A inflação surpreendeu as projeções de especialistas em 2021, levando em conta os cálculos do mercado na pesquisa Focus do Banco Central (BC). A inflação acumulou alta de 10,06% no último ano, maior número desde 2015, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) divulgado nesta terça-feira (11/1).
Assim, o aumento de preços ao consumidor terminou o período em patamar cerca de três vezes maior do que era esperado no fim de 2020 – mesmo comportamento da taxa de juros, elevada pelo BC na tentativa de frear a inflação.
Essa dificuldade em projetar o futuro se intensifica em 2022, com um cenário ainda mais imprevisível, de eleições presidenciais e aumento de juros em mercados desenvolvidos, o que deve impactar países emergentes, como o Brasil.
Na busca por previsibilidade para o cenário deste ano, o JOTA publica uma série de entrevistas com economistas que lideram análises no mercado financeiro. Roberto Padovani, economista-chefe do Banco BV, é o segundo entrevistado. Nesta segunda-feira, Sérgio Vale, da MB Associados, comentou o cenário.
Sobre as eleições, Padovani diz ver “pouco espaço” para a viabilidade de uma terceira via que reúna condições de vencer o ex-presidente Lula ou o atual mandatário, Jair Bolsonaro.
Além do cenário político possivelmente conturbado, o que deve ocupar o pensamento dos economistas em 2022?
A política monetária norte-americana de parar de injetar recursos na economia e subir juros é dada como certa. Em dezembro, o Banco Central inglês também subiu, de maneira inesperada, a taxa de juros.
Então esperamos que essa mudança aconteça também na Europa, o que potencializa os efeitos. O padrão histórico sugere que, quando se alteram as condições globais de liquidez, isso tende a penalizar os mercados emergentes. Isso vai ocupar todo o ano de 2022.
Há ainda eventos locais. No Brasil, uma eleição polarizada, com uma campanha eleitoral acompanhada de debates de políticas públicas polêmicos do ponto de vista de mercado financeiro. E, seja quem for o próximo presidente, haverá um posicionamento natural do mercado sobre se será um governo forte ou fraco, com espaço ou não para reformas, e qual será a agenda econômica.
Definir a viabilidade de uma terceira via também será fundamental e deve trazer muita instabilidade para os mercados. Acreditamos que há pouco espaço para essa opção e não vemos um único candidato reunindo eleitorado a ponto de tirar Lula e Bolsonaro. O apoio do Alckmin consolida a competitividade de Lula, então dificilmente o Lula sairia deste jogo. E a queda da inflação estimada para o ano que vem deve beneficiar a competitividade do Bolsonaro.
A inflação projetada é menor do que a vista em 2021, que bateu muitos recordes. O que deve promover essa queda? Tem mais a ver com os movimentos do Banco Central ou há outras fontes?
A retirada de estímulos dos bancos centrais internacionais contribui para uma redução no ritmo de crescimento global. O comportamento na China ainda é a principal dúvida, mas o governo chinês deve continuar dando estímulos para administrar uma desaceleração.
O mundo cresce a um ritmo menor, o que deve manter o dólar forte e ser uma fonte deflacionária. Essa combinação implica em estabilidade ou queda em preços de commodities. Isso é decisivo porque os aumentos foram um choque importante e fonte de pressão inflacionária.
Outras questões que ainda teremos que aguardar é relacionada aos problemas nas cadeias globais de suprimento; quando se tem uma demanda aquecida, mas a oferta não consegue acompanhar. O caso dos automóveis foi típico: não tinha peças suficientes, por isso o preço dos automóveis subiu.
Faz sentido a demanda se acalmar um pouco e continuar dando tempo para a oferta reagir. Outra questão ainda mais incerta é o regime de chuvas. A combinação de seca com geada trouxe muitas quebras nas safras em 2021 e aumentos na energia elétrica.
A inflação subiu e o BC foi obrigado a reagir, elevando a taxa de juros. Com a alta, o crédito encarece e o mercado de crédito deve esfriar, porque as pessoas ficaram mais pobres e o crédito está mais caro. Não é nada natural ter inflação de 11%, que deve cair para 5% neste ano.
Se olharmos os últimos 40 anos, nunca tivemos um momento de recessão no Brasil com ambiente global indo bem. Então o mundo ajudaria o Brasil, mas com as pioras do crédito isso vai levar uma contração financeira. Temos que ver qual lado terá mais peso, e acreditamos que levemente para a economia global.
Os economistas estão projetando PIB com uma leve recessão, leve alta, então as projeções têm girado ao redor de zero. Isso gera um certo desconforto de curto prazo, porque o crescimento baixo torna o país menos atraente a capitais. O crescimento sempre parece que é ao redor de 1% ou 1,5%.
É possível dizer que esforço precisou ser maior por causa das mudanças na forma de ajuste do teto de gastos? Durante a PEC dos Precatórios, que alterou essa regra fiscal, vimos um descontentamento grande do mercado, com queda na Bolsa, por exemplo. Além desse efeito momentâneo, qual é o impacto dessa mudança nas regras do jogo para a economia?
Nesse ambiente de juros subindo, eleições competitivas e baixo crescimento o governo decidiu mudar as regras fiscais. É um problema de confiança. Muita gente me pergunta por que não mudariam as regras de novo, se já mudou. Se há essa abertura de o governo poder gastar mais, como ele vai financiar os novos gastos? Tomando mais dívida. Se a dívida aumenta num cenário de aversão ao risco, então o dólar sobe, isso gera mais dificuldade nesse processo de desinflação e mais taxa de juros.
O melhor jeito de controlar a inflação se a economia está aquecida, com pressão de custos, é esfriar a economia, reduzir gastos públicos, de forma a diminuir suavemente o crescimento econômico. O que estamos vendo é o contrário: estão aumentando os gastos públicos. Isso faz com que outro instrumento da administração seja a taxa de juros. O problema é que se você não confia ou não pode contar com a política fiscal isso coloca mais carga na taxa de juros.
Um país muito endividado, com pouca capacidade de crescer, gera uma dinâmica de dívida muito complicada. Os Estados Unidos podem gastar muito e financiar esses gastos porque tem muito mais crescimento do que juros. Aqui é o contrário. Uma pequena alteração nas regras fiscais para financiar ações meritórias mas sem cortar outras despesas criou outra dinâmica. Um pequeno movimento, dado o tamanho de dívida, impactou muito. A leitura do mercado financeiro é de que essa pequena desconfiança produziu um movimento expressivo na dinâmica esperada para a dívida pública.
Isso altera a capacidade de obter investimentos, considerando ainda o cenário internacional de menor liquidez?
Se houver qualquer problema, os investidores vão querer sair do risco, o que basicamente é sair dos mercados emergentes, principalmente dos mais arriscados. O fato de crescer pouco ,com uma dívida elevada, torna o Brasil mais propenso a acidentes. O país ficou mais vulnerável.
Não é uma discussão sobre o gasto específico, mas sobre a mudança da regra e como vai financiar. O governo poderia dizer hoje que vai dobrar os programas sociais, mas para fazer isso vai reduzir isenções tributárias, vai cortar gastos, fazer uma reforma administrativa. Não tem problema. É o debate democrático correto, de se discutir onde vai gastar. O problema é que não está sendo assim.
Essa desconfiança leva o mercado a se preparar para novos movimentos no mesmo sentido?
A avaliação de governo e desempenho eleitoral são dependentes da economia. O índice do desconforto, que é uma composição simples entre taxas de desemprego e de inflação, explica muito os desempenhos dos governos de modo geral. No Brasil, em 2021, ele foi muito elevado.
Essa composição produziu um dano muito grande na avaliação do governo. Isso importa para nós economistas porque aumenta a incerteza e o futuro se torna ainda menos previsível. É um dano gigante na dinâmica dos ativos financeiros, bolsa, juros e câmbio.
Um governo mais frágil politicamente optou por mudar as regras fiscais. Foi feita uma avaliação de como poderia ser revertida essa fraqueza do governo perto das eleições, então se aumentou o gasto público para fortalecer a campanha em algumas regiões do país, e estimular a economia como um todo.
Essa foi a decisão, a despeito das avaliações da equipe econômica e das reações de mercado. Se temos um governo politicamente mais frágil e disposto a tomar medidas que o beneficiem eleitoralmente, então se entende que é possível abrir mão da racionalidade econômica.
No curto prazo, o governo administra a capacidade de crescer para evitar flutuações muito fortes no ciclo econômico. Quando o governo, como foi no nosso caso, ficou frágil e tomou uma decisão política de expansão fiscal, isso faz com que a taxa de juros tenha que subir mais. O principal instrumento de administração da política econômica nos últimos meses se tornou a política monetária.
No sentido de fazer uma economia mais liberal, que deixe os agentes econômicos tranquilos, a receptividade ao Lula aumenta se fizer chapa com Geraldo Alckmin?
Alckmin pode contribuir para consolidar a competitividade do Lula apenas. Do ponto de vista de agenda econômica, somos uma democracia relativamente nova. O que temos aprendido ao longo do tempo é que os políticos tomam as decisões para se manter no cargo.
Lula teve um discurso para ganhar a eleição e teve um para administrar a economia. Há uma certa decepção de que seja quem for o próximo presidente vai ter que enfrentar as mesmas questões e evitar um colapso econômico e social.
Não somos um país que está disposto a pular no abismo, no desconhecido. A Dilma ganhou a reeleição e fez uma guinada na gestão econômica, em relação à campanha e ao primeiro mandato. Esse é o exemplo mais bem acabado de que as lideranças políticas são sensíveis a certas restrições.
A sociedade brasileira tem aprendido que não há espaço para grandes loucuras, grandes mudanças. Os países que tem desvios em políticas consideradas racionais são muito penalizados. E se a economia é penalizada, o ambiente político também é.
O que traria menos insegurança e imprevisibilidade?
Se o futuro nos reserva um cenário muito ruim ou muito bom não interessa para o mercado financeiro, porque ele se prepara. Se falar que o cenário futuro é muito complicado, se ajusta. Os empresários também se ajustam. O que incomoda não é que o cenário seja bom ou ruim, mas a imprevisibilidade. Eu ouvi a vida toda que o mercado financeiro gosta dos republicanos nos Estados Unidos, então estaria preocupado com uma eventual vitória do Joe Biden. O mercado festejou a vitória do Biden. Não é porque a economia gosta dele, é porque ele se tornou mais previsível.
Então seria preferível um nome mais previsível, mesmo que não siga a cartilha do que o mercado financeiro deseja?
Além do nome, importa saber se será um governo forte ou fraco, quais são as condições de governabilidade, e qual a agenda econômica. Se der essas três respostas para a economia como um todo, seja quais forem, a previsibilidade aumenta e a incerteza cai. A longo prazo, não se está muito preocupado com nomes. Por outro lado, no presente pode trazer instabilidade financeira.