Acordo inédito

ANS avalia se investimento da Hapvida no combate à Covid-19 pode atenuar multas

Acordo em discussão possibilitaria redução de sanções em troca de investimento de R$ 11 milhões em leitos e equipamentos

risco morrer covid-19; hapvida ans LRF dados Reforma tributária saúde
Leitos de Hospital / Crédito: Ag.Pará
A reportagem foi alterada às 19h57 de 2 de setembro de 2021 para incluir novo posicionamento enviado pela ANS

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) pode incluir, pela primeira vez, em um Termo de Compromisso de Ajuste de Conduta (TCAC), a obrigação adicional de investimento no combate à Covid-19. Em troca, o acordo com a Hapvida, ainda em fase de avaliação pela diretoria colegiada, possibilita que multas decorrentes de irregularidades sejam atenuadas.

O documento prevê a destinação de R$ 11 milhões para a aquisição de insumos e de equipamentos hospitalares, além da ampliação de leitos de internação e de unidades ambulatoriais. A Hapvida é uma operadora de plano de saúde que possui modelo verticalizado, ou seja, tem sua rede própria de atendimento aos beneficiários. 

Essa é a primeira vez que a a ANS avalia a aprovação de um TCAC nesse formato. A informação foi antecipada aos assinantes JOTA PRO Saúde, solução corporativa que traz informações exclusivas sobre as principais movimentações regulatórias na área da saúde no país. Conheça!

A votação do acordo pela diretoria colegiada da ANS foi iniciada dia 21 de julho deste ano, quando o titular da Diretoria de Fiscalização, diretor substituto Maurício Nunes, apresentou o voto condutor favorável. Em seguida, o diretor substituto Bruno Martins pediu vista do processo.

Inicialmente, a proposta feita pela Hapvida era a de substituir as multas decorrentes de processos sancionadores pelo investimento, mas houve objeção por parte da Procuradoria Federal junto à ANS, segundo o que foi apresentado na reunião.

A solução encontrada pela atual equipe de Fiscalização foi o uso do investimento de R$ 11 milhões como um atenuante. Se este arranjo for aprovado, a operadora poderá pagar 5% do valor total das multas relacionadas aos processos sancionadores objetos do acordo, o equivalente a R$ 560 mil, somados a quase R$ 400 mil de indenizações aos beneficiários prejudicados.

Os valores arrecadados com multas pela ANS são, tradicionalmente, depositados na Conta Única da União para custear as despesas fixas e variáveis da agência. Nesse caso, a apresentação da proposta deu a entender que o dinheiro poderá ser investido na própria rede da Hapvida.

No dia 11 de agosto, o diretor Bruno Martins informou, durante reunião de diretoria colegiada, que pediria diligência nesse processo com o objetivo de solicitar informações adicionais à diretoria relatora e à Procuradoria Federal Junto à ANS. No momento, o documento está passando por avaliação jurídica.

Proposta é questionada

Ana Carolina Navarrete, coordenadora do programa de Saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), avalia que a proposta é problemática. “Parece, no final das contas, que você não está aplicando sanção, mas devolvendo o recurso para a própria operadora”, disse. Outras fontes ouvidas reservadamente pelo JOTA avaliaram que a matéria precisará ser analisada com cautela.

Uma das questões a ser avaliada é se o investimento se confundiria com o próprio negócio ou se seria feito exclusivamente em razão da ampliação do atendimento para Covid-19. Isso porque, em caso de aumento do número de beneficiários, a expansão da rede é uma necessidade. Também há estranhamento quanto ao agrupamento de infrações diferentes em um mesmo TCAC, o que poderá resultar na aplicação de multa única e de menor valor.

O termo a ser celebrado com a operadora, caso haja aval da diretoria colegiada, visa ao ajustamento de condutas tipificadas nos artigos 57, 71, 77, 76-B, 78 e 82 da RN nº 124, de março de 2006, em apuração nos processos administrativos sancionadores elencados nos anexos I a V do documento, que não foi divulgado.

Os dispositivos tratam das seguintes irregularidades: aplicação inadequada de reajuste; descumprimento de regras de regulação do uso dos serviços de saúde; negativa de atendimento previsto no rol; descumprimento de normas relacionadas à solicitação de cancelamento de contrato individual ou exclusão de beneficiário em plano coletivo; descumprimento de obrigação contratual; e suspensão unilateral de contrato.

O JOTA solicitou à ANS a documentação referente à votação do TCAC, mas a agência negou o envio no dia 23 de julho, argumentando que se trata de documento preparatório. A solicitação foi, então, feita também por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). Depois de três negativas, a reportagem aguarda a resposta do recurso interposto à Controladoria-Geral da União (CGU).

A reguladora também recebeu os seguintes questionamentos da reportagem: se o investimento de R$ 11 milhões seria feito em rede própria ou se haveria alguma vedação nesse sentido; se esse formato de TCAC poderia incentivar infrações; se esse formato poderá ser utilizado por outras operadoras; e quais foram os critérios considerados para a proposta com a Hapvida. Não houve respostas.

“A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) informa que, em razão do pedido de vista pelo diretor de Gestão substituto, Bruno Rodrigues, não houve deliberação pela Diretoria Colegiada da ANS quanto ao TCAC com a Hapvida. Sendo assim, não é possível tratarmos de detalhes do processo até que haja a devida deliberação pelo Colegiado, uma vez que o processo continua com acesso restrito”, diz a nota enviada.

Procurada pela reportagem, a Hapvida enviou a seguinte nota à reportagem:

“A operadora está sempre disponível ao diálogo e aberta a progredir e por isso, entende que o TCAC – Termo de Compromisso de Ajuste de Conduta é um processo natural para ajustar as melhores práticas de empresas em diversos setores.

A operadora ressalta que ainda não celebrou esse tipo de acordo junto à ANS – Agência Nacional de Saúde. Caso ocorra, se comprometerá a cumprir os tópicos estabelecidos em prol dos beneficiários. A operadora não mede esforços para oferecer sempre a melhor assistência de saúde aos clientes”.

Depois da publicação da reportagem, a ANS enviou a seguinte nota:

“A respeito da matéria publicada no portal Jota em 01/09/2021, intitulada “ANS avalia se investimento da Hapvida no combate à COVID-19 pode atenuar multas”, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) tem a esclarecer:

– O Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TCAC) é um instrumento regulatório sedimentado na Lei nº 9.656/1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, em seu art. 29, parágrafo primeiro, como segue – “O processo administrativo, antes de aplicada a penalidade, poderá, a título excepcional, ser suspenso, pela ANS, se a operadora ou prestadora de serviço assinar termo de compromisso de ajuste de conduta, perante a diretoria colegiada, que terá eficácia de título executivo extrajudicial”.

– No âmbito da ANS, a competência para a celebração de TCACs é da Diretoria de Fiscalização e a matéria foi regulamentada pela Resolução Normativa nº 372/2015 – que dispõe sobre a celebração do Termo de Compromisso de Ajuste de Conduta – TCAC.

 

– Importante destacar, também, que a própria Lei Geral das Agência Reguladoras, Lei nº 13.848, de 2019, ampliou o instrumento do TCAC a todas as demais Agências que não tinham tal instrumento em suas leis de criação e/ou marcos regulatórios, como consta em seu art. 32.

Especificamente sobre a matéria veiculada pelo portal Jota, a ANS ressalta:

– O TCAC é um instrumento regulatório pelo qual as Agências Reguladoras firmam

compromissos com os entes regulados, com vistas a cessar a prática de atividades ou atos objetos de apuração em processo administrativo sancionador, corrigindo as irregularidades e indenizando os prejuízos delas decorrentes.

– A finalidade do TCAC é possibilitar que a Agência Reguladora, buscando atingir um interesse público maior, antes de aplicar penalidade de forma definitiva que poderia advir de um processo sancionador(advertência, sanção pecuniária, etc., previstas na Resolução Normativa – RN nº 124/2006) , mediante a imposição ao ente regulado de uma série de obrigações pactuadas no Termo, sob pena de não só prosseguir com a aplicação de penalidade em cada processo sancionador, como também sujeitar o compromissário ao pagamento de multa por descumprimento do Termo.

– É condição para celebração de todo TCAC que o compromissário assuma obrigações de cessação da conduta infrativa, objeto do Termo, além de restar pactuada a ação do ente regulado para correção da infração, inclusive indenizando os prejuízos advindos da conduta.

– O TCAC envolvendo a Hapvida, que está sendo discutido pela Diretoria da ANS, não foge a essa regra. A sua obrigação principal é tomar diversas medidas para cessar as condutas que são objeto do Termo, bem como corrigir as questões tratadas nos processos sancionadores que estão relacionados nos seus Anexos. Para além, a obrigação de investimentos para auxílio no combate à Covid é uma obrigação complementar, extra, pensada como forma de assegurar o interesse público na atual e emergencial demanda por medidas de enfrentamento à pandemia do COVID-19.

– Assim, a única novidade em relação ao TCAC em questão em relação aos demais Termos celebrados pela ANS nos últimos 6 anos é a realização de investimentos pela operadora para enfretamento da pandemia da COVID-19, que, conforme mencionado, é uma cláusula complementar, que não afasta as obrigações primárias objeto do Termo que são as de cessar, corrigir e indenizar as condutas em apuração nos processos sancionadores. Ainda nesse diapasão, segue junto à essa Nota a relação das medidas que deverão ser tomadas pela Compromissária do Termo. A leitura desta relação revela as inúmeras medidas a serem realizadas, as quais vão muito além do pagamento de indenização aos beneficiários e a realização de investimentos.

– Também é importante ressaltar que o agrupamento de diferentes condutas infrativas num mesmo TCAC não é novidade e já foi realizado em outros termos assinados pela ANS desde 2015, tais como os TCACs 001/2019 e 003/2017. Não existe óbice legal para que seja feito um TCAC reunindo várias condutas. A disposição contida no artigo 7º da RN nº 372/2015 que trata da celebração de TCAC por conduta tem por escopo único otimizar a parte procedimental do trabalho da Coordenadoria de Ajuste de Conduta – COAJU, área competente da ANS para tratar do TCAC. Logo, a decisão de consolidá-las num mesmo Termo consiste apenas numa questão de análise técnica, aliado à observância aos princípios da economicidade e eficiência da administração pública.

– Importante consignar que apenas processos sancionadores em que ainda não há uma decisão definitiva da Agência sobre a existência ou não da infração podem ser objeto de TCAC, sendo certo que a assinatura do Termo não implica no reconhecimento pela compromissária da prática da infração que é objeto do TCAC. Assim, se não há decisão definitiva sobre ilicitude da conduta em apuração a existência da infração administrativa, não há de se falar em multa a ser cobrada ou “substituída”, como sugere a publicação, havendo apenas uma expectativa de aplicação de uma penalidade sanção em um futuro indeterminado, caso de fato venha a ser confirmada a ilicitude da prática.

– Além disso, conforme disposto na Lei nº 9.656/1998, a operadora, enquanto vigente o TCAC celebrado, tem os processos sancionadores que são objeto do Termo suspensos. Apenas com o reconhecimento do cumprimento do TCAC é que tais processos serão encerrados, sendo que caso o TCAC seja declarado descumprido, o curso desses processos será retomado e, eventualmente, caso haja decisão condenatória transitada em julgado, multas serão constituídas e cobradas pela ANS. Mais uma vez deve ser ressaltado que quanto ao objeto do Termo, o foco primário, é aquele previsto em Lei – corrigir, cessar e indenizar aqueles consumidores abarcados naqueles processos sancionadores objetos do Termo.

– Outro ponto que merece correção por parte do Portal é o trecho em que destacam “Nesse caso, a apresentação da proposta deu a entender que o dinheiro poderá ser investido na própria rede da Hapvida, que opera com modelo verticalizado.” A ANS refuta a afirmação feita pelo Portal Jota, uma vez que os processos sancionadores que são objeto do Termo não foram julgados em caráter definitivo pela ANS, isto é, não há reconhecimento definitivo da ilicitude da conduta e tampouco sanção de multa constituída para esses processos. Por consequência óbvia, não há recursos da Agência envolvidos, uma vez que que as multas não foram aplicadas, arrecadadas, sequer ainda foram constituídas. As multas só são consideradas receitas pela ANS, a partir a emissão das Guias de Recolhimento da União (GRU) e com o efetivo pagamento, devendo ser lembrado que em tais casos os processos sancionadores não estarão mais habilitados para celebração de TCAC.

– Ratifica-se que, nas proposituras dos Termos, não há arrecadação de multas, não há recursos financeiros da ANS envolvidos considerando que os sancionadores e respectivas penalidades estão suspensas.”

Sair da versão mobile