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Marcos Lisboa: ‘receio que nossa incompetência atrapalhe mais do que a doença’

Economista participou de discussão promovida pelo JOTA sobre os impactos do coronavírus nas instituições

marcos lisboa
O economista Marcos Lisboa em debate na CNI - Crédito: Miguel Ângelo / CNI/ Divulgação

No curso da Segunda Guerra Mundial, a poderosa Luftwaffe, força aérea da Alemanha nazista, bombardeou a Inglaterra meses a fio, em uma campanha militar que ficou conhecida como “Blitz”. Na ocasião, muitas famílias da nobreza inglesa fugiram para suas casas de campo e acompanharam as notícias de longe, em segurança e com garantia de alimentos. A família real inglesa, porém, ficou em Londres. Após sofrer bombardeios no Palácio de Buckingham, a rainha Elizabeth  disse: “estou feliz que fomos bombardeados. Agora posso olhar para o East End [bairro entre os mais afetados com os bombardeios] de frente”.

Foi com o resgate dessas cenas da guerra que o economista Marcos Lisboa, presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, ilustrou o momento pelo qual passa o Brasil com a pandemia do coronavírus. “Há líderes que se refugiam em suas casa de campo, há outros que enfrentam o bombardeio. O tempo vai dizer quem está de um lado e quem está do outro”, afirmou Lisboa, referindo-se à história, durante webinar do JOTA dessa terça-feira.

Desde segunda-feira (2/3), o JOTA realiza uma série de discussões por videoconferência, para assinantes JOTA PRO, fazendo uma análise dos impactos do coronavírus nas instituições e nos setores produtivos.

Para Marcos Lisboa, falta no Brasil uma liderança que coordene os esforços necessários para conter o mais rápido possível a disseminação do novo coronavírus.

“Hoje a prioridade é a medicina, a saúde da população. O que mais me preocupa é a falta de preparo da gestão pública”, disse. “Vemos uma população desinformada. É preciso deixar claro quem tem que ficar em casa, quem tem que ir ao hospital, quem não precisa ir ao hospital e quais são os protocolos.”

Ele avalia que em momentos assim a economia precisa se subordinar ao poder público:

“É preciso que as autoridades serenem, conversem, deixem de lado temas menores. Tudo isso com uma liderança que coordene uma cadeia organizada para fazer essa transição”, defendeu Lisboa. “Meu receio é que a nossa incompetência atrapalhe mais do que a doença.”

Para ele, é necessário primeiramente entender a dimensão da epidemia e se ela tem um ciclo curto. “Por isso, quem tem que ficar à frente das ações são os técnicos da medicina”, apontou.

E os informais?

Sobre as medidas anunciadas pelo Ministério da Economia, Lisboa entende que elas ficaram restritas aos trabalhadores com empregos formais. “E o mercado informal de trabalho? E as pessoas que não têm carteira assinada? Como fica a renda das famílias que vivem da informalidade?”, questionou.

Marcos Lisboa defende uma “solidariedade social” porque, para ele, “o importante é garantir que as pessoas que perderam sua fonte de renda consigam passar pela epidemia”.

Durante o webinar, o economista foi questionado se seria uma opção a ampliação do Bolsa Família e se o governo teria caixa para isso. “Como disse o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, ‘o que estiver precisando ser feito, vamos fazer, depois a gente compensa nos próximos anos’”, respondeu.

E complementou: “mais do que o Bolsa Família, é preciso pensar em uma estrutura de logística e inteligência, porque em muitos casos haverá dinheiro e não vai ter bem à venda”.

No cenário pós-pandemia, o economista avalia que caminhamos para uma recessão.

“E vamos encarar isso como serenidade, faz parte da vida, acontece. A economia brasileira é fraca há muito tempo, vem medíocre há 40 anos, e tivemos uma década muito ruim”, avaliou Lisboa. “E temos um ambiente tributário, de comércio exterior, de insegurança jurídica em projetos de longo prazo que afasta o investimento. O Brasil é um país de baixo crescimento e o setor privado estrangeiro está indo embora há anos.”

O presidente do Insper destacou que as reformas estruturais ficam emperradas porque não há maturidade dos tomadores de decisão. “A falta de diálogo impede que se chegue a um meio termo para tocar uma agenda de reformas. É preciso ter mais maturidade com relação a isso”, avalia. “Esse jogo disfuncional está sendo muito disruptivo para o país.”

Durante todo o webinar, que durou pouco menos de uma hora, Marcos Lisboa fez questão de ressaltar que, no momento, a economia tem um papel secundário e que as ações e atenções precisam se concentrar na proteção das pessoas.

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