A falta de perspectivas de crescimento significativo e a inflação ainda em patamar elevado devem caminhar ao lado do desemprego, no Brasil, em 2022. Mesmo que sejam criadas novas vagas, tendência observada até outubro passado, um potencial arrefecimento da pandemia ao longo do ano impulsionaria o número de pessoas dispostas a se ocupar – o que elevaria a disputa pelas limitadas posições.
A desaceleração da economia, observada já nos últimos meses de 2021, deve criar dificuldades para o mercado de trabalho. O Indicador Antecedente de Emprego do Brasil (IAEmp), da Fundação Getúlio Vargas, que busca antecipar o horizonte de empregos, caiu em dezembro para o menor patamar desde abril, para 81,8 pontos.
A renda também piora. Segundo balanço mais recente da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, o trimestre encerrado em outubro teve queda do rendimento médio de trabalho de 11,1% em comparação a um ano antes. Somada à inflação, o poder de compra caiu.
Essa é mais uma preocupação para a economia em 2022 – que pode afetar também os rumos da política, ao impactar a popularidade do governo. Nesta semana, o JOTA publica uma série de entrevistas com economistas atuantes no mercado financeiro para entender as perspectivas para os próximos meses.
“É um cenário de desemprego e perda de renda pela saída da pandemia e também pela recessão que o país vai enfrentar”, comenta Andrea Damico, economista-chefe da gestora Armor Capital.
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Levando em conta também o que está acontecendo em outros países, como as diferentes fases da pandemia impactam os preços e, assim, o poder de compra?
Inicialmente, os bancos centrais acreditavam que a pandemia seria deflacionária. Por um tempo, bem no começo, ela foi, mas na medida em que se iniciaram alguns processos de reabertura, ela se tornou inflacionária. Os governos achavam que passaríamos por uma recessão ou uma depressão, o que não aconteceu. Toda a política fiscal e monetária foi expansionista por isso; talvez até em demasia, e acabou em inflação.
A pandemia também gerou uma mudança de comportamento de consumo, que privilegiou bens em detrimento de serviços. Assim, passamos a ver os preços de commodities subindo. No mundo inteiro, houve esse processo, por causa também das mudanças no mercado de trabalho, com esquemas de home office.
Isso tem implicações em relação à desigualdade; vale para o Brasil, mas também para os Estados Unidos, por exemplo. A parcela de trabalhadores de menor poder aquisitivo e informais foi muito desfavorecida e não recuperou totalmente seu poder aquisitivo. Esse foi o lado mais perverso da pandemia. Quem está trabalhando em home office, com trabalho formal, viu a poupança até aumentar, porque se deixou de gastar. Em alguns casos, houve uma acumulação de riqueza. Quem tem seu trabalho protegido, está em situação de consumo melhor, e a demanda aumenta.
Começamos a ver nos Estados Unidos e em outros países ricos, além da inflação de bens também a de serviços, relacionada à reabertura, e começamos ver componentes da inflação de salários, que já está muito superior ao período pré-pandemia. Em alguns setores como lazer e hospedagem, está crescendo a mais de 10% ao ano. Essa pressão salarial começa a se espalhar pela economia. Enquanto a inflação de 2021 foi de bens, em 2022 é de salários nos Estados Unidos. A inflação de serviços começa a aparecer e pode ser maior quando os preços de aluguéis aparecerem. Essa é a tônica deste ano.
Para parar essa inflação, o caminho deve ser subida de juros nos Estados Unidos. O Brasil já está mais adiantado, com isso acontecendo há algum tempo. Esses movimentos serão suficientes para a inflação já em 2022?
Com a inflação, não tem muita escapatória para a subida de juros nos Estados Unidos. Tendemos a ver a retirada de estímulos monetários. No Brasil, se partiu para uma política contracionista de juros, porque temos um problema de inflação muito grave. Para o resto do mundo, não vemos isso ainda acontecer, vemos a maior parte sinalizando ida para juros neutro. Provavelmente, no Brasil, se segura em um patamar alto até o final do ano, até pelo menos passadas as eleições.
Esperamos que o Banco Central leve os juros a 11,75%, o que acredito ser suficiente. Embora o Banco Central esteja fazendo todo esse esforço, em 2022 não vai ser suficiente, só para 2023. Apenas no segundo semestre deste ano começamos a ver uma desaceleração mais forte na inflação.
As previsões de crescimento em 2022 já foram revisadas para baixo, com média nas análises variando de condições negativas até menos de 1%. Com todo o mundo passando por esse processo de subida de juros, que o Brasil já começou em maior grau, a situação por aqui é pior?
Bem ou mal, o mundo vai crescer 4,5% no ano que vem. Estados Unidos, Europa, Japão são exemplos. Enquanto nós podemos ter recessão. Uma das grandes explicações para isso é, justamente, que o mundo vai caminhar para juros neutros, ritmo bem suave de subida. Mesmo os emergentes vão tirar os estímulos. Os juros neutros equilibram o crescimento, levam o país a crescer no potencial e a inflação para a meta. Em outras palavras, equilibra inflação e atividade econômica. É diferente daqui, onde iremos para juros restritivos, que vão acabar gerando uma recessão para resolver o problema da inflação.
“Preocupa muito o mercado a postura do governo de tentar recuperar popularidade a qualquer custo, que acaba demonstrando que não tem compromisso com equilíbrio fiscal”
O que um cenário de recessão ou baixo crescimento pode indicar sobre a orientação do governo e o ano eleitoral? É um ponto de atenção para o mercado a possibilidade de aumento de gastos?
Por mais que o Auxílio Brasil esteja aí e tenhamos os R$ 400, o maior problema é uma retomada desigual. Teremos uma recessão e, novamente, os mais vulneráveis vão continuar sofrendo; veremos uma parte dos formais sofrendo também. É um cenário de desemprego e perda de renda, tanto pela condição de saída da pandemia quanto pela condição cíclica do país.
Gera preocupação que isso vai ter reflexos na popularidade do governo, porque se vermos o desemprego aumentar, como parece que vai acontecer, o que mais ele pode fazer para reverter isso? Não vai conseguir gerar crescimento rapidamente ao longo do ano, mas pode se valer de medidas populistas com aumento de gastos para tentar recuperar a popularidade. Isso tem reverberações para o mercado, se tiver um extra teto, por exemplo.
Preocupa muito o mercado a postura do governo de tentar recuperar popularidade a qualquer custo, que acaba demonstrando que não tem compromisso com equilíbrio fiscal. Como as notícias de aumento de salários para policiais federais, ou Refis [renegociação de dívidas tributárias], ou anistia para financiamentos estudantis [Fies]. Isso acaba ‘fazendo preço’ e se torna relevante para fazer os juros subirem.
Essa desconfiança se soma às reverberações após as mudanças no teto de gastos com a PEC dos Precatórios? Como isso se estende a este ano?
Ela rompeu com a principal regra fiscal que o país tinha, e isso teve implicações. Porém, no final da história, ter a PEC, por pior que ela tenha sido, implicou para o mercado uma situação melhor do que não ter, porque poderia entrar no lugar um orçamento de guerra, um estado de calamidade, que daí teria um cheque em branco para gastar a vontade. Foi uma espécie de contenção de danos, limitando um pouco o que podemos ver em 2022.
De todo modo, se perdeu o espírito do teto, que é gerar uma discussão sobre como gastar. Embora o Banco Central não tenha reconhecido isso formalmente, sabemos que ele aumentou mais juros porque isso piorou a sua perspectiva fiscal de médio prazo, então implicou em juro neutro mais elevado. Foi um reconhecimento importante, de que está tendo que fazer um pouco mais de juros justamente porque teve todos esses problemas de desconfiança em relação à política fiscal.
“No começo, o Guedes perdia às vezes para a ala política do governo, mas também ganhava. Agora ele só perde”
Existe alguma crença de mudança de rumo em um futuro próximo?
A não ser que os dois lideres das pesquisas cometam estelionato eleitoral, é difícil, porque provavelmente eles vão para a campanha com discurso populista. Em tese, o Lula poderia ser menos pró-mercado que o Bolsonaro, mas ele não foi também, na medida em que adotou políticas populistas e gerou esvaziamento da equipe econômica. Aquela política liberal com a qual o Bolsonaro foi eleito, com o Paulo Guedes como superministro da Economia, não veremos em um segundo mandato. No começo, o Guedes perdia às vezes para a ala política do governo, mas também ganhava. Agora ele só perde. Se ele continuar, vai ser mais um Guedes do final do mandato.
As análises econômicas se concentram mais nessa divisão do pleito entre Lula e Bolsonaro ou ainda se trabalha com a chance de uma terceira via, após a entrada de Sergio Moro?
O que estava no preço, antes de o Moro anunciar e crescer, era essa eleição polarizada. Ele se mostrou como uma terceira via mais factível, não que o mercado acredite que ele vai ganhar ou vai para o segundo turno, mas soa como se talvez pudesse existir a chance. Isso ajudou um pouco no preço quando saíram pesquisas com ele aparecendo. Para ter impacto maior, ele teria que crescer mais para mostrar condições de ir para o segundo turno. Antes estava quase 100% de chances nas análises de Lula e Bolsonaro, e agora apareceu para o mercado como um lampejo de esperança.
Está mais no preço que teremos governo voltado para o social, com mais gastos. Há essa demanda dessa população; é diferente de quando o Bolsonaro foi eleito, que tinha pauta mais liberal. Não seria o Guedes do começo também.
Para o mercado, um bom parâmetro de política econômica seriam os primeiros anos tanto do governo Lula quanto do de Bolsonaro, períodos com reformas e políticas mais liberais?
Esse é um desejo do mercado. Se houvesse sinalizações nesse sentido, o mercado melhoraria demais, mas não vi isso acontecer. Antes do primeiro turno, improvável; para o segundo turno talvez para tentar cooptar os eleitores de centro. Mesmo que essa sinalização aconteça nas eleições, ainda prevejo o tom mais voltado para o social.