
O governo revisou o tamanho do teto de gastos em seu último relatório bimestral de receitas e despesas. O impacto da medida é relativamente pequeno, de R$ 1,4 bilhão, mas, na prática, significou uma ampliação no limite de despesas do governo federal, que agora está em R$ 1,681 trilhão, em valores arredondados.
A justificativa para isso foi a mudança na forma de contabilização de pagamentos no âmbito da política de garantia de preços mínimos (PGPM), que, apesar de estarem impactando o resultado primário nos últimos anos, estavam sendo considerados como despesa financeira, sem afetar o teto de gastos.
Em nota técnica que embasou a decisão, o Tesouro e a Secretaria de Orçamento argumentaram que, ao se analisar o registro contábil das operações da PGPM, não se enquadram nas hipóteses legalmente previstas para a classificação como inversão financeira. “Portanto, as despesas executadas na ação ‘2130 – Formação de Estoques Públicos – AGF’, bem como em qualquer outra ação que seja utilizada para registrar despesas com a formação e manutenção de estoques da PGPM, devem ser classificadas como despesas correntes (e não mais como despesas de capital); e despesas primárias discricionárias (e não mais como despesas financeiras), passando, portanto, a ficar sujeitas integralmente ao disposto no art. 9º da LRF, bem como aos limites previstos nos arts. 107 a 114 do ADCT incluídos pela Emenda Constitucional nº 95/2016, alterada pela Emenda Constitucional nº 113/2021”, diz a nota técnica, ressaltando que o tema foi previamente tratado com o Tribunal de Contas da União (TCU).
Para a professora do IDP e especialista em finanças públicas, Cristiane Coelho, o movimento do governo acabou permitindo a redução da necessidade de contingenciamento, que, no último relatório, ficou em R$ 1,7 bilhão. Ela explica que é preciso ficar atento para ver se esse movimento de ampliação do teto a partir da reclassificação de despesas passadas não é isolado, já ocorreu por exemplo com a revisão de gastos dos gastos do Fies há alguns anos.
Cristiane avalia que a nota técnica que embasou a medida pode acabar ensejando revisões de despesas direcionadas a outros fundos, levando a mais ampliações no teto de gastos no futuro. “O impacto dessa nota não é isolado, ela mostra que alterações interpretativas podem ser usadas para aumentar ou reduzir espaço do teto ao longo do tempo”, disse.
O consultor do Senado e também especialista em finanças públicas, Vinicius Amaral, vai na mesma direção. “A elevação do teto para 2022 colaborou para que o bloqueio de despesas anunciado pudesse ser menor. Caso não tivesse ocorrido, o bloqueio seria de 3,1 bilhões, ao invés de 1,7 bilhão. Além disso, essa reclassificação pode ter ainda outros impactos, como exigir revisão dos registros de receitas e despesas primárias desde 2016”,
Em resposta ao JOTA, o Ministério da Economia destacou que não faz essas revisões buscando ampliar o teto e sim se manter aderente às regras previstas na Constituição e na legislação de forma geral. “Tais revisões são feitas de ofício, quando se detecta a necessidade de corrigir a classificação de despesas, à luz da legislação vigente em 2016, ano base do teto, o que implica na necessidade de revisão dessa base. As revisões não possuem efeitos retroativos, valem apenas do momento em que se corrige a base para frente, pois os limites do Teto são anuais e não podem ser transportados de um exercício para o outro”, explicou a pasta.
O time do ministro Paulo Guedes reconhece que novas revisões poderão ocorrer. “A revisão da base do teto pode ocorrer a qualquer tempo, como já ocorreu algumas vezes, quando se detectou, por exemplo, em 2018, a necessidade de se incluir o impacto primário do FIES na base do teto, e a exemplo de outros agregados fiscais, tais como PIB, que em alguns momentos sofreram revisões. No caso do teto, não se trata de mudança de metodologia, e sim, da constatação de que a base não foi dimensionada corretamente à luz da legislação de 2016. Não é porque uma despesa deixa de existir, por exemplo, que ela é retirada da base do teto. Se em 2016, dada despesa primária existia e em 2022, deixou de existir, ela continua integrando a base do teto”, argumenta.
Seja como for, é bom ficar sempre atento para garantir que todas eventuais revisões tenham justificativas plausíveis e não se tornem mais um subterfúgio para que o teto seja driblado, como o foi várias vezes desde a sua criação.