As previsões do mercado financeiro para o crescimento da economia brasileira têm caído a cada número do Boletim Focus do Banco Central, que reúne prognósticos das instituições. Na edição mais recente, a alta esperada para o Produto Interno Bruto (PIB) em 2022 passou para 0,28%, menor ainda do que os 0,36% observados na semana anterior. Outras estimativas são de dólar em alta, aumento da taxa de juros e inflação menor do que em 2021, mas ainda em patamar considerável.
O cenário para a economia é de pessimismo generalizado. “É muito importante para o mercado, assim como para o empresariado e as famílias, ter a percepção de que estamos avançando numa direção correta, e que podemos tomar decisões de longo prazo sem lidar com sustos”, diz Mirella Sampaio, economista da gestora Itaú Asset. “O que incomoda e dificulta nossa análise hoje é essa falta de clareza e de segurança sobre a velocidade e a direção para onde o país está indo”, completa.
A entrevista faz parte de uma série do JOTA para entender o que o mercado enxerga para 2022.
- +JOTA: Crise atual é diferente porque Economia ‘abandonou o barco’, diz Sérgio Vale
- +JOTA: Há pouco espaço para a terceira via, diz economista-chefe do Banco BV
Os resultados do final de 2021 nos principais indicadores econômicos foram negativos. Como isso afeta as perspectivas para 2022?
Os dados que temos recebido apontam para uma dinâmica muito pior do que se imaginava, a partir de um terceiro trimestre mais fraco. A economia real assusta: inflação em dois dígitos e problemas relacionados à atividade. Ainda existe a dúvida sobre como a variante ômicron vai afetar as perspectiva de crescimento global. Em outros momentos apresentaria previsões bem mais otimistas para a atividade, não só no curto prazo.
De modo geral, os prognósticos são bem pessimistas. Qual seria uma visão otimista factível com o que vemos hoje? Existem alguns campos em que poderíamos ter resultados melhores?
Algo que tem espaço é o agronegócio, embora seja um pedaço pequeno do nosso PIB, que não consegue mudar completamente a dinâmica. Mas mesmo para o agro já se teve perspectivas mais otimistas.
Outro aspecto possível e que seria importante são investimentos. Não costumamos pesar a caneta como se isso fosse mudar o jogo, mas é muito impressionante quando tentamos quantificar quantos leilões ou convênios foram fechados entre poder público e iniciativa privada. Tem muita coisa na fila para acontecer.
É relevante, porque investimento em geral gera uma gama de movimentos ao redor, faz circular a indústria, seja de bens ou serviços associados. E investimento é de longo prazo. Quando uma empresa decide abrir uma fábrica isso gera um dinamismo próprio por algum tempo. A taxa de investimentos no Brasil é relativamente baixa. Nos afastamos do mínimo crônico recente, mas estamos muito aquém da taxa de investimento que já tivemos em outros momentos. É difícil que isso vire um grande movimento rapidamente no ano que vem justamente pelo fato de serem planos multianuais.
Ainda existe alguma esperança de que pautas relevantes economicamente, mesmo que mais laterais, caminhem no Congresso ou essa é uma perspectiva que não está mais dentro das análises sobre o ano?
Eu era mais otimista em relação à aprovação de projetos [envolvendo privatizações e reformas] antes de termos que gastar tanta energia no segundo semestre com debates de pautas fiscais, em especial a PEC dos Precatórios. Não é que seja inviável construir um argumento e buscar avançar com pautas, pois muitas delas são projetos de lei simples, sequer exigem um quórum tão qualificado, ou tem um processo de tramitação tão intenso.
Algumas coisas ficam na caixinha do monitoramento, e outras na do altamente improvável. Já é tradicional esperar maiores dificuldades de tramitação de projetos, como de reformas e privatizações, em um ciclo eleitoral normal, e esse está bem antecipado, já estamos discutindo antes.
Esse debate público antecipado já começa a se refletir nos mercados, mesmo que ainda não se esteja precificando resultados eleitorais? O que se vê nas pesquisas de intenção de voto, com Lula e Bolsonaro como os candidatos mais viáveis, já se assenta?
Não estamos em fase hoje que seja tão óbvio falar que antecipamos o debate e isso já está fazendo preço no mercado. Há alguns sinais, porém, de que de alguma forma isso já está presente. Há ativos mais afetados por aspectos políticos, mas não acho que seja porque há certos candidatos viáveis. Temos exemplos no Brasil e no mundo sobre corridas que mudam. Ainda não é a hora de dar um sobrepeso. Sequer temos detalhes suficientes para formar opiniões tão claras, tão explicitas, ou qualquer coisa de gênero. No fim, um ano em política é um século.
Na avaliação negativa sobre o governo, os temas que aparecem como maior fonte de preocupação são inflação, desemprego e fome. Para o mercado, e agentes econômicos de modo geral, quais são as maiores questões?
Tem muito a ver com a pauta de país que se tem, mais do que governo. É muito importante para o mercado, assim como para o empresariado e as famílias, ter a percepção de que estamos avançando numa direção correta, e que podemos tomar decisões de longo prazo sem lidar com sustos. O que incomoda e dificulta nossa análise hoje é essa falta de clareza e de segurança sobre a velocidade e a direção para onde o país está indo.
A PEC dos Precatórios simboliza isso em alguma medida, até pela razão que ela existiu. Em um belo dia, nos deparamos com um problema que consumiu tempo. Foi um custo de oportunidade votar a PEC, porque poderíamos estar usando aquele momento e o espaço de debate público para outras coisas. Flexibilizamos o teto de gastos por um motivo pontual. Não acredito que rasgou ou acabou com o arcabouço fiscal, mas claramente houve uma fragilização. Toda essa energia foi gasta para lidar com um problema do presente, em vez de nos prepararmos para o futuro. O ano de 2021 não era para ter sido tão complicado.
Os efeitos dessa quebra, como a capacidade de atrair investimentos, poderiam ser resolvidos com uma mudança de direção ou as repercussões podem se prolongar neste ano e até no próximo mandato ou governo?
A experiência sugere que não é imediato. As pessoas sempre estão dispostas a dar um voto de confiança quando se começa a demonstrar que mudou de direção ou que tem um novo plano, mas é muito natural esperar que isso demore, o que não significa que seja impossível. Países emergentes já conseguiram mudar antes; é um processo. O país sofreu muitas críticas, é uma questão de credibilidade. Ter a consciência dos problemas é o primeiro passo para corrigi-los.
Após os ajustes de cálculo feitos pela PEC dos Precatórios, acredita que o teto deva ser rediscutido ou seria mais adequado esperar o tempo previsto quando ele foi criado, até 2026?
Perdemos de vista que o teto é uma inovação relativamente jovem no nosso arcabouço fiscal. A Lei de Responsabilidade Fiscal [LCP 101/ 2021] também não é tão antiga quanto a Constituição, enquanto o teto só passou a ser uma realidade no final de 2016.
Ele deve ser rediscutido, porque já o foi; não adianta tentar dourar a pílula e falar que o arcabouço fiscal de hoje é o mesmo que vigorava há seis meses. Às vezes não se muda a lei, mas por interpretações o efeito real e concreto das ações não é o mesmo que se esperava. Mas é mais importante que exista a intenção de avançar com processo de consolidação fiscal do que se ater exclusivamente a um aspecto ou peça legislativa como o teto.
Nesse sentido, mais acertado seria discutir a reforma tributária? Na sua perspectiva, alguma outra discussão difícil deveria vir antes?
Temos um sistema tributário extremamente complexo. No ambiente das empresas, isso gera dificuldades e custos de conformidade, e também há a questão arrecadatória. Não tem como fingir que não há um problema fiscal. Esse tem que ser o ponto de partida para qualquer análise a partir de 2023. Não ter uma sinalização nesse sentido contamina muita coisa, porque aumenta o custo de rolagem da nossa dívida, representa risco país, dificulta o custo das empresas de conseguirem manter o seu dia a dia estável.
Não colocaria a pauta ideal como sendo uma só, mas ela tem que passar por reconhecer que temos uma questão fiscal e que não dá para ignorar os problemas sociais do país.
Temos que ter um Orçamento que reflita nossos desejos e angústias, no limite. Em 2023, o desafio será o mesmo independentemente de quem se sentar na cadeira. Precisamos de um projeto bem estruturado e de clareza sobre como entregar.