Dois estudos recém-finalizados por pesquisadores do Centro de Pesquisa em Macroeconomia da Desigualdades (Made) da USP jogam luz sobre os efeitos sobre a distribuição de renda e a atividade econômica de reajustes reais do salário mínimo. Os trabalhos, antecipados ao JOTA, mostram que, apesar de essa política em geral ter efeitos positivos tanto no crescimento como na desigualdade, a magnitude dos seus impactos variam conforme o contexto econômico, situação do mercado de trabalho e por outras ações do governo, como medidas compensatórias voltadas para a questão fiscal.
No estudo “Crescimento com maior poder de compra: os efeitos macroeconômicos da valorização do salário mínimo”, produzido por Marina Sanches, Gustavo Serra, Rikelme Gomes e Matias Cardomingo, os pesquisadores fazem simulações, por meio de uma matriz de contabilidade social, dos efeitos econômicos de curto prazo de um reajuste do salário mínimo de 3,02% em 2020 e 2021, anos em que não houve ganho real para o piso do país.
“Os resultados desta nota também sugerem que o impacto do reajuste sobre a atividade econômica depende das respostas do setor público, através de políticas compensatórias (isto é, cortes de gastos ou aumento da tributação face ao maior custo resultante do reajuste), e do setor privado ao aumento do salário”, dizem os autores.
Segundo eles, na ausência de compensações, o reajuste simulado representaria um aumento de 0,16 ponto porcentual no PIB e ainda teria efeitos positivos na distribuição de renda. “O reajuste do salário mínimo funciona como uma transferência de renda sobretudo para o primeiro segmento de famílias (50% mais pobres). Como tal segmento tem uma propensão a consumir mais elevada, a injeção de recursos para tais famílias impulsiona a economia”, comentam.
O trabalho também simula diferentes cenários de compensação fiscal. O pior desempenho é quando o setor público corta despesas no nível equivalente ao que foi elevado com o reajuste real. “As transferências de renda para os estratos permanecem inalteradas, porém, neste exercício, o efeito líquido sobre o produto da economia se torna negativo (-0,01% do PIB), tendo em vista a redução da demanda agregada ocasionada pelo corte de gasto autônomo, que reduz o efeito multiplicador”, sustentam.
Em outros dois cenários, as compensações são por meio de taxações, ou sobre o 1% mais rico da população ou sobre lucros e dividendos. No primeiro caso, o aumento do PIB seria de 0,15 ponto porcentual e no segundo, de 0,11.
Os economistas também simularam os resultados no PIB considerando possíveis reações do setor privado, que experimentaria aumento de custos. Na primeira, consideram menor distribuição de lucros e, mesmo com a taxação sobre esse item, haveria um ganho de 0,08 ponto porcentual no crescimento do PIB. A segunda simulação considera redução de investimentos na mesma magnitude da alta do custo do trabalho no setor privado. Nesse caso, praticamente não há alteração na economia: o PIB cresceria 0,02 ponto porcentual a mais.
“Em suma, esta nota verifica a possibilidade de efeitos econômicos positivos da retomada da política de valorização do salário mínimo vigente até 2019. No entanto, ressalta a importância de que essa política não seja acompanhada de outras políticas públicas com caráter regressivo à distribuição de renda e atividade econômica”, diz o documento.
Impactos na distribuição de renda
O outro estudo finalizado pelo Made/USP busca analisar mais detidamente os impactos da política do salário mínimo sobre a distribuição de renda. O período analisado é de 2014 a 2021, no qual o país vivenciou uma grave crise recessiva, seguida de um baixo crescimento econômico e elevado desemprego.
Assinada pelos mesmos autores da outra nota, mas também por Alessandra Brito e Celia Kerstenetzky, o estudo mostra que, em um ambiente de desemprego alto, a política de reajuste real do salário mínimo pode, na verdade, até aumentar a concentração de renda (medida pelo índice de gini). Esse impacto negativo, porém, é atenuado pelas transferências de renda indexadas ao piso salarial do país.
Os pesquisadores construíram equações para simular os impactos em todo o período, mas também em cortes temporais diferentes – primeiro entre 2014 e 2016, depois entre 2016 e 2018 e por fim entre 2018 e 2021. Eles também analisaram os impactos específicos sobre a desigualdade decorrentes do mercado de trabalho e das transferências de renda.
Na análise mais geral, o aumento do salário mínimo acabou elevando em 0,018 o índice de gini – quanto maior esse indicador, que vai de 0 a 1, mais concentrada a renda na sociedade.
“Esse comportamento foi principalmente ditado pelo mercado de trabalho”, diz a nota. “A análise do período completo mostra que o canal assistencial cumpriu seu papel ao, pelo menos, contrabalancear a tendência de deterioração do mercado de trabalho”, completam os autores.
Ao JOTA, o economista Mathias Cardomingo reconhece que o resultado mostrando piora na desigualdade com o aumento do salário mínimo no período analisado é contraintuitivo. “O que a gente entendeu como principal mecanismo para isso é o fato de o trabalhador que recebe o salário mínimo estar acima da mediana da renda familiar geral. Então, em um mercado de trabalho deteriorado, com desemprego muito alto, o aumento do salário mínimo beneficia famílias em que a renda média está acima da mediana das rendas”, explicou, apontando que o trabalho confirmou os papéis relevantes de Previdência e Assistência na melhora da distribuição de renda.
As simulações mostram, na visão dos autores, que é preciso articular aumento de salário mínimo com políticas de geração de empregos.
Em um contexto no qual o governo discute uma nova política de aumento real do salário mínimo, os estudos do Made/USP trazem aspectos importantes para serem levados em conta nas discussões que se seguirão nos próximos meses. Embora essa política tenha efeitos positivos, as decisões precisam ser tomadas olhando-se todo o contexto e outras políticas públicas. É menos simples do que parece.