Pandemia

Anvisa revisa dados para decidir se interrompe estudos com hidroxicloroquina para tratar Covid-19

Ao MPF, a agência respondeu que a nota do Ministério da Saúde trata do uso “off label” da medicação, portanto sem aval regulatório

imunoglobulina, Anvisa
Anvisa

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) revisa dados para decidir se os quatro estudos clínicos com o uso de hidroxicloroquina para tratar pacientes com a Covid-19 autorizados até o momento possuem segurança suficiente para prosseguirem. A informação está em documento enviado ao Ministério Público Federal (MPF) ao qual o JOTA teve acesso nesta segunda-feira (8/6).

Procuradores em São Paulo, Rio de Janeiro, Sergipe e Pernambuco questionavam a reguladora, desde o dia 21 de maio, sobre aspectos relacionados às orientações do Ministério da Saúde para a ampliação da prescrição de cloroquina e hidroxicloroquina com azitromicina para pacientes com sintomas leves e moderados da Covid-19 no Sistema Único de Saúde (SUS). 

As respostas só foram enviadas depois que a reportagem divulgou, na última quinta-feira (4/6), que o MPF tentava pela terceira vez obter as informações. No dia seguinte, a agência informou aos procuradores que a nota técnica do ministério trata do uso off label da medicação, ou seja, por decisão médica e sem aval regulatório. 

Eficácia da hidroxicloroquina

A Anvisa responde que até o momento não avaliou a segurança e eficácia dos fármacos porque essa análise ocorre quando há submissão de pedidos de registro ou de conclusão de nova indicação para uso, o que não aconteceu ainda para cloroquina, hidroxicloroquina e azitromicina. Por outro lado, informa que faz uma revisão dos dados preliminares dos estudos autorizados.

“O corpo técnico da Anvisa está trabalhando atualmente na revisão dos dados preliminares dos estudos aprovados e discutindo com os comitês independentes de monitoramento de segurança que os estão acompanhando para avaliar se a relação benefício/risco permanece positiva para tomada de decisão sobre a continuidade ou não de tais estudos”, diz um trecho do documento. 

Os estudos clínicos de hidroxicloroquina com azitromicina aprovados pela Anvisa para tratamento da Covid-19 têm como finalidade: prevenção de complicações em pacientes leves a moderados; prevenção de complicações em pacientes graves; prevenção de hospitalização e complicações respiratórias em pacientes ambulatoriais com diagnóstico confirmado ou provável; e novo esquema terapêutico para falência respiratória aguda associada a pneumonia. Os três primeiros são patrocinados pela EMS e o último, pela Eurofarma.

A reportagem antecipou aos assinantes do JOTA PRO Saúde que o comitê independente composto por cientistas da Austrália e da Nova Zelândia que acompanha as pesquisas da EMS deu parecer pela continuidade dos estudos no início de maio, segundo a farmacêutica.

A reguladora também esclarece, no ofício em resposta ao MPF, que há aprovações do uso da hidroxicloroquina para tratamento da Covid-19 pelas agências dos Estados Unidos e do Japão. No entanto, trata-se de um tipo de autorização diferente do registro, sem previsão no ordenamento jurídico brasileiro, e que se aproxima do “programa de acesso expandido” regulamentado pela Anvisa. 

Em suma, o documento diz que a agência desconhece estudos conclusivos que comprovem a eficácia do tratamento orientado pelo Ministério da Saúde e que não teve participação no processo de elaboração da nota técnica.

A Anvisa foi procurada para informar se já há algum posicionamento firmado sobre a continuidade ou interrupção dos estudos com hidroxicloroquina, mas não respondeu.

Critica à imprensa

Em reunião pública da diretoria colegiada desta terça-feira (9/6), o diretor-presidente substituto da Anvisa, Antonio Barra Torres, criticou indiretamente a matéria publicada pelo JOTA que relata a ausência de respostas da agência diante de perguntas feitas por procuradores do Ministério Público Federal sobre as orientações do Ministério da Saúde. 

“É lamentável nós vermos neste momento veículos de comunicação da imprensa não tendo a menor hesitação em veicular notícias mentirosas a respeito da agência. Eu não vou citar objetivamente porque eu não vou contribuir para que esses veículos tenham seus nomes citados, mas recentemente três notícias mostrando total descaso com a verdade foram veiculadas, três notícias apontaram situações fantasiosas em que a agência estaria descumprindo ou enfrentando instâncias muito elevadas tanto do poder Judiciário quanto do ‘ministério do povo’, o que é completamente ficção científica de rasteira qualidade”, disse Barra Torres. 

Antes da publicação, a reportagem apurou que a Anvisa não sinalizou em nenhum momento às procuradorias que responderia dois ofícios com perguntas sobre a nota do ministério. O primeiro documento foi enviado no dia 21 de maio, com prazo de cinco dias para resposta, e o segundo foi enviado no dia 28 de maio, com mais cinco dias de prazo.

O segundo ofício, com a reiteração do pedido anterior, inclui um trecho em negrito, destacando que “a recusa, o retardamento ou a omissão de dados técnicos indispensáveis à propositura da ação civil, quando requisitadas pelo Ministério Público, constitui crime”. 

No dia 28 de maio, a reguladora enviou a seguinte nota à reportagem sobre questionamentos feitos pelo MPF a respeito do documento do ministério: “A ANVISA e o Ministério Público seguem canais formais e oficiais de comunicação, sendo respeitados os procedimentos e tempos estabelecidos”. 

Quando os procuradores enviaram o terceiro ofício, na última quarta-feira (4/5), reiterando mais uma vez os pedidos de informação, a agência foi acionada pelo JOTA novamente, para que pudesse justificar a demora. Somente depois disso comunicou à procuradoria em São Paulo que a resposta estava sendo elaborada.

À reportagem, no entanto, a Anvisa limitou-se a informar: “Levando em consideração o tempo de tramitação dos documentos, estamos respeitando os prazos estabelecidos”.

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