COP 26

Litígio climático cresce no mundo e força setor privado a evitar riscos

Painel na COP 26 destacou caso da Shell, que terá que reduzir emissões em 45% por determinação da Corte de Haia

litígio climático
Conferência na COP 26 / Crédito: Jonne Roriz/ Nosso Impacto

A litigância climática é uma tendência que vem crescendo ao longo dos últimos anos — e as empresas devem ficar atentas aos riscos aos quais estão expostas diante dos novos tratados globais que são assumidos. O assunto foi tema de um painel de discussão em Glasgow, na Escócia, durante a COP 26, a conferência do clima das Nações Unidas.

No evento, um dos principais casos citados foi o da Shell, condenada em maio deste ano a reduzir as suas emissões de gases de efeito estufa em 45%, em comparação aos níveis anteriores a 1990, até 2030. No painel, realizado no Brazil Climate Action Hub, estande da sociedade civil na COP 26, a principal pesquisadora do caso Shell, Sjoukje van Oosterhout, afirmou que “há um consenso global para manter o aquecimento global em 1,5ºC e as ações da Shell não correspondem a isso”.

Para chegar a essa conclusão, vários dados sobre a ação da empresa foram levantados: a Shell é responsável por 3% das emissões globais de gases de efeito estufa, o equivalente a nove vezes o que o governo holandês emite. Atualmente, a corporação investe 3% do seu faturamento anual em fontes renováveis, sendo que, para atingir a meta de limitar o aquecimento do planeta a 1,5ºC do Acordo de Paris, é preciso parar de usar os combustíveis fósseis.

Entre 2018 e 2020, foram US$ 2 bilhões investidos em renováveis, enquanto US$ 200 bilhões foram alocados em combustíveis fósseis. Esses dados, entre outros levantados pela Milieudefensie, organização ambiental que processou a Shell, embasaram a ação e respaldaram a decisão da Corte de Haia.

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O exemplo da Shell é simbólico porque é o primeiro do tipo que serve como alerta para que outras empresas percebam como a litigância climática pode chegar ao setor privado. Com o Acordo de Paris, há um consenso global sobre esforços que precisam ser feitos por todos os setores da sociedade para minimizar os danos causados pelo aquecimento global, e por sua vez, preservar os direitos humanos.

No Brasil os casos de litigância climática ainda estão muito mais concentrados na esfera pública, como as ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs), movidas pelos partidos PSOL, PSB, PT e Rede, com apoio do Observatório do Clima. As legendas acionaram o Supremo Tribunal Federal para exigir a retomada dos fundos Amazônia e Clima, principais mecanismos financeiros da política climática brasileira, que permitiriam ao país cumprir a Política Nacional sobre Mudança do Clima e o Acordo de Paris. Segundo a especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama, Suely Araújo, o objetivo das ações foi obrigar o governo a usar recursos que estavam parados. “Ainda não houve uma decisão, mas acreditamos que teve efeito, porque o governo começou a repassar recursos depois de alguns meses”, disse Suely. O movimento no Brasil faz parte de uma tendência global.

De acordo com o relatório Tendências globais em litígios climáticos, da London School of Economics (LSE), os casos do tipo mais do que dobraram desde 2015. Entre 1986 e 2014, pouco mais de 800 casos foram arquivados, enquanto mais de 1.000 casos foram iniciados nos últimos seis anos. Segundo a publicação, “as empresas precisam estar cientes do risco de litígio”. Ainda de acordo com o relatório da LSE, uma das tendências é que as áreas estão se diversificando. Os novos casos têm como alvo uma variedade mais ampla de atores do setor privado e financeiros e há mais diversidade nos argumentos usados, por exemplo, incorporando temas de greenwashing e dever fiduciário. Para a LSE, três áreas a serem observadas no futuro são litígios da cadeia de valor, casos de apoio governamental à indústria de combustíveis fósseis (por exemplo, por meio de subsídios ou redução de impostos) e casos focados na distribuição dos encargos associados à ação, que podem ser classificados como “casos justos” de transição.

Outro caminho tortuoso é o do greenwashing, que pode também encontrar base nas metas anunciadas por empresas que se comprometem com o net-zero. De acordo com a pesquisadora do ClientEarth, Ellie Gold, o greenwashing teve um período de litígio pela publicidade, e agora os advogados olham para os compromissos públicos que são anunciados. “A tendência é ver o que a empresa fala publicamente e o que ela faz na prática. Cabe a nós, sociedade civil, cobrar a base científica para o plano net-zero”, disse.