O diretor-presidente substituto da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres, ignorou um ofício assinado por procuradores do Ministério Público Federal em São Paulo, Rio de Janeiro, Sergipe e Pernambuco. O documento, do dia 21 de maio, dava prazo de cinco dias para que a agência reguladora se manifestasse sobre as orientações do Ministério da Saúde que ampliam o uso de cloroquina e hidroxicloroquina para tratar a Covid-19.
Descritas na Nota Informativa 9/2020- SE/GAB/SE/MS, datada de 20 de maio, as recomendações da pasta incluem a prescrição da medicação para pacientes com sintomas leves e moderados. O ministério afirmou, em coletiva de imprensa no mesmo dia, que a ação se baseia no principio de equidade do Sistema Único de Saúde (SUS).
Um novo ofício com prazo de cinco dias, enviado na noite da última quinta-feira (28/5), inclui um trecho, em negrito, esclarecendo que a ausência de respostas pode ser considerada crime.
“Ressalta-se, na oportunidade, que a recusa, o retardamento ou a omissão de dados técnicos indispensáveis à propositura da ação civil, quando requisitadas pelo Ministério Público, constitui crime, nos termos do art. 10 da Lei n. 7.347/85”, destacam os procuradores.
Em síntese, as procuradorias perguntam: se a nota do Ministério da Saúde passou por apreciação da Anvisa; se a Anvisa reconhece a segurança e eficácia dos medicamentos para o tratamento da Covid-19; se houve pedido de registro e autorização da comercialização dos medicamentos para o tratamento da Covid-19; se já há resultados dos estudos clínicos autorizados pela Anvisa; e se a Anvisa autorizou o uso precoce dos medicamentos para o tratamento da Covid-19.
No ofício de 28 de maio, também foram incluídas perguntas sobre a continuidade dos estudos clínicos aprovados pela agência reguladora depois que a Organização Mundial da Saúde (OMS), no dia 25 de maio, suspendeu as pesquisas com a medicação por falta de segurança. Na quarta-feira (3/6), o órgão multilateral anunciou que vai retomar os testes com a hidroxicloroquina após revisão de dados, que não teriam comprovado aumento na mortalidade entre os pacientes.
Defesa da cloroquina
Médico e contra-almirante da Marinha, Barra Torres é próximo ao presidente Jair Bolsonaro. O militar foi criticado por ter aparecido em uma manifestação junto a ao chefe do Executivo durante a pandemia, contrariando a recomendação de distanciamento social feita pelo Ministério da Saúde. Em maio, o próprio diretor foi diagnosticado com coronavírus.
O presidente da República aposta na medicação para o enfrentamento à pandemia no Brasil e defende a flexibilização do isolamento social para a retomada da economia, o que contribuiu para a saída dos dois ex-ministros da Saúde, Henrique Mandetta e Nelson Teich, ambos também médicos.
Na tarde do dia 28 de maio, em resposta ao JOTA, a Anvisa enviou a seguinte nota: “A ANVISA e o Ministério Público seguem canais formais e oficiais de comunicação, sendo respeitados os procedimentos e tempos estabelecidos”.
Na época, a reportagem perguntou se a agência havia sido acionada pela Justiça ou pelo Ministério Público para se posicionar a respeito das orientações do Ministério da Saúde, quais eram os questionamentos dos órgãos e se já havia respostas.
O MPF reiterou mais uma vez o pedido nesta quinta-feira (4/5). Procurada novamente pela reportagem, a Anvisa indicou que está trabalhando na resposta. “Levando em consideração o tempo de tramitação dos documentos, estamos respeitando os prazos estabelecidos”, acrescentou à nota anterior.
Pedidos de suspensão
O procedimento com os dois ofícios à Anvisa tramitava em sigilo no MPF até o último sábado (30/5), quando procuradorias em SP, RJ, SE e PE divulgaram uma recomendação conjunta enviada ao Ministério da Saúde para a suspensão da nota do Ministério da Saúde com as orientações.
O MPF em SP divulgou um comunicado à imprensa, na noite desta quarta-feira (3/5), informando que a recomendação continua válida, mesmo depois da retomada da pesquisa pela OMS, anunciada nesse mesmo dia. A procuradoria esclareceu que se baseou na legislação do SUS e na falta de avaliação técnica de eficácia e segurança do registro e do uso dos medicamentos para pacientes com sintomas leves e moderados.
“Não houve nenhuma posição contrária do MPF quanto ao uso de cloroquina e hidroxicloroquina em ensaios clínicos ou ao seu uso compassivo no tratamento da Covid-19”, afirmou.
O Conselho Nacional de Saúde (CNS) pediu a suspensão das orientações e entidades buscaram o Supremo Tribunal Federal (STF) com a mesma finalidade. O Tribunal de Contas da União (TCU) também pediu esclarecimentos sobre a nota que amplia o uso de cloroquina e hidroxicloroquina ao Ministério da Saúde e à Anvisa.