhece a segurança e eficácia dos medicamentos para o tratamento da Covid-19; se houve pedido de registro e autorização da comercialização dos medicamentos para o tratamento da Covid-19; se já há resultados dos estudos clínicos autorizados pela Anvisa; e se a Anvisa autorizou o uso precoce dos medicamentos para o tratamento da Covid-19.

No ofício de 28 de maio, também foram incluídas perguntas sobre a continuidade dos estudos clínicos aprovados pela agência reguladora depois que a Organização Mundial da Saúde (OMS), no dia 25 de maio, suspendeu as pesquisas com a medicação por falta de segurança. Na quarta-feira (3/6), o órgão multilateral anunciou que vai retomar os testes com a hidroxicloroquina após revisão de dados, que não teriam comprovado aumento na mortalidade entre os pacientes.

No cenário atual, todos os estudos clínicos com hidroxicloroquina autorizados pela Anvisa permanecem em andamento, sem resultados conclusivos. Eles são executados justamente para comprovar a eficácia e a segurança do fármaco para o tratamento da Covid-19. Como o medicamento já é registrado na reguladora para uso em pacientes com outras doenças, o objetivo é modificar a indicação da bula. 

Defesa da cloroquina

Médico e contra-almirante da Marinha, Barra Torres é próximo ao presidente Jair Bolsonaro. O militar foi criticado por ter aparecido em uma manifestação junto a ao chefe do Executivo durante a pandemia, contrariando a recomendação de distanciamento social feita pelo Ministério da Saúde. Em maio, o próprio diretor foi diagnosticado com coronavírus. 

O presidente da República aposta na medicação para o enfrentamento à pandemia no Brasil e defende a flexibilização do isolamento social para a retomada da economia, o que contribuiu para a saída dos dois ex-ministros da Saúde, Henrique Mandetta e Nelson Teich, ambos também médicos. 

Na tarde do dia 28 de maio, em resposta ao JOTA, a Anvisa enviou a seguinte nota: “A ANVISA e o Ministério Público seguem canais formais e oficiais de comunicação, sendo respeitados os procedimentos e tempos estabelecidos”. 

Na época, a reportagem perguntou se a agência havia sido acionada pela Justiça ou pelo Ministério Público para se posicionar a respeito das orientações do Ministério da Saúde, quais eram os questionamentos dos órgãos e se já havia respostas.

O MPF reiterou mais uma vez o pedido nesta quinta-feira (4/5). Procurada novamente pela reportagem, a Anvisa indicou que está trabalhando na resposta. “Levando em consideração o tempo de tramitação dos documentos, estamos respeitando os prazos estabelecidos”, acrescentou à nota anterior.

Pedidos de suspensão

O procedimento com os dois ofícios à Anvisa tramitava em sigilo no MPF até o último sábado (30/5), quando procuradorias em SP, RJ, SE e PE divulgaram uma recomendação conjunta enviada ao Ministério da Saúde para a suspensão da nota do Ministério da Saúde com as orientações. 

O MPF em SP divulgou um comunicado à imprensa, na noite desta quarta-feira (3/5), informando que a recomendação continua válida, mesmo depois da retomada da pesquisa pela OMS, anunciada nesse mesmo dia. A procuradoria esclareceu que se baseou na legislação do SUS e na falta de avaliação técnica de eficácia e segurança do registro e do uso dos medicamentos para pacientes com sintomas leves e moderados.

“Não houve nenhuma posição contrária do MPF quanto ao uso de cloroquina e hidroxicloroquina em ensaios clínicos ou ao seu uso compassivo no tratamento da Covid-19”, afirmou.

O Conselho Nacional de Saúde (CNS) pediu a suspensão das orientações e entidades buscaram o Supremo Tribunal Federal (STF) com a mesma finalidade. O Tribunal de Contas da União (TCU) também pediu esclarecimentos sobre a nota que amplia o uso de cloroquina e hidroxicloroquina ao Ministério da Saúde e à Anvisa.

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