Entrevista

‘Cabe a nós trabalhar melhor o que o Brasil é em sustentabilidade’, diz executivo da Electrolux

Vice-presidente de RelGov e Sustentabilidade da empresa, Camilo Wittica defende papel da indústria em estimular mudanças

Muito se fala sobre a necessidade – que já se tornou urgência – de reduzir emissões de gases de efeito estufa, rumo à neutralização, na próxima década. Fixada em 2015, essa é uma das metas que chefes de Estado concordaram na COP-26, em Glasgow, na Escócia. O desafio global é gigantesco. Mas é oportuno colocar uma lupa também sobre como empresas que assumiram esse compromisso estão agindo para chegar lá – e quais os desafios para todos os atores se moverem na mesma direção.

A demanda por energia elétrica é uma das questões que o mundo precisará equacionar para baixar sua liberação de gases de efeito estufa. A preocupação é de governos, mas também dos setores que atendem às necessidades da população. Presente no Brasil desde 1926, a sueca Electrolux promete alcançar a neutralidade de emissão de carbono até 2030, aumentar a a proporção de energias renováveis nas fábricas e substituir veículos movidos a combustíveis fósseis por elétricos.

No país, ela quer também puxar o restante do setor para uma agenda sustentável. Para Camilo Wittica, vice-presidente de relações governamentais e sustentabilidade da Electrolux na América Latina, caberia também à indústria se empenhar para impactar a própria cadeia e além. “Cabe a nós trabalhar melhor o que o Brasil é em sustentabilidade. Não podemos, inclusive eu, enquanto representante da indústria, perder essa onda da sustentabilidade, de pensar em tecnologias e repensar o lar”, afirma.

A Eletrolux tem o objetivo de, não apenas neutralizar as ações diretas da empresa, mas ser neutra no restante da cadeia. Quanto esforço é necessário quando o objetivo ultrapassa a organização? 

Temos metas de a empresa ser carbono neutra até 2030 e em toda a cadeia em 2050. Falar isso é fácil. O desafio para executar é gigantesco. Começa devagar e não acelera imediatamente, porque é preciso desenvolver o parque instalado e fazer investimentos. Todas essas tecnologias precisam ser democratizadas. Não adianta ter um produto super sofisticado que acessa poucos consumidores.

O efeito não é linear, ele é exponencial. Nós temos, por exemplo, um refrigerador novo com uma gaveta que controla especificamente temperatura e umidade, preservando os alimentos por muito mais tempo. Isso muda tudo ao redor, porque o consumidor deixa de ir mais vezes ao mercado, o produtor deixa de entregar tanto, mais pessoas têm acesso.

O senhor mencionou a necessidade de democratização rápida desse tipo de solução. Esse é um processo que partiria também das empresas, seja na relação com governos para haver incentivos, seja no diálogo com o restante da indústria?

É uma jornada. Tem processo de incentivo do governo, com estímulo a pesquisas no Brasil e para que possamos ter mais engenheiros; com legislação que suba a barra para cima em eficiência energética e exija mais dos fabricantes. Ao mesmo tempo, ao fazer isso, ele precisa pensar se vai ficar mais caro para o consumidor e custos da indústria.

O consumidor vai exigir, existe uma mudança. Fizemos uma pesquisa com 14 mil jovens no mundo, que estão entrando no mercado de consumo. Achávamos que a principal preocupação deles nos itens seria com conectividade, mas é com meio ambiente. É um viés muito diferente das gerações anteriores.

A população mais carente pode não estar preocupada com isso ainda, mas essa mesma pessoa tem benefícios quando a cadeia puxa, ao gerar volume dessas tecnologias e democratizá-las até que as tecnologias cheguem aos produtos de entrada. O importante é pensar no parque instalado para ver os efeitos na sociedade. Para nós, não é algo novo, mas a cobrança da sociedade aumentou muito.

Como se dá esse processo de neutralização em toda a cadeia? 

Não é só uma ação. Desde colocar placa solar no teto das fábricas, mas que, sozinha, não zera carbono. Recentemente, estamos colocando caminhões elétricos para fazer entregas, também contribui. Eficiência na fábrica, empilhadeiras elétricas. Também lançamos novos produtos com soluções diversas. Máquina de lavar que desgasta menos as roupas, que, assim, conseguem ter mais vida útil, também é útil.

Os efeitos são exponenciais na cadeia, na medida em que vamos trocando o parque. Produzindo essa máquina com menos plástico e tecnologias melhores, demandarei menos carbono e, por sua vez, durante o uso, ela poderá exigir menos de outras cadeias produtivas. Além de tudo isso, existe a possibilidade de comprar créditos, o que exige uma pesquisa muito séria, para entender como eles atuam e até se tem os certificados adequados.

No Brasil, em que as fontes não são intensivas em carbono, faz sentido eletrificar processos, mas estamos passando por uma crise de oferta relacionada ao clima, enquanto no resto do mundo ainda há dificuldade de abandonar matriz fóssil. Ao falar sobre essa crise, geralmente o foco é em infraestrutura, mas como a indústria poderia atuar nesse processo?  

O Brasil tem uma fonte elétrica muito mais limpa do que no resto do mundo, mas não adianta se não entregamos produtos eficientes. Nossa meta, dentro da legislação, é sempre aumentar a eficiência. Vimos nos últimos anos como o clima ficou mais seco, então, hoje, estamos pagando a conta disso, ainda mais com aumento da demanda após a pandemia. As pessoas estão sentindo as mudanças, e, com isso, somos capazes de puxar a agenda.

Saíram os novos índices de eficiência energética de refrigerador e houve muitas críticas de que poderia ter sido maior, mas os órgãos reguladores no Brasil estão trabalhado bem. O Brasil trabalha bem e há muitas críticas em relação a nós, mas acho que a culpa é nossa, porque podemos trabalhar mais a imagem do Brasil. Cabe a nós trabalhar melhor o que somos em sustentabilidade, que é muito forte. Não podemos, inclusive eu, enquanto representante da indústria, perder essa onda da sustentabilidade, de pensar em tecnologias e repensar o lar.

Em agosto, o Inmetro atualizou os índices de eficiência energética nas geladeiras. O senhor avalia que os índices são exequíveis e capazes de estimular a indústria a melhorar ou depende muito de cada fabricante? 

Os reguladores puxam ao limite, não estão jogando por baixo. Algumas críticas surgiram sobre os índices, mas precisamos considerar que o Brasil é um país tropical, então gastaremos mais com isso, enquanto com secadoras ou aquecedores não é tão relevante. Vejo uma construção muito forte no Brasil por mudanças, da sociedade em construir e em se preocupar. O Brasil talvez tenha começado um pouco tarde, mas está firme nesse propósito.

O discurso e a imagem do Brasil na parte relacionada ao clima e ao meio ambiente estão negativos. O que senhor me diz é que o trabalho técnico ou mais setorial, que é menos observado, como nesse caso da eficiência energética, não seria negativo como a percepção geral aponta? 

Falando sobre imagem e comunicação, hoje está na moda o greenwashing, com a empresas dizendo que fazem, mas não é verdade. A comunicação é importante, porque precisam entender o que estamos falando. Ou no caso do Brasil, transmitir isso para o resto do mundo, por meio das políticas que temos para o país. A comunicação disso é tão importante quanto fazer, para puxar a sociedade para cima, para que a sociedade ganhe com isso. A comunicação é parte relevante desse processo. No caso da Electrolux, o bônus dos executivos sênior está ligado à taxa de carbono, ou você faz ou não ganha. Isso mostra o comprometimento da organização.

O quanto as empresas podem ou devem se engajar para pressionar ou estimular o Estado a adotar políticas públicas nesse sentido? 

Existe muita troca de informação, com concorrentes da indústria e com autoridades. É um processo muito debatido, você vai somando esse conhecimento. Na medida em que a sociedade está engajada, isso puxa autoridades e empresas. Isso puxa você, como pessoa individual. As tecnologias têm que ser democratizadas, senão não há esse efeito exponencial.

As empresas têm sido pressionadas pela sociedade a se posicionar. Em relação à justiça racial, isso se tornou ainda mais forte desde o ano passado, com empresas sendo cobradas não só a tomar medidas internas, mas a falar publicamente sobre o tema, o que muitas fizeram. O senhor entende que as empresas deveriam fazer mais disso publicamente, inclusive em relação ao clima? 

Vou citar um exemplo recente. Uma mulher da empresa comentou que contratou uma mulher que estava grávida. Poderíamos fazer propaganda disso, mas não fizemos. Isso mostra como os executivos da companhia pensam em relação à questão. Talvez em algum momento tenhamos que nos posicionar sobre temas complexos e delicados, mas o nosso trabalho nesse sentido é feito nas posições que temos tomado. É defender eficiência energética ou trazer produtos mais eficientes do que a geração anterior e do que a legislação. Não é fazer um pôster.

Em diversidade, ações internas têm efeitos externos. Por que limitar a entrada de uma pessoa por conta do inglês quando não é necessário para a posição? Isso mina oportunidades em um país com muitas desigualdades socioeconômicas. Não preciso colocar um outdoor dizendo que sou a favor ou contra algo; certamente o que fazemos dentro da organização tem reflexos externos.

Qual é a importância de se observar as outras partes da cadeia? 

Não vejo como desconectar as duas coisas. Não adianta eu comunicar que faço um produto eficiente, se em algum ponto não dou a destinação correta a resíduos. Por isso que o greenwashing é um termo bem nobre, porque estou falando da cadeia como um todo.

E nas relações governamentais, quais são as maiores dificuldades em trabalhar com foco em sustentabilidade? E as oportunidades?

O Brasil ainda tem dificuldades culturais, porque não é todo mundo ainda que está engajado no tema. O governo e nós podemos trabalhar para ajudar a evoluir nesse aspecto. A sociedade engajada que puxa isso. Essa agenda é importante para o governo, puxa muito forte, não está atrás de outros países. As autoridades com as quais temos contato conhecem o tema, exigem, não são tímidas em exigir mais. O Brasil é muito bem regulado, então não vejo criar mais regulamentação. Temos que pensar na agenda que  a sociedade vai puxar.

Diferentemente de organizações da sociedade civil, nem sempre as empresas vão à público se posicionar contra ou a favor de legislações. É diferente no processo de relações governamentais em sustentabilidade? 

Quando há uma legislação dessa natureza, as empresas precisam informar os congressistas, porque aumentaria o custo e ficaria inacessível ou por conta da adequação do parque industrial, milhares de questões. A empresa não consegue debater sem ter uma boa base de dados, porque irão questionar. Todo o processo é muito debatido. Ele não é nem público nem privado.

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